O processo Orwelliano contra o Chega

O Chega é um partido de direita democrática, não é sequer radical nem extremista, mas é de facto um partido político que se afirma como anti-sistema, ou seja, anti este poder único que tem governado Portugal em democracia.

O grau de demonização do Chega por parte dos partidos que têm governado Portugal nos últimos 50 anos é um facto política antidemocrático digno de estudo. O Chega é apresentado pelos donos do sistema como um partido político extremista, antidemocrático, populista, fascista, no fundo sujo, indigno e desprezível.

O Chega é um partido de direita democrática, não é sequer radical nem extremista, mas é de facto um partido político que se afirma como anti-sistema, ou seja, anti este poder único que tem governado Portugal em democracia.

Há um afastamento crescente no Ocidente quer das elites políticas dos cidadãos, quer destes daquilo a que se chama a política. Este afastamento por parte dos eleitores resulta também em muito de uma degradação da política e da qualidade dos políticos. Possivelmente os aliciantes do sector privado são cada vez maiores e as pessoas com mais qualidade e capacidade afastaram-se da política, ficando apenas nos partidos que controlam o poder durante décadas os apparatchik e gente que nunca fez mais nada senão a vida do partido. O desinteresse da população, manifestado na abstenção, interessa àqueles que se perpetuam no poder durante décadas e que controlam sectores determinantes da sociedade. O caso dos média é um dos exemplos mais notório, a maior parte não passam de agências de propaganda desses partidos no poder até pelas vantagens que recolhem.

Quando um sistema se transforma numa teia de controlo quase total da sociedade, criando até a sua contestação admissível, o que sai da sua esfera gera mecanismos antidemocráticos de dominação. Aquele eleitorado que o sistema deixa de conseguir controlar, e que não se limite a votar sempre no mais do mesmo ou a abster-se, torna-se uma fonte de preocupação. O desespero legítimo de muita gente que não desistiu de melhorar as suas vidas concretas tem levado ao surgir de novas propostas políticas que lhes dão voz e vão ao encontro dos seus problemas. Os políticos profissionais e a sua imprensa submissa ao perceberem o perigo para o seu poder incontestado demonizam essas propostas como populistas e extremistas.

A transformação do Outro, do adversário político que não controlamos no inimigo execrável e repugnante, é uma prática recorrente na história da humanidade por parte das ideologias mais abjectas mesmo que camufladas de benignidade. Os comunistas e os nazis praticaram também esse tipo de método e deixaram escola. Não interessa a verdade, a argumentação racional, a seriedade, o debate crítico, a factualidade, a objectividade, o respeito pelas pessoas, mas sim manipulá-las, construir narrativas e imagens negativas que se devem ser assimiladas com a verdade irrecusável. É frequente o uso mentiras, calúnias, todos os truques mais baixos, falácias, descredibilização e no limite até à inferiorização do outro como ser humano pelas suas características morais, psicológicas, etc… Veja-se o que os comentadores do sistema e o próprio sistema dizem dos eleitores do Chega, do líder do partido e dos seus elementos. Não há malfeitoria, deformação moral, social e cognitiva que não seja imputada…

Recordemos que esse partido é reconhecido pelo Tribunal Constitucional, é um partido democrático e num país de dez milhões de pessoas tem pelo menos um milhão e meio de eleitores. Hillary Clinton chamava àqueles que não votavam em si de “deploráveis”, gente desqualificada, ignorante, analfabeta, os “grunhos”, os “fachos”.

As construções abjectas do inimigo estão retratadas de modo magistral por Orwell no livro 1984. Em Portugal os donos do sistema e a pressão massiva que fazem sobre os média subservientes recapitulam esse processo, o que torna indigno esse tipo de política e esse pseudo-jornalismo.

A figura do bode expiatório é fundamental nessa construção do inimigo. Esse processo consiste em diabolizar um outro e desse modo desviamos a atenção dos nossos erros, projectando os nossos defeitos no outro de modo hiperbolizado. Orwell referia a táctica dos “dois minutos de ódio” e do “Goldstein”, técnicas de manipulação das consciências das populações.

No fim-de-semana do congresso do Chega, assistimos a várias sessões de “dois minutos de ódio”. Esta estratégia consiste em criar um ou vários momentos do dia no qual as pessoas, com o aval de uma autoridade maior (partidos do poder, comentadores avençados, pseudo-jornalistas) e protegidas por essa autoridade, expressam seu ódio a alguém, neste caso a Ventura e ao Chega. Os Cheganos, os fachos, como referem.

Nessas sessões é projectada nas teletelas a imagem de um vilão, o Goldstein, ou seja, um Ventura e reproduzidas em profusão considerações negativas, imputações de malfeitorias, mentiras, etc., estimulando desse modo as pessoas a estados de exaltação histérica, raiva e ódio e onde proferem insultos e ameaças contra esse vilão. Goldstein é o grande inimigo do partido que se perpetua no poder, e é retratado como alguém abominável que se opõe à liderança magnífica do “grande irmão” e do regime do PS e do PSD, o Ingsoc (acrónimo, curiosamente de socialismo).

Ora, uma democracia que tem donos não é uma democracia… Quando o partido no poder considera a oposição mais assertiva nas críticas e em alternativas como não tendo o direito a existir, e a diaboliza com todas as desqualificações, anomalias e insultos está a reproduzir práticas totalitárias. Este aspecto sinistro de certos partidos e dos seus jornalistas é um sintoma da doença que afecta as democracias. O desrespeito por opiniões discordantes e a criação de cordões sanitários ao que o sistema não consegue subjugar infringe aspectos essenciais das democracias a sério.

Nas democracias debilitadas as eleições só são democráticas e boas, quando ganha o partido ou o grupo x. Se ganhar y, por voto democrático, já não será democracia, e surgem nas agências de comunicação disfarçadas de médias autónomos os alertas da democracia em risco e perigo. A democracia torna-se então a escolha de uma só possibilidade. Um aspecto evidente dessa função de agências de propaganda travestidas de jornalismo está no conluio para não mencionarem, não convidarem ou referir o que é demonizado. Quando o “mal” é referido, devem utilizar apenas notícias negativas, exacerbar aspectos anedóticos, manipular factos sobre candidatos e os seus representantes.