Crise dos media: que papel para o poder local? A crise dos media exige dos poderes públicos ações, legislativas ou outras, que promovam a sustentabilidade e a autonomia financeiras do setor da comunicação social.
A inoperância do Estado nesta matéria, seja por receio de constranger a independência editorial dos media, seja por receio de intervir numa atividade económica privada, está a comprometer o futuro de um dos pilares da democracia. Aos que receiam a perda da independência dos media, devo lembrar que, durante a pandemia, foram concedidos apoios públicos à comunicação social e esta não deixou de fazer o seu trabalho com liberdade, isenção e contundência. O Governo que o diga, tão fustigado foi por ‘casos e casinhos’ divulgados pelos media.
Acresce que o argumento da independência tem subjacente uma desconfiança em relação à deontologia dos jornalistas, que seriam supostamente incapazes de enfrentar a pressão dos poderes públicos. Aos que receiam a intervenção numa atividade privada, recordo que o Estado português já acudiu a várias empresas e setores em dificuldades financeiras, sem pôr em causa a liberdade económica ou o funcionamento do mercado. Por outro lado, em países com mais tradições liberais do que a nossa são frequentes e substantivos os apoios públicos à comunicação social, quer por via fiscal, quer através de subsídios, quer pela redução dos custos de contexto. Não há, portanto, razões objetivas para que o Estado não faça parte da solução para a viabilidade financeira da comunicação social.
Compete, aliás, ao Estado assegurar o direito à informação, sem o qual os cidadãos não podem exercer uma cidadania ativa, vigilante e informada que garanta o escrutínio dos poderes públicos. Embora não defenda uma solução à medida dos problemas da Global Media, a verdade é que a situação que hoje se vive neste grupo veio alertar-nos para a urgência de defender o direito à informação. E nem é preciso inventar a roda. Basta olhar para o que outros países estão a fazer para que os seus meios de comunicação social continuem a informar sem constrangimentos financeiros ou outros. A intervenção do Estado nesses países não resolve tudo, mas os apoios públicos são fundamentais para assegurar o funcionamento dos respetivos ecossistemas mediáticos. Devemos, pois, libertar-nos dos tabus e seguir o exemplo desses país, em que o financiamento direto e indireto dos media pelo Estado é visto como uma resposta legítima, eficaz e socialmente consensual.
Trata-se, no fundo, de garantir um serviço público. Considerando a sua importância para a democracia e a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a comunicação social merece apoios tal qual a saúde, a educação ou a cultura. Neste pressuposto, também o poder local deve ser chamado para a resolução dos problemas da comunicação social. Por estarem próximas dos cidadãos e assumirem especiais responsabilidades na defesa dos interesses locais e regionais, as autarquias, áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais podem contribuir para a estabilidade financeira dos media. É até um imperativo político que o façam, tratando-se de órgãos de comunicação social com grande impacto nas suas comunidades.
Mas, para que isto suceda, tem de ser dada ao poder local a possibilidade legal de participar no capital das empresas de media, à semelhança do que acontece com o Estado. Retirado o impedimento, o poder local poderá apoiar diretamente os media com regras claras e mecanismos mais eficazes de fiscalização e terá melhores condições para mobilizar as comunidades na defesa dos meios de comunicação social que lhes são mais próximos.