Tem uma mistura italiana, brasileira e, também diz, muitas vezes, que já se sente um bocadinho português. Afinal, quem é o Igor Marchesi?
É sempre muito difícil falar sobre mim… Acho que quando nós o fazemos, somos sempre limitados…
“O que é que eu posso falar de mim?”, “O que é que pode parecer?”, “O que é que eu quero parecer?”.
É muito louco… Mas eu acho que eu sou uma das pessoas mais normais, no sentido do dia-a-dia. A minha vida é muito tranquila. Gosto muito de estar em casa. Gosto muito de estar com amigos também, mas sou capaz de passar dias e dias sozinho. Eu gosto de coisas normais, coisas simples. Gosto de ver pessoas passando na rua, observar, sentar ali na Bica, pegar uma cerveja e ficar só observando. Ouvir a conversa dos outros…
Quase como um voyeur… Sim! (risos) Um voyeur da vida real!
E em termos de temperamento? Transmite muita calma… Eu aparento ser calmo, mas dentro de mim existe uma explosão. A ansiedade aqui dentro é muita. Minha cabeça não para! (risos)
Com o passar dos anos isso tem melhorado?
Acho que não! A gente vai ficando com mais bagagem, com mais traumas, mais medos… Mais responsabilidades da vida adulta. Acho que a gente não é bem preparado para isso… De repente a gente cai e é adulto. Temos de pagar contas, às vezes, mudar de país, começar uma nova vida. Mas acho que estou indo bem!
Nasceu no estado de Espírito Santo, considerado litoral, no Brasil. Por isso, cresceu perto da praia. Como foi crescer nessa zona? Faz surf desde muito novo…
Tenho muitas memórias da casa da minha avó… A gente cresceu muito no Mangue, brincando nas árvores, no rio… Surfando… Como a minha família é muito grande, eu e os meus primos morávamos todos perto, por isso, eram os meus melhores amigos. A gente cresceu junto, brigava, brincava. A minha família é uma família matriarcal. Tinha minha avó, minha mãe, minhas tias… Eram 9 mulheres e 2 homens (só tenho dois tios). Então, essa mulherada toda foi muito importante para mim.
Acha que isso lhe deu uma sensibilidade diferente de lidar com as mulheres e viver a vida?
Acho que sim! Mesmo vendo o sofrimento que algumas mulheres passam. Na luta pela carreira, para ser mãe, profissional, esposa… Estar bem no mercado e estar bem em casa. São muitas exigências. Têm de se desdobrar em 10 e acho que isso me fez admirar e reconhecer o esforço das mulheres.
E porque é que o surf é tão especial na sua vida? É também uma forma de limpar a alma e lidar com a ansiedade?
Exatamente! Eu nem sei quando é que aprendi a nadar! Desde que nasci que eu sei nadar, acho! (risos) Comecei com bodyboard, depois comecei a pegar prancha de surf emprestada de amigos… No começo era tudo uma farra, uma diversão. Hoje, eu acho que é um lugar de silêncio e contemplação. Botar a cabeça no lugar, sabe? Uma terapia real! Lava a alma! A água do mar tem energia para te purificar. Isso me ajuda muito.
Porque vivemos num mundo cheio de ruído onde o silêncio é escasso?
É cada vez mais difícil encontrar lugares de silêncio. Mesmo que você esteja em casa sozinho e esteja em silêncio, dentro de você, não existe silêncio. No mar isso muda. O mar me dá uma leveza muito grande. Agora vou menos do que eu gostaria… Eu morava no Estoril, lá eu ia sempre. Como agora moro no Chiado, é mais trabalhoso me deslocar.
É formado em Turismo. Tirou o curso em 2009, apesar de gostar muito de surf e de representação. Porquê?
(risos) Quando eu estava acabando a escola, a minha mãe falou: “Olha, você tem de fazer uma faculdade!”. Não tinha artes cénicas na minha cidade. Já fazia teatro. Comecei fazendo teatro na Igreja, depois fiz teatro amador. Como tinha de escolher um curso e não me conseguiam botar noutro estado para estudar, eu peguei a lista dos cursos, peguei o último de baixo para cima e escolhi turismo. Falei: “Ah! Pode ser bom! Eu gosto de viajar!”. (risos) O turismólogo é o que menos viaja! (risos) Fui, comecei a faculdade, na metade eu queria abandonar, mas a minha mãe não deixou. “Esse diploma é meu! Você termina e depois escolhe o que você quiser, eu vou-te apoiar!”, me disse.
Por uma questão de segurança!?
Sim, acho que sim! Eu tinha de cumprir esse objetivo. Ela pagava, ela me apoiava, por isso, eu devia isso! Na época eu não entendi… Tinha 18 anos, achava que era contra mim. Agora, eu entendo. Ainda bem que ela insistiu, porque me dá visão para todas as outras áreas da minha vida!
Era um adolescente rebelde?
Era! (risos) Eu sempre gostei muito de fazer o que eu quero. Eu faltava a muitas aulas! Acho que eu não arrumava briga, mas eu e os meus primos aprontávamos! (risos) Fazíamos bagunças! Andava com a malta do skate, do surf. Anjos ali não tinha! (risos)
Acabou o curso e como surgiu a representação na sua vida?
Estava trabalhando numa produtora cultural, mesmo como produtor, e estava muito bem no mercado. Só que aí, um dia, estava deitado numa rede com uma amiga minha, da idade da minha mãe, conversando sobre a vida e ela me perguntou: “Qual o seu sonho?”. E eu falei: “O meu sonho é ser ator”. Ela me respondeu: “E o que você estava fazendo para conseguir isso?”. Foi um tapa na cara! Um choque de realidade! “Nada!», respondi. Ela me disse para correr atrás e eu percebi que tinha de fazê-lo. “Eu não quero chegar com 50 anos e falar: ‘E se eu tivesse tentado?’”. A partir daí, comecei a juntar dinheiro para ir para São Paulo lutar pelo meu sonho, fazer o curso. Gostei do curso, depois me chamaram para um teste na Globo! Pensei: “Meu, estão me ligando da Globo!”. (risos) Era um personagem pequeno, mas era o que eu precisava para começar! Fui, passei, peguei o personagem. Foi aí que percebi que era mesmo isso que eu queria para minha vida. Foi quando acabei a novela ‘Fina Estampa’ que fui para a universidade. Eu queria ser bom, mas para isso, tinha de estudar!
Isso significa que, para si, a formação é importante…
Total! O facto académico é muito importante, mas claro que também existe uma galera que se torna muito boa com cursos. Cursos de improvisação, palhaço, workshops. Cria-se um leque. Acho que a faculdade é fundamental… Me ajudou a descobrir minha própria metodologia de trabalho. Não tem fórmula, mas me ensinou a descobrir como eu tenho de fazer para conseguir encontrar a personagem, decorar texto, como é que o meu corpo age em determinadas cenas… Com base nas referências, você vai montando seu próprio jeito de fazer seu trabalho.
O que é que sentiu na primeira vez que pisou o platô? Trabalhar para a Globo não é brincadeira…
“O que é que eu estou fazendo aqui?”. (risos) Eu sou tímido! Assusta muito. É um lugar de completo desconforto. Nada é controlado. Não é matemática: se eu fizer isto mais isto, vou ter esse resultado. É uma troca e você não sabe o que esperar do outro. Não sabe nem como você vai agir dentro daquele circunstância. É como se jogar no precipício sabendo que vai cair, mas que vale a pena se jogar.
A sua avó que tinha origem italiana, daí o Marchesi, e foi a sua primeira inspiração. O que mais recorda dela e de que forma esta moldou o teu caminho?
Eu lembro-me muito da minha avó cantando na Igreja. Cantava também na Folia de Reis. Eu ia para lá com ela. Cantávamos pela vila e a parte da música que ela cantava era muito importante. Era lindo… Como eu ficava muito com a minha avó, nas férias principalmente, eu ia com ela para as Novenas, fazia teatrinho lá. Foi daí que surgiu essa vontade de fazer isso.
Em 2014 veio para Portugal apresentar o programa ‘Em Busca da Balada Perfeita’, no Rock in Rio. Como foi o primeiro contacto com o país? Também já admitiu em várias entrevistas que chegou cheio de preconceitos…
Eu sabia de Portugal aquilo que eu lia nos livros de História e, infelizmente, não contam aquilo que o país realmente é. Quando cheguei aqui fui sentindo que, principalmente Lisboa, era um lugar maneiro, lindo, gostoso, as pessoas são carinhosas, tem calor humano, tem o jeitinho parecido com o Brasil. Há sempre alguém que me faz lembrar outra pessoa que conheço do Brasil. Isso é muito lindo. No final, somos todos primos e irmãos. Tenho uma pessoa muito importante na minha vida que falava: «Não é o oceano que nos afasta, é o oceano que nos liga!». Eu vejo isso.
Tinha 12 dias para estar em Portugal, apenas pelo trabalho no Rock in Rio. Mas, já no aeroporto, à última da hora, decidiu ficar. Pode falar-me um bocadinho dessa decisão?
A coragem eu não sei de onde veio! (risos) Nesses 12 dias, como te falava, eu fui sentindo algo. Não tinha nada, não conhecia ninguém, mas sentia alguma coisa que me puxava para ficar! Eu tinha de arriscar. Só decidi mesmo no aeroporto. Tinha a equipe inteira comigo e falei: «Não vou voltar com vocês!». Ficaram todos achando que eu era maluco! Respondi: “Vocês trabalharam 12 dias comigo e só agora perceberam?”. (risos) Saí do aeroporto e pensei: “Para onde eu vou?”. Fui para o Bairro Alto! Lembrei de um hostel que tinha visto. Fui no lugar para pousar as minhas malas, para dormir um pouco e perceber o que eu poderia fazer a seguir. A partir daí, foram só bons encontros e muita sorte.
Mas tinha cá uma amiga…
Sim! Estava cá uma amiga com a qual eu tinha morado no Rio de Janeiro. Tinha-me encontrado com ela no Rock in Rio e ela me disse que se eu quisesse estender a minha estadia uns dias, que podia ficar na república onde ela estava morando. Foi isso que fiz. Fui ter com ela e fiquei lá um mês de graça! Nem tinha dinheiro. Eu tinha 320 euros. Como é que eu ia alugar alguma coisa? Durante esse mês, consegui uma agente. Fiz publicidades e senti que estava dando certo. Minha mãe foi-me ajudando, mas eu vivia mesmo com muito muito pouco.
Isso acabou por também ditar a sua forma de estar na vida depois? Viver com pouco, mas entrar na indústria…
Há muita gente que acaba por se deslumbrar. Quando eu fiz a novela na Globo eu me deslumbrei. Acho que as pessoas dão muito mais valor do que precisa. Você não faz fila, não paga para entrar nos lugares… Eu achei que isso era vida, mas durou pouco tempo. Eu falei: “Não! Estou-me tornando uma pessoa que eu não quero ser!”. Um primo me puxou a orelha uma vez e daí em diante eu mudei. Todo o mundo se pode deslumbrar, mas é importante voltar para a real depois! O meu trabalho me pode dar visibilidade, mas eu não sou importante como um médico, como um bombeiro, como um polícia. O meu trabalho, se acabar, o mundo fica mais triste, mas ninguém morre.
Já mora no Chiado há alguns anos tempo. O que é que há de tão especial neste lugar?
Eu moro no colo do Fernando Pessoa! (risos) Gosto muito desta zona e principalmente do Bairro Alto porque ali toda a gente é «mais um». Cada um está curtindo sua noite, tem de tudo. É muito multicultural e muito democrático! Você pode ir num lugar, beber uma garrafa de whisky de não sei quantos mil euros, ou você pode ir noutro lugar e beber uma imperial de um euro.
Acredito que a indústria televisiva seja diferente da do Brasil. Quais as principais diferenças entre elas?
Eu acho que é mesmo uma questão de tamanho… O Brasil é gigante, aqui não tem tanto dinheiro para se fazer o que se deveria ou poderia ser feito! Mas ainda assim, faz-se muito bem! Para a quantidade de recursos, as produções são muito boas! Muita gente fala que antigamente era muito mais arcaico. Atualmente, sinto que o nível de qualidade está muito bom! Todo o mundo se empenha ao máximo com os recursos que tem! As jornadas são longas, trabalha-se muito e ainda tem como tirar um sorriso do cara que trabalha segurando o microfone durante horas. O ambiente é bom! E que venham mais coisas! Que venham as produções portuguesas para as plataformas de streaming, que venha mais trabalho para todo o mundo. Estamos precisando!
Como é que se gerem tantas horas de trabalho?
Como ator a gente tem vários buracos no meio do dia. Talvez eu não entre em quatro cenas seguidas, por isso, tenho um tempo para esperar, dormir. Mas quem está no estúdio rala o tempo todo! Não nos podemos esquecer deles. É puxado. Eu lembro-me da minha primeira novela… A galera estava lá às 8 da manhã e saía de lá às 20h. Eu falava: “E família? Você vai demorar mais 40 minutos para ir e para voltar, você chega a casa já muito tarde… Como é que se tem mulher, vida?”. É muito complicado.
Atualmente, tem havido um debate aceso sobre os castings das produções televisivas (escolhem através do número de likes ou optam por caras seguras). Como é que o sente?
Isso já acontece no Brasil há muito tempo… Eu já perdi muito trabalho por causa disso. Aqui, acho que é mais recente. Eles querem números, querem resultados. Em termos de qualidade, às vezes, deixa a desejar. Mas eu acho que esse universo deveria ter espaço para todos. Temos de valorizar a galera do teatro, da televisão, companhias ou equipes independentes. O foco não tem de ser querer aparecer. Tem de se fazer arte com brio. Ter-se amor pelo que se faz! Eu acho que acabam também por repetir muita gente. Podiam abrir mais. Muita gente precisa de trabalho.
O que é que o entristece? Sente que ainda existe muita falta de personagens brasileiros nas produções nacionais?
Faltam brasileiros, faltam angolanos, faltam indianos. Tenho a certeza que existe algum indiano por aí que sonha ser ator! Se a novela é minimamente uma representação da sociedade que ela faça jus a isso. Que tenha a representatividade de todos…
Ainda está tudo muito padronizado?
Sim. Até se você for falar de uma aldeia. Nessa aldeia existem muitas comunidades destas.
Porque é que será que ainda existe essa falta de inclusividade?
Não sei… Tem tantas atrizes geniais e lindas que não entram nos chamados «padrões de beleza». O teu peso, orientação sexual, origem, não te definem! Existe essa falta de inclusividade em todas as áreas. Acho que ainda se caminha a passos muito lentos para que isso mude. Me pergunta porquê… Não sei.
Antes da representação, trabalhou algum tempo como modelo. Ser bonito tem um preço?
Eu acho que mais do que ter um preço, abre muitas portas. As pessoas te recebem melhor, são mais simpáticas, têm outros interesses talvez. Mas sim, tem um preço também. Muitas vezes acham que só de você ser bonito, que não sabe pensar. A Júlia Palha falou disso há um tempo. É inteligente, uma poetisa, sensível… Só por ela ser bonita não pode ser tudo isso também? O que é que realmente interessa?
Parece que têm de provar mais?
As pessoas te colocam numa caixa… Acham que você é apenas uma caixa, mas nós somos feitos de mil caixinhas.
Qual é a sua relação com os personagens que representa? Já admitiu que, para si, é difícil decorar texto. Prefere o improviso?
Eu gosto muito do improviso. Na verdade, eu decoro texto na hora! Leio, faço e esqueço! A minha memória é curta, então, quando recebo os textos, eu estudo em casa, leio bem e indo para o trabalho eu decoro, faço e esqueço.
Essa também é uma forma de se desprender rapidamente dos personagens?
A minha amiga e atriz, Luana Piovani, me falou uma vez uma coisa muito interessante: “A sua vida pessoal tem de estar muito interessante para você querer voltar para ela! Se a sua vida não estiver assim tão interessante, você vai-se apegar muito aos personagens”. Eu nunca tive isso. Eu já me apaixonei por colegas de cena, mas acho que faz parte. Não fico colado nos personagens.
Diz muitas vezes que não pretende voltar para o Brasil. Como se lida com a saudade? A minha família vem de vez em quando, mas eu acho que aprendi a lidar com ela. A saudade é até uma coisa gostosa de se sentir. Quando eu sinto saudade é porque eu estive num lugar legal. Se eu for para lá, eu vou ter saudades daqui. Quanto mais lugares a gente pertence, mais saudades vai sentir. Eu pertenço aqui hoje, morro de saudades dos meus amigos do Rio, mas se eu estiver lá, vou morrer de saudades dos meus amigos daqui. Onde eu estiver, eu não vou estar completo.
Tem projetos de sonho? O que deseja para o futuro da sua carreira?
Eu gostaria de ter mais estabilidade. Trabalhar mais. Também gostaria de ter um negócio meu. Não depender só de atuação. Eu sempre tive uma cabeça de empreendedor, mas ainda não consegui realizar isso. Um dia vai acontecer. Quando algum amigo tem um negócio e me convida para ir, eu sempre dou ideias. Muitas delas foram postas em prática e deram certo. Então, se eu trato bem um negócio que não é meu, vou tratar o meu muito bem também. Pode dar errado, sim, mas eu acho que seria bem sucedido nesse lugar de criar algo, fazer acontecer. Gerar empregos seria muito prazeroso para mim.
Tem também uma paixão muito grande por recortes e colagens. Na sua casa estão espalhadas muitas delas. Como surgiu esta atividade?
Surgiu de um lugar de dor, de vazio. Precisava de ocupar o meu tempo e a minha cabeça. Vi que tinha uma parede com uma marca amarelada, sempre senti que tinha de botar um quadro. Mas eu nunca consegui comprar um quadro de que gostasse realmente, por isso pensei que podia ser eu a fazer meu próprio quadro. Um dia, estava vindo do Bairro Alto e achei essa tampa de caixa gigante. Pus na cabeça e pensei: “Deve caber lá”. Tinha umas revistas lá em cima e, como não tenho o dom para o desenho, pensei em colagens. Procurei imagens que me agradassem. Fui experimentando texturas, cores, corpos, caras, formas que me agradassem. Fui brincando com isso.
Virou um refúgio? Sim! Um refúgio que me dá muito prazer!
Virou quase uma terapia. Tanto que tem época que eu faço muita e época que eu faço pouca ou nenhuma!