Nem todos partilham a opinião de que os fundos comunitários podem ser vistos como uma espécie de tábua da salvação da economia portuguesa. Uma das vozes mais críticas é a de Nuno Palma, professor Catedrático no Departamento de Economia da Universidade de Manchester, e investigador do Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, que lançou recentemente o livro As Causas do Atraso Português e aponta a atribuição dos fundos comunitários como responsáveis pelo atraso da economia nacional. Em entrevista ao Nascer do SOL revela que mostra na obra que “o atraso explica-se pelas más políticas públicas, passadas e presentes, que levam à baixa produtividade da economia. Mas essas más políticas públicas têm em si de ser explicadas. Temos políticos que fazem escolhas desastrosas, e míopes, viradas para o presente, que fogem como o diabo da cruz a reformas que a prazo desenvolveriam o país”.
E apesar de afastar a ideia de que poderá existir um problema cultural profundo reconhece que os fundos europeus distorcem a economia e o processo político. “Em Portugal têm efeitos particularmente negativos, por comparação com alguns outros países. Primeiro porque Portugal foi o país que mais recebeu destes fundos em relação ao tamanho da sua economia. Segundo, porque em Portugal eles chegaram num contexto de instituições fracas, de capital humano particularmente baixo (por contraste com o que aconteceu a partir do início do século XXI na Europa do Leste), e com um ambiente cultural criado pela atmosfera do pós 25 de Abril, que tornou Portugal num país mais à esquerda e mais estatista do que os seus congéneres europeus”, acrescentando que “Portugal não tem capital humano, nem instituições suficientemente fortes, para que seja possível uma aplicação eficiente dos fundos europeus”, daí defender que deveriam acabar.
As críticas do economista não ficam por aqui. De acordo com Nuno Palma, os fundos europeus infantilizam o país. “Portugal é um adulto de 40 anos a receber mesada da mãe Europa. Acabar com os fundos teria benefícios grandes para a população, mas principalmente a prazo, enquanto os custos estariam concentrados em quem deles hoje beneficia. Logo, estes últimos têm o incentivo a fazer muito barulho para manter tudo como está. É natural, ainda que míope e egoísta”.
E qual a solução? De acordo com o mesmo, internamente, a única decisão que, no seu entender, seria responsável seria avançar para um pacto de regime em que os maiores partidos acordassem rejeitar mais fundos europeus. Ainda assim, acredita que esse é um cenário que não lhe parece provável. E não hesita: “Falta de vontade de mudar do país reflete algo mais profundo do que apenas maus políticos estarem no poder. O país é como um paciente que se queixa, mas que não muda o seu comportamento, exigindo políticas públicas diferentes”.
Também a historiadora Raquel Varela que numa entrevista ao Nascer do SOL alerta para riscos, mas mais no plano da sua execução. “A partir do momento. em que temos massivos empréstimos a entrarem no país, que é o caso do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], cujas decisões não são sujeitas ao tal escrutínio popular democrático, o que temos é uma disputa selvagem por esses recursos”.
E lamenta que Portugal seja um país onde o Estado tem um peso absurdo na vida pública, em que não há sociedade civil, política, associativa, em que não discute a forma de que como é que as verbas comunitárias, nomeadamente a bazuca sejam distribuídas. “Porque é que no PRR se decide que são colocadas não sei quantas eólicas, não sei quantos parques solares em zonas de montado? Porque é que se decide que existe agricultura intensiva no Alentejo ou estufas de plástico em Odemira? Porque é que não se chamaram as populações locais e discutir ‘O que é que faz falta ao país?’. Estamos numa situação em que não temos emergências de maternidades abertas e achamos que a política são os empréstimos do PRR para ir pôr eólicas onde havia montado”, questiona.
Perante este cenário Raquel Varela não hesita: “Eu quero discutir o PRR, nem sei se é preciso um PRR”.