O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) continua tremido. Uma parte da verba dos últimos cheques, o terceiro e quarto, chegaram a ser retidos em dezembro pela Comissão Europeia, uma vez que, no momento da avaliação do cumprimento das metas não estavam a ser cumpridos três das 47 medidas a que Portugal se comprometeu. Ainda assim, foram entregues 2,6 mil milhões de euros e foram dados seis meses ao país para dar provas de cumprimento das medidas em falta para receber mais de 700 milhões de euros retidos.
Em falha, segundo Bruxelas, estava a reforma das Ordens Profissionais. Uma medida que António Costa defendeu ser fundamental para assegurar “maior liberdade de acesso à profissão, maior liberdade no exercício da profissão e, sobretudo, para que os jovens tenham maior oportunidade de aceder às profissões reguladas”. Outra das metas que ficaram por cumprir dizia respeito à criação dos centros de responsabilidade integrada (CRI) nos hospitais, diploma que foi entretanto promulgado pelo chefe de Estado, mas que só entrou em vigor no início deste ano,
Por outro lado, estava ainda em causa o processo de descentralização na área da saúde. Um atraso que entretanto foi justificado pelo primeiro-ministro demissionário pelo facto de já vários municípios terem assinado o acordo, após avaliação de Bruxelas.
Inicialmente Portugal tinha disponível 16,6 mil milhões de euros: 13,9 mil milhões de euros em subvenções e 2,7 mil milhões de euros em empréstimos, mas com a atualização da reprogramação do plano passou a ter uma dotação de 22,2 mil milhões para levar a cabo 44 reformas e 117 investimentos. E o Governo tem-se vindo a multiplicar em anúncios – desde a requalificação de escolas, passando por infraestruturas, a soluções de habitação, entre muitos outros projetos (ver páginas 10/11) – e no final do ano passado até anunciou o reforço ao nível dos recursos humanos da estrutura de missão Recuperar Portugal, entidade responsável por negociar, contratualizar e monitorizar a execução do plano.
Riscos É certo que a execução deste programa também envolve algum nível de risco. Em dezembro, o Ministério Público (MP) defendeu que, apesar dos melhoramentos ao nível da governação do Plano de Recuperação e Resiliência, “persistem insuficiências” no que se refere aos recursos humanos e tecnológicos, nomeadamente em áreas de especialização, como engenharia, recursos informáticos e tecnológicos para garantir “uma adequada mitigação do risco de duplo financiamento”. E considerou que a Inspeção-Geral das Finanças (IGF) não assegurou uma “apreciação global e adequada” do sistema de controlo interno (SCI) do PRR.
Também ao nível das insuficiências, o MP chamou a atenção para a inexistência ou insuficiência de procedimentos de controlo para a salvaguarda das regras, em especial, relativas à prevenção de conflitos de interesses, fraude e corrupção, desvios na aplicação dos procedimentos de controlo interno, ausência de uma avaliação horizontal do risco de fraude e a inexistência de formação completa para suporte dos pedidos de pagamento a apresentar a Bruxelas. A estas somam-se ainda omissões de descrição de procedimentos, não cumprimento das regras de visibilidade do financiamento, limitações da natureza da informação, bem como a falta de um plano para as verificações no local.
Também o Presidente da República continua atento ao PRR e não tem poupado recados. Depois da demissão de António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que o que “PRR não pára, nem pode parar”. E acabou por pedir ao próximo Executivo para multiplicar o ritmo de execução da famosa bazuca. “Num período de fundos europeu irrepetíveis, o desafio continua de pé: manter o ritmo de recuperação dos últimos seis meses e multiplicá-lo até porque chegaram novos desembolsos”, desafiou.
Ainda não se sabe quem sairá vencedor do próximo ato eleitoral, mas para já, o líder do PSD, Luís Montenegro, disse que queria reabrir o processo de fundos do PRR, mas que queria reverter propostas do “Mais Habitação”. Ainda que sejam matérias distintas, António Costa afirmou que o próximo Executivo não deveria seguir esse caminho, porque “o último Governo que chegou e quis renegociar o PRR, o que conseguiu foi estar um ano parado e agora anda a suplicar para que lhe estendam o prazo de execução porque perdeu um ano na execução”. E acrescentou: “O país sabe uma coisa: Gostem ou não gostem, o PRR está contratualizado entre Portugal e a União Europeia, e estamos obrigados a cumpri-lo até 31 de dezembro de 2026; gostem ou não gostem, vão ter de cumprir os 32 mil fogos contratualizados com a União Europeia, porque se não os construírem perdemos o dinheiro”.
Críticas antigas Marcelo Rebelo de Sousa chegou a puxar as orelhas à ministra da Coesão Territorial, no ano passado, garantindo que estaria “muito atento” e que não perdoaria caso descobrisse que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que acha que deve ser.
Na altura, Ana Abrunhosa disse apenas: “Partilhamos totalmente da preocupação e da pressão do Presidente da República [PR]. O senhor Presidente, por diversas vezes, transmite [a sua opinião] em privado e em público. Desta vez, teve maior visibilidade”. E lembrou: “Estamos num momento em que temos recursos financeiros à nossa disposição, muitos recursos financeiros, mas todos também sabemos, e não é só no nosso país que o setor da construção é um setor onde os preços aumentam todas as semanas, muitas das vezes os concursos ficam desertos, portanto, a execução dos projetos demora mais do que aquilo que desejamos”.
No entanto, a crítica de Marcelo foi dias mais tarde subscrita por Mário Centeno, ao afirmar que “a percentagem de investimento financiada por fundos europeus continua a ser dramaticamente baixa. Menos de 20% do investimento público total é financiado por fundos europeus, o que quer dizer que mais de 80% é financiado com os impostos pagos pelos portugueses”.