‘Descarbonizar até 2050 só com nuclear’

Empresário Patrick Monteiro de Barros defende que uma central nuclear tem uma pegada carbónica menor em relação a qualquer outra fonte de energia. Quanto ao futuro Governo, pede que ‘tenha a honestidade intelectual de analisar todas as opções, incluindo hidrogénio, biomassa e nuclear’.

As alterações climáticas reavivaram o debate sobre as fontes de energia e, hoje, a energia nuclear já não é vista com os mesmos olhos, havendo muito mais gente a ir ao encontro do que sempre defendeu. Ainda continua a defender a energia nuclear?

Mais do que nunca e o que se verificou pelo mundo fora desde que lancei a ideia em Portugal há mais de vinte anos – mesmo vindo da área dos petróleos – só reforçou a minha opinião. Farei três citações de importantes personalidades. Em 2021, no seu livro Como Evitar um Desastre Climático, Bill Gates escreveu: ‘A energia nuclear será novamente absolutamente politicamente correta, e mais segura do que o petróleo, gás e carvão’. No recente COP 28, o senador Kerry, embaixador extraordinário dos EUA para o clima e um ex-defensor fanático das renováveis, afirmou: ‘Sabemos, com base na ciência, nos factos e nas provas que não podemos atingir a neutralidade carbónica até 2050 sem a energia nuclear’. Nesse mesmo COP, 20 países propuseram a triplicação da energia nuclear até 2050 e consideram ser a única solução que permite atingir os objetivos de descarbonização tanto mais que no COP28 ficou assente que a diminuição dos fósseis seria progressiva e não radical, como fora proposto em cimeiras anteriores. Não vou entrar na polémica das alterações climáticas serem ou não consequência do aumento de CO2, mas tenho dúvidas, porque nos passados 20 mil anos houve grandes alterações entre períodos glaciares e tropicais e não havia C02 produzido por combustão de fósseis. A alteração climática é um facto, mas muitos cientistas de renome consideram que tal resulta das alterações da atividade solar e não do CO2. Há uns anos, 1.600 cientistas, incluindo dois prémios Nobel, subscreveram o documento ‘There is no Climate emergency’. Recentemente, verificou-se que a camada de gelo da Antártida tinha aumentado em 5.350 Km2. Patrick Moore, cofundador do movimento Greenpeace, considera que o dossiê foi ‘assaltado’ por extremistas políticos anticapitalistas e apoiados por entidades políticas e privadas que veem na economia verde um grande negócio.

Mas como vê as críticas de quem diz que a energia nuclear não é limpa?

São críticas que não têm a mínima validade, a energia nuclear é das mais limpas.

Continua a achar que é a melhor solução em termos de fonte de energia?

Sem a mínima dúvida. Um relatório recente da UNECE- United Nations Economic Commission for Europe concluiu que uma central nuclear tem uma pegada carbónica menor em relação a qualquer outra fonte de energia, necessita de menor área, utiliza menos material e tem ciclos de utilização muito mais longos. 

Se, por um lado, a União Europeia pretende aumentar produção de energias renováveis em mais de 40% até 2030, por outro, o recurso à energia nuclear tem vindo a aumentar na UE. Não é contraditório? 

A Europa realizou que a ‘aposta’ total nas renováveis era um desastre e que os objetivos fixados em Bruxelas fora de alcance. Muito contribuiu o fiasco da estratégia alemã de descarbonização para avaliar as consequências de tal política. Também a análise de valores finais numa base LFSCOE que inclui todos os custos demonstra que o nuclear é altamente competitivo em relação ao eólico e solar, tem uma produção constante e quase permanente, enquanto a eólica e a solar são intermitentes. O que obriga a ter unidades disponíveis de centrais a carvão ou gás natural como backup, o que aumenta consideravelmente o preço final da energia. Por isso, vários países europeus decidiram construir centrais nucleares optando por unidades mais pequenas (SMR – Small Modular Reactor) com capacidade entre 200 a 500 MW e outros modelos entre 30 a 50 MW. O custo da energia é um fator fundamental de competitividade e a Europa finalmente realizou a dimensão do problema. A China, que hoje é o maior poluidor de CO2, continua a aumentar o consumo de carvão, mas, ao mesmo tempo, está a construir 25 centrais para o futuro. No entanto, na COP28, não assumiu qualquer compromisso firme em matéria de descarbonização e não subscreveu o documento final.

Como vê o facto de Portugal continuar de costas voltadas para essa alternativa quando outros países reforçam o seu investimento?

Com a maior preocupação, a política energética portuguesa é um desastre e foi elaborada e aprovada por políticos totalmente ignorantes na matéria e ‘apostaram’ em estratégias definidas por lobbies e consultores ao serviço dos seus patrocinadores políticos e privados. Um embuste gigantesco e o resultado é termos hoje uma eletricidade das mais caras da Europa, uma dívida tarifária que chegou a 5.000 milhões de euros e que continua altíssima. Agora, somos informados de que a rede nacional elétrica não é capaz de absorver no seu sistema as produções eólicas e solares que foram adjudicadas por concursos públicos e suas negociatas. Há também que recordar que a energia tem sido um campo privilegiado de casos de corrupção envolvendo membros do Governo e administradores de empresas do setor.

Se tivéssemos optado por essa estratégia estaríamos menos dependentes de outros países ou poderíamos mesmo ser autónomos na área da energia?

Sem dúvida, mas não é só uma questão de autonomia energética, é acima de tudo uma questão de justiça social, dando acesso à população a uma energia a preço inferior à média europeia para compensar os salários muito baixos pagos em Portugal. Além disso, dar à indústria um custo de energia que nos permita ser competitivos e exportar.

O Governo socialista tem defendido que a energia nuclear não é segura, não é sustentável e custa muito dinheiro e que o financiamento europeu deve direcionar-se para outras opções energéticas. Acha que é falta de visão por parte do Executivo?

Primeiro, há que referir que o PSD também tem culpas, na medida em que foi o pioneiro na aposta das renováveis na sequência do protocolo de Kyoto de 1997, com um vasto programa de construção de uma rede eólica com preços absurdos, colocação garantida de toda a produção. E é público que vários políticos participaram neste grande negócio. O Partido Socialista e o seu primeiro-ministro José Sócrates resolveram dobrar a parada da aposta sob a orientação do ministro Manuel Pinho, considerado um dos ‘melhores experts’ em energia, tendo sido convidado a dar aulas em NY a troco de um patrocínio da EDP! O mais grave é que nem o PSD, com Passos Coelho, nem o PS, com Sócrates e Costa, aceitaram ao menos a ideia de fazer uma avaliação do dossiê nuclear. Para eles, não interessava, porque havia que dar a prioridade ao eólico e depois ao solar/voltaico, e lançaram justamente uma série de campanhas mediáticas contra o nuclear que então na base das suas perguntas. Primeiro: a nuclear é de longe a mais segura de todas fontes de energia. Até hoje, não houve no mundo ocidental um único morto por acidente nuclear. Chernobyl foi causado por erros imperdoáveis dos responsáveis soviéticos e Fukushima foi o resultado de um tsunami três vezes maior do que as previsões mais pessimistas, e mesmo assim não faleceu ninguém do acidente nuclear. Segundo: a energia nuclear é totalmente sustentável. Terceiro: os novos modelos de usinas nucleares representam um investimento importante, mas têm hoje um retorno que é muito atrativo. Não se trata de falta de visão, mas sim de uma manifesta incompetência e total falta de análise imparcial e objetiva para servir o país. Verdade seja dita, embora Portugal seja dos melhores alunos na descarbonização da Europa, a mesma Europa e os seus apparatchiks de Bruxelas têm tomado decisões que não resolvem o problema e que arruinam a capacidade industrial europeia. Em 2006, uma sondagem do Expresso indicava que 55% dos portugueses eram a favor da opção nuclear. Uma recente sondagem (Intrapolls) reporta que hoje 63% dos portugueses são a favor (79% nos partidos de direita e 48% nos de esquerda).

Por outro lado, o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, chegou a defender a ideia de fusão nuclear…

É uma posição inteligente, mas a longo prazo e temos de resolver o problema hoje. Recentemente, realizou-se a primeira experiência de fusão com resultados positivos, mas a maioria dos cientistas estimou que levará 20 ou mesmo 30 anos para que esta solução esteja disponível para utilização industrial e economicamente viável. Sendo assim, temos que por enquanto encarar a fissão nuclear clássica, mas com unidades mais pequenas. Recentemente, houve muitas críticas à organização da COP 28 nos Emirados, por serem um grande produtor de petróleo e gás. Os fundamentalistas críticos esqueceram-se de mencionar que Abu Dhabi, numa estratégia inteligente, construiu em seis anos uma central nuclear de 5.600 MW de potencia (4×1.400 MW) com tecnologia sul-coreana, de modo a fornecer pelo menos 25 % da energia do país. Agora, a novidade é o hidrogénio verde, uma tecnologia de ponta com vários problemas na produção, transporte, stockagem que não estão resolvidos. Portugal não tem os meios para servir de cobaia, e há que esperar que o modelo seja eficiente e economicamente viável.

O ideal seria solução entre nuclear e renováveis?

Sem dúvida, o ideal é um mix energético que consista em renováveis, tanto mais que já foi feito um investimento muito elevado, e que tenha uma percentagem importante de nuclear para fazer face as intermitências e variabilidade das renováveis podendo esta contribuir para reduzir também a percentagem de gás metano para além CO2.

Acha que o PRR devia ter optado por projetos que incidissem sobre energia nuclear em vez de hidrogénio, por exemplo?

Ao nível de Bruxelas, tenho a certeza de que tais projetos seriam considerados, mas a nível nacional não podemos esquecer que dias depois de a União Europeia resolver que o nuclear deve ser considerado como fonte de energia limpa, o nosso Parlamento aprovou uma moção de censura. Essa decisão, por ter sido tomada de forma irregular, o que demonstra a força do lobby das renováveis em Portugal.

Este tema deveria merecer maior atenção por parte do futuro Governo?

Espero que sim e que o futuro Governo tenha a honestidade intelectual de analisar, recorrendo a especialistas idóneos, todas as opções, incluindo o hidrogénio, biomassa e nuclear, tanto mais que Portugal e dos poucos países europeus que tem urânio.

O que espera da próxima legislatura? Estas eleições poderão ser decisivas para o futuro das políticas ambientais?

Espero que a próxima legislatura seja bem melhor do que as últimas e que os governantes tomem medidas adequadas para o ambiente, mas acima de tudo para a saúde, habitação e educação, que estão numa situação desastrosa e inadmissível a nível europeu.

Tendo em conta as sondagens, acha que poderemos esperar um cenário de ingovernabilidade tanto à direita como à esquerda? 

Não ligo muito as sondagens, mas é um cenário possível.

A Moody ’s já alertou para os riscos de eleições inconclusivas em Portugal que poderão resultar num período prolongado de incerteza no país. Consoante o resultado eleitoral corremos o risco de acabar com a ideia de contas certas para o país?

A Moody ‘s tem razão, mas diz de forma muito diplomática. A verdade é que o navio está a afundar-se, seria a quarta falência desde o 25 de Abril com um Governo socialista, mas como no Titanic a orquestra continua a tocar como se nada fosse.

Qual seria a melhor solução governativa que teria como meta o crescimento económico? 

Certamente um Governo de centro-direita com o crescimento económico como meta e implacável na luta contra a corrupção. 

Como vê as recentes declarações de Paul Krugman que falou no milagre português?

Os números são positivos em vários pontos, mas falar de milagre é talvez um exagero. A situação social é muito grave, estamos a divergir da Europa e a cair para a cauda dos membros da UE.

Ainda assim, continuamos a sofrer com falta de produtividade e elevada carga fiscal, que nos leva a distanciar cada vez mais dos outros países europeus…E continuamos com projetos ‘eternamente’ adiados, como é o caso do novo aeroporto… Como empresário como vê a dependência de Portugal em setores como o turismo?

Representa uma parte importante do nosso PIB, e por isso, deve ser acarinhado com melhores infraestruturas, aeroportos, hospitais e centros de formação de pessoal. Temos de ter alternativas ao turismo porque não se pode ter uma grande dependência numa atividade que pode estar sujeito a fatores inesperados (greve, covid, conflito, etc.).

Deveria haver uma maior aposta na indústria e na atração de investimento estrangeiro? Há quem diga que Portugal precisava de mais Autoeuropas…

Sem dúvida, mas é necessário termos mais mão de obra qualificada, (através de escolas de formação). Para atrair investimento estrangeiro é crucial proporcionar atrativos fiscais, normas administrativas céleres e, acima de tudo, uma justiça que funcione, que seja rápida e expedita.

Vários economistas dizem que o crescimento económico não se decreta, mas há medidas que podem ajudar. Como vê estas declarações?

Concordo, desde que a economia esteja entregue a gente competente e com experiência e não aos ‘boys’ incompetentes e ignorantes do costume.

Tem havido cada vez mais vozes a pedirem o crescimento da economia como um desígnio nacional. Concorda?

Concordo em absoluto desde que se aproveite o crescimento para resolver os graves problemas sociais que temos, como a saúde, educação e habitação.

Como vê as críticas de que Portugal continua a adiar as reformas necessárias e a falta de ambição? Sente que temos vindo a hipotecar o nosso futuro?

Concordo em absoluto e, a continuar assim, o nosso futuro é muito preocupante.