Os anos adiantam-se quando chove em África

Começou, no Estádio de Ebimpé, nos arredores de Abidjan, a Taça de África de… 2023

Começou, nos arredores de Abidjan, Costa do Marfim, no moderníssimo Estádio Olímpico de Ebimpé, conhecido popularmente por Arc du Triomphe por causa das 96 colunas que suportam a cobertura do edifício, a 34.ª edição da Taça da África das Nações, na opinião deste que vos escreve a competição mais divertida do futebol mundial graças à forma descontraída como as seleções encaram o torneio – é vulgar várias equipas instalarem-se no mesmo hotel – e ao estilo de futebol que se predispõem a colocar em campo, geralmente ofensivo até à protérvia, com poucas amarras táticas e poucos ferrolhos defensivos, excetuando talvez as equipas do Magreb que, mais influenciadas pelo jogo que se pratica na Europa têm alguma tendência a estratificar-se dentro de manigâncias próprias de estratagemas que usam e abusam dos erros alheios.

Logo para começar, entraram em campo uma das seleções de língua portuguesa que terá a felicidade de participar no jogo de abertura, contra a anfitriã Costa do Marfim, num grupo complicado que mete igualmente a Nigéria do portuguesíssimo José Peseiro, natural de Coruche, e a Guiné Equatorial que, peço desculpa, me recuso a ver como um membro de pleno direito dessa associação que é a dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Vida difícil para os guineenses entalados entre dois monstros, os costa marfinenses já com duas vitórias na prova (1992 e 2015) e os nigerianos com três (1980, 1994 e 2013). A de 1994 acompanhei-a ao vivo, na Tunísia, e o domínio das Super-Águias foi total, o que não era de admirar numa equipa que tinha Rashid Yekini, o melhor marcador da prova com cinco golos, Emmanuel Amunike (autor dos dois golos da final contra a Zâmbia), Jay-Jay Okosha, Daniel Amokashi, Peter Rufai, George Finidi, Sunday Oliseh, Augustine Eguavoen e Uche Okafor, muito provavelmente uma das melhores equipas africanas de todos os tempos. 

No domingo, foi a vez de outros dois países irmãos mostrarem ao que vêm, Moçambique defrontando o tremendo Egito, recordista de vitórias na CAN, nada menos de sete (1957, 1959, 1986, 1998, 2006, 2008 e 2010), seguindo-se o Gana, com quatro títulos (1963, 1965, 1978, 1982) frente a Cabo Verde, ambos os jogos para o mesmo grupo. Angola só entra em liça na terça-feira, no Estádio Nonan Banny, em Yamousoukro (essa cidade fantasma perdida no meio das plantações de ananases onde Félix Houphouët-Boigny, o primeiro Presidente da Costa do Marfim, que se manteve no cargo de 1960 até à sua morte, em 1993, mandou construir uma louca imitação da catedral de São Pedro de Roma, apenas ligeiramente mais baixa na cúpula porque é regra universal que nenhuma igreja católica ultrapasse em altura a sede da Santa Sé) frente ao Burkina Faso.

Nascida em Lisboa

Tive a oportunidade de estar presente em três Taças de África, Tunísia-94, Mali-02 (onde assisti no Stade Amare Daou, em Ségou, ao Marrocos de Humberto Coelho vencer a África do Sul de Carlos Queiroz por 3-1), e Gana-08. Normalmente ao ‘futebol selvagem’ das seleções da chamada África Negra, opõe-se o futebol mais trabalhado em termos táticos das equipas da África Branca, o que também oferece à prova um toque de rivalidade especial. Fundada em Junho de 1956, no IIICongresso da FIFA, que teve lugar em Lisboa, começou por ser praticamente desprezada, até porque os países independentes do continente eram muito poucos. A primeira edição realizou-se em Kartum, no Sudão, apenas com quatro participantes – Egito, Sudão, Etiópia e África do Sul. Teimando em apresentar uma seleção apena composta por jogadores brancos, a África do Sul foi expulsa A Etiópia foi apurada para a final sem jogar, perdendo naturalmente frente ao Egito. Cinco anos mais tarde, em Adis Abeba, já com fase de qualificação e tudo, os etíopes puderam vingar-se dos egípcios que já iam na sua terceira final consecutiva em três edições. A festa foi de arromba. Hailé Selassié, batizado como Tafari Makonnen e posteriormente chamado por Rás Tafari, uma figura ímpar da história de África considerado um símbolo religioso, o Deus encarnado, entre os adeptos do movimento rastafári, que contava com cerca de seiscentos mil a oitocentos mil adeptos espalhados pelo planeta, entregou a taça – muito diferente da de hoje – ao capitão da sua equipa, Luciano Vassalo, filho de italianos que nasceu na Eritreia ainda ocupada pela Itália por via da bacoca ambição absolutamente falhada de Benito Mussolini querer à força abrir portas para um império africano com chancela do fascismo italiano. Desastroso. Mas, nessa noite de 21 de janeiro, ninguém em Adis Abeba quis saber de Mussolini. Festejava-se a mais improvável de todas as vitórias na CAN.

Amanhã, voltamos ao princípio. Com atraso, já que a competição estava inicialmente marcada para o verão do ano passado. As tempestades e a chuva torrencial que assolaram a região fizeram com que se procedesse a nova data. E, agora, com finalmente tudo a postos, podemos ver o futebol africano no seu melhor.