As contas da Associação Mutualista Montepio Geral, dona do Banco Montepio (AMMG), continuam envoltas em incertezas. Uma delas diz respeito à composição do balanço da associação. Em 2022, de acordo com o relatório e contas, apresentava um passivo de quase 3,4 mil milhões e um ativo de mais de 3,7 mil milhões de euros – divididos em depósitos (mais de 102 milhões), títulos (550 milhões), investimentos no grupo (1,7 mil milhões), imóveis (395 milhões) e ativos por impostos deferidos (912 milhões).
Contactada pelo Nascer do SOL, a Associação Mutualista não esclareceu as questões colocadas, frizando antes que «pelo terceiro ano consecutivo a Associação Mutualista Montepio Geral, o Banco Montepio e todas as empresas do grupo apresentam resultados positivos». E sublinhando: «O Banco Montepio e as seguradoras apresentam este ano os melhores resultados da sua longa história. Não se entende, neste quadro, o regresso a questões já respondidas anteriormente».
É no valor dos ativos que começam as dores de cabeça. Ao que o Nascer do SOL apurou, apenas os depósitos, os títulos e os imóveis estão disponíveis e mesmo nos títulos há reservas. Economistas contactados pelo nosso jornal admitem que cerca de metade são empréstimos obrigacionistas subordinados ao Banco Montepio, logo, não são suscetíveis de venda no mercado sem grande desvalorização. Já os investimentos no grupo estão imobilizados e não são convertíveis no curto e médio prazo. Também nas participadas há que contar com a valorização ‘excessiva’ do banco em 1.500 milhões de euros, já que no entender dos mesmos está muito acima do valor que o mercado lhe atribuiria em caso de venda, representando 40% do total do ativo.
Uma situação que tem vindo a merecer alertas por parte da própria auditora da associação, a PwC, já que tem entendido que o banco pode estar sobreavaliado e, como tal, a Mutualista poderá não recuperar o investimento.
Também nos ativos por impostos diferidos – trata-se de uma diferença de valorização que é dedutível ao imposto no futuro, mas que é temporária, porque tem um fim – há um cenário de instabilidade, porque, se retiramos estes 900 milhões, o total do ativo fica abaixo do passivo. Valores que igualmente têm sido postos em causa pela PwC. No início de 2023 e pelo terceiro ano consecutivo, a auditora considerou que os ativos por impostos diferidos encontram-se sobreavaliados «por um montante materialmente relevante» que não consegue quantificar, reforçando assim a sua reserva às contas da Mutualista.
«Os ativos por impostos diferidos existem porque vou diferir um imposto que no futuro vai diminuir o que vou pagar. Em regra, estão relacionados com prejuízos fiscais que não ficam refletidos na contabilidade, no entanto, os ativos por impostos diferidos têm alguma fragilidade do ponto de vista de apurar os resultados. Do ponto de vista das empresas, quem recorre a esta ferramenta tem como objetivo aumentar os capitais próprios», diz fonte ouvida pelo nosso jornal.
Uma situação que já levou João Simeão, ex-diretor-adjunto do Montepio Geral, a escrever uma carta aberta no Público dirigida à ainda ministra do Trabalho – responsável pela supervisão da Mutualista: «Após 175 anos de sólida existência, a AMMG encontra-se em falência técnica e é hoje um esquema Ponzi, como reconheceram os conselheiros do Banco de Portugal». E acrescentou: «O Governo, após promover as falhadas soluções das ‘parcerias estratégicas’ do Montepio com Deus (SCML) e com o Diabo (chineses da CEFC), em 2017/18 escondeu a falência técnica com os impostos diferidos (já ascendem a 913 milhões) e com o novo Código das Associações Mutualistas (CAM), que prometia corrigir a gestão e melhorar a democracia interna, cuja implementação só ficou concluída com a tomada de posse dos novos órgãos sociais, em 2022, um arrastar de pés ilustrativo da complacência com o desastre da Mutualista».
Contactado pelo Nascer do SOL, João Simeão diz que «na Mutualista há cerca de 1.500 a 1.800 milhões de responsabilidades a descoberto» e que, «no ano passado, fez pagamentos de 750 milhões e que é este o nível de responsabilidades que se vencem todos os anos», o que o leva a reconhecer que «a Associação Mutualista não tem liquidez já que o montante de depósitos anda à volta de 102 milhões de euros e os 550 milhões em títulos são, na sua maioria, dinheiro emprestado ao próprio banco que não tem hipótese de poder liquidar essas obrigações, pelo que está dependente das novas entradas de dinheiro por parte dos novos associados e das renovações dos produtos de capitalização que se vencem». Isto é, «se retiramos os ativos dos impostos deferidos do ativo da Mutualista, o valor total não é suficiente para reembolsar os associados das suas poupanças».
Esta instabilidade é acompanhada ainda pela queda do número de associados. Se antes da separação das marcas (banco versus Mutualista), em 2015, o número de associados rondava os 632.931, em 2022 fixava-se nos 606.483. Ainda assim, um aumento quando comparado com o ano anterior, quando apresentou cerca de 601 mil, mas que não descansa Eugénio Rosa, que concorreu às últimas eleições para a liderança da Mutualista, tendo saído derrotado.
Segundo um estudo a que o nosso jornal teve acesso, e de acordo com o economista, trata-se «de um número elevadíssimo de saídas, mesmo se deduzirmos os óbitos – cerca de mil por ano – e tal devia merecer por parte da administração uma reflexão muito profunda, procurar saber as razões e que soluções deviam ser adotadas para estancar esta sangria de associados». Eugénio Rosa acrescenta que nunca teve conhecimento que esse trabalho tenha sido feito de «forma sistemática».
O economista acusa ainda a entidade liderada por Virgílio Lima de não dar informações onde as poupanças são aplicadas. «A maioria tem pequenas poupanças de uma vida, e desconhecem onde elas estão aplicadas, qual é a sua rentabilidade e a sua segurança para garantir o seu reembolso», diz, lembrando que «as poupanças que estão na Associação Mutualista não têm um Fundo de garantia, como sucede com depósitos bancários, que garanta o seu pagamento». E remete para o mesmo estudo: «A única garantia que têm as poupanças são os ‘ativos’ (depósitos, empresas, obrigações, ações, etc.) de que a Associação Mutualista é proprietária. Se forem mal geridos perdem valor e os associados perdem uma parte das suas poupanças».
Recorde-se que os produtos mutualistas estão sob controlo do Ministério do Trabalho e da Segurança Social e, como tal, não beneficiam do Fundo de Garantia de Depósitos – que assegura até 100 mil euros por depositante.
Supervisão dos seguros ‘eternamente’ adiada
Até 2030, altura em termina o período transitório, a Associação Mutualista Montepio Geral continua a ser supervisionada pelo Ministério da Segurança Social, cabendo à Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) monitorizar as ações das grandes mutualistas para se adaptarem ao novo quadro regulatório e de supervisão.
O regulador dos seguros continua a aguardar o plano de convergência por parte da associação que identifique que está pronta para ficar dentro do regime jurídico da atividade seguradora para poder ser supervisionada. O Nascer do SOL apurou que até agora a associação ainda não criou as condições técnicas e formais para ficar sob a alçada da supervisão dos seguros e um dos entraves diz respeito ao risco de solvência que terá de aumentar e que é exigido.
Ao Nascer do SOL, fonte oficial da ASF lembra que a sua missão, «durante o período transitório, não é de supervisionar estas associações mutualistas, mas acompanhar a implementação do plano de convergência no sentido de assegurar a plena conformidade com o regime segurador aplicável no fim do período transitório». Ainda assim, garantiu que a Mutualista «ainda não conseguiu presentar um plano de convergência conforme às exigências legais aplicáveis, pelo que não alcançaram o cumprimento dos deveres fixados».