Esqueçam, ele não se reforma

António Costa retribuiu, sexta-feira, a Pedro Nuno Santos a graça que este lhe fez há cinco anos, na Batalha, fazendo com que o Congresso da consagração do novo líder socialista mostre que ele, Costa, ainda continua longe de ter de pôr os papéis para a reforma.

Há 15 dias, António Costa disse não ter nem idade nem vontade de meter os papéis para a reforma. Quase com as mesmas palavras de há cinco anos, no final do 22.º Congresso do PS, na Batalha, no dia imediatamente seguinte a Pedro Nuno Santos ter levantado o pavilhão com um discurso marcadamente de esquerda.

Nessa altura, nem um nem outro pensariam com certeza estar já na posição em que hoje se encontram e sobretudo nestas condições.

Sabia-se desde então, sim, que a sucessão de Costa passaria por Pedro Nuno Santos. Mas faltava saber quando.

Chegou agora a hora. De forma precipitada e inesperada para ambos.

É assim a política, às vezes as coisas acontecem quando são menos esperadas.

Como disse e repetiu Costa, tirem o cavalinho da chuva aqueles que pensam que esta passagem de testemunho no PS é também a sua passagem à reforma política.

Mesmo que tivesse idade, faltar-lhe-ia sempre a vontade.

Primeiro, porque António Costa sempre viveu da e para a política, desde muito jovem respira política, gosta de política, foi educado para a política e recusa-se a admitir que o seu nome fique para a História como o do primeiro-ministro que se demitiu porque foram encontrados uns largos milhares de euros em notas escondidas no escritório do seu chefe de gabinete na Residência Oficial de S. Bento.

Impensável!!!

Depois, porque, se são mais de trinta anos dedicados à res publica, era só o que lhe faltava sair de forma tão enxovalhante e indigna.

Daí que, para António Costa, esta entrega do testemunho a Pedro Nuno Santos neste Congresso do PS tenha de ser apenas um percalço, o resultado de uma contrariedade, um epifenómeno numa carreira política que está longe
do seu epílogo.

Por mais que se fale de um lugar na Europa, seja o de presidente do Conselho Europeu seja outro qualquer, nem a palavra de António Costa a afastar a possibilidade de concorrer à Presidência da República em 2026 serve para excluir essa fortíssima possibilidade.

Para António Costa, uma eventual eleição para a Presidência da República seria a vingança sobre o atual inquilino de Belém – que tão bem sabe que, tal como a vichyssoise, se serve fria – e a melhor forma de entrar para o restrito grupo de elite dos que acumularam em democracia as funções de chefe de Governo e de Estado, ao lado apenas de Mário Soares e Cavaco Silva.

Assim recuperando a sua reputação de servidor da Nação e apagando a imagem de facilitador de negócios que lhe foi traçada pelo Ministério Público e a Operação Influencer.

Pragmático, Costa cedo percebeu que tinha de engolir o sapo de contar com o apoio do seu sucessor, mesmo sendo há muito conhecidas as suas claras divergências, a todos os níveis, com Pedro Nuno Santos – para o qual, aliás, tentou nos últimos anos arranjar sucessivas alternativas (de Fernando Medina a Mariana Vieira da Silva ou de Ana Catarina Mendes a Marta Temido).

Em nome desse pragmatismo, e da sua estratégia pessoal, fez questão de ser ele, hoje, a figura central do primeiro dia do Congresso do PS que consagra a ascensão de Pedro Nuno Santos à liderança do PS.

É como se fosse uma repetição do que aconteceu na Batalha, mas com papéis invertidos.

E a forma de António Costa reafirmar, uma vez mais, que está ainda longe de pôr os papéis para a reforma.

Se Costa não hesitou um segundo em engolir um batráquio ao apoiar a eleição nunca no passado por si desejada de Pedro Nuno Santos à liderança do PS, também o novo líder não se fez rogado à degustação de umas perninhas de rã, aceitando o protagonismo inusitado do secretário-geral cessante e primeiro-ministro em gestão nestes conturbados tempos para o PS e estendendo a mão às pretensões do seu adversário na corrida interna, José Luís Carneiro, tanto na distribuição proporcional de lugares como nas bases programáticas que não são propriamente coincidentes.

Assumir o legado do Governo destes oito anos, e sobretudo dos dois últimos – em que foi desautorizado e humilhado antes de ser afastado – e cujas opções frontal e publicamente criticou, não é só um bom petisco de difícil ingestão para Pedro Nuno Santos. É indigesto e não vai lá com pastilhas daquelas que ajudam a curar a indisposição.

Pedro Nuno Santos quer ter o partido unido e todos ao seu redor em plena pré-campanha para as legislativas que se avizinham.

Por isso, cede à tentação de ir ao encontro de todas as capelinhas e até do papa dos socialistas que nunca nele depositou grande fé.

Logo veremos se esta estratégia é mesmo a mais acertada.

Ou se Pedro Nuno Santos vai bem enganado e, afinal, António Costa é quem precisa dele e do PS e já não o contrário.

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