Entalados entre Açores, Espanha e França

As regionais nos Açores, a 4 de fevereiro, poderão ter uma influência inusual  no resultado das legislativas nacionais do mês seguinte. A esperança da AD é que José Manuel Bolieiro consiga a maioria absoluta e os ventos de feição cheguem ao continente. O PS conta com o Chega.

Lá diz o povo que de Espanha nem bom vento, nem bom casamento. E, dizem os meteorologistas, dos Açores vêm as superfícies frontais, as depressões ou os anticiclones que influenciam o tempo no continente, para o mal e para o bem.
A verdade é que estamos em tempos dominados pelas alterações climáticas, com fenómenos extremos e imprevisíveis. Ora, mutatis mutandis, assim vai o ambiente político nacional (da Europa e do Mundo) em vésperas de eleições gerais.

Preparemo-nos, pois, para a borrasca que aí vem.

Quando, há dois anos, o PS_conquistou mais de metade dos assentos parlamentares, António Costa prometeu reconciliar os portugueses com as maiorias absolutas. Mas esta foi apenas mais uma promessa completamente falhada.

Se há coisa que, agora, parece certa é que o eleitorado não está mesmo virado para dar uma nova maioria absoluta a ninguém, nem a Luís Montenegro com a sua AD, nem a Pedro Nuno Santos com a sua ‘geringonça’.

Montenegro cometeu o mesmo erro que Feijóo aqui ao lado em Espanha e comprometeu-se a não fazer coligações com o Chega, desafiando o seu rival socialista a assumir o compromisso de deixar passar no Parlamento um Governo minoritário do partido que fosse o mais votado nas urnas.

Cá, como lá, Pedro Nuno Santos agradeceu a dádiva servida em bandeja de prata, brindando à ingenuidade do adversário que caiu na armadilha de traçar linhas vermelhas à direita, enquanto o PS_faz gáudio em não deixar erigir de novo os muros à esquerda que António Costa oportunisticamente mandou abaixo em 2015 para tomar o poder de assalto.

Com o Chega de André Ventura em crescimento galopante – continuando a seguir as pisadas da Frente Nacional de Marine Le Pen em França e a tendência generalizada dos movimentos de extrema direita na Europa e no Ocidente –, Luís Montenegro faz lembrar aquele saltador à vara que, julgando ter a vitória assegurada, eleva a fasquia para meta dificilmente ultrapassável.

O exemplo de Espanha, com PP e Vox de candeias às avessas, não lhe serviu de lição?

Feijóo até ganhou as eleições, mas o socialista Pedro Sánchez não teve qualquer pejo em avançar com uma ‘geringonça’ alargadíssima, metendo no mesmo saco até os nacionalistas catalães, a troco de concessões de constitucionalidade mais do que duvidosa, como a da amnistia aos condenados por sedição que promoveram o referendo para a independência da Catalunha.

É a noção de democracia que temos: os limites, as linhas vermelhas só existem para um dos lados. Sendo que é disso que os extremos se alimentam e, assim, mais depressa crescem.

Em Portugal, a coisa fia ainda mais fino. A subida do Chega nas intenções de voto, e para a qual muito veio contribuir a Convenção de Viana do Castelo e os discursos moderados e incisivos de André Ventura, com um populismo concorrencial com o de Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua, complica tudo. E as eleições de 10 de março poderão mesmo resultar no cenário agora mais provável de ingovernabilidade absoluta sem o Chega.

Por mais que o PS_tente convencer os néscios de que a responsabilidade é do Presidente da República, não é – é de António Costa e de um Governo em roda livre e acumulação de escândalos, que culminou na Operação Influencer e na impossibilidade absoluta de continuidade de uma maioria esgotada e corrompida por excesso de anos de poder. Não vale a pena iludir!

Sem alternativa à aceitação da demissão do primeiro-ministro e à consequente dissolução do Parlamento e convocação de legislativas antecipadas, Marcelo pode ficar com uma batata a escaldar nas mãos.
Se o Presidente ratificou o reforço do peso do parlamentarismo no regime constitucional semipresidencialista por via da aceitação da ‘geringonça’ em 2015 (Cavaco Silva teve de conformar-se ao ver satisfeita a exigência de acordos escritos entre PS e BE e PS e PCP, que Marcelo nem considerou imprescindíveis), foi igualmente claro no reequilíbrio da via presidencialista quando, em 2022, colou a maioria absoluta do PS_à figura do seu líder e primeiro-ministro, António Costa, avisando desde logo que não aceitaria qualquer tentativa de manutenção do partido no poder sem eleições em caso de saída do chefe do Executivo.

Por tudo isso, Marcelo não excluiria a hipótese de um acordo de Governo com o Chega no caso de as eleições ditarem uma maioria parlamentar de direita, tal como não se opôs à ‘geringonça’, mas, por maioria de razão, também respeitará a decisão de Montenegro de não aceitar formar Governo com o apoio do partido de André Ventura, afastando liminarmente qualquer possibilidade de o PSD_poder fazê-lo indicando outra pessoa para primeiro-ministro.

Ou seja, os passistas que, a verificarem-se tais circunstâncias, sonham com um regresso de Passos Coelho ao poder podem tirar o cavalinho da chuva.

O antigo líder social-democrata obviamente não lançaria mão da mesma patranha com que se viu afastado do poder e que classificou de ‘golpe de Estado constitucional’; nem o Presidente Marcelo a validaria.

Sim, Belém tem de equacionar o cenário de uma nova dissolução da Assembleia da República – lá para depois do verão ou final do ano, caso se confirmem as fortes probabilidades destas eleições de março resultarem num arranjo parlamentar sem condições de governabilidade e estabilidade quer à direita quer à esquerda.

É por isso que o resultado das eleições nos Açores, desta vez, pode ter um impacto inusual no continente.

Se Montenegro sonha com a maioria absoluta de Bolieiro sem o Chega, Pedro Nuno, perante uma improvável vitória do PS, aposta tudo em que o PSD_seja forçado a um entendimento com André Ventura.

Em qualquer um dos casos, não sendo umas primárias, nunca umas eleições regionais terão tido um impacto tão grande nas legislativas do continente como as de 4 de fevereiro poderão ter nas de 10 de março.

mvramires@gmail.com