Há alguns dias, numa sessão da Assembleia Municipal de Oeiras, uma deputada da oposição criticou a democraticidade do Executivo Municipal. Ora, a crítica até podia ter fundamento, que não tem, mas padece do facto desse comentário ter vindo de uma deputada de uma lista da qual faz parte o Bloco de Esquerda. Estranha democracia esta, na qual os democratas recebem lições de democracia por parte de candidatos apoiados por forças políticas originalmente trotskistas.
Alguns dias antes, no congresso dos populistas de direita, um membro do partido assumiu-se como sendo fascista. A afirmação foi rapidamente traduzida pelo líder, para melhor compreensão dos cidadãos: o senhor não é fascista, era apenas uma expressão retórica. Podia gerar choque e espanto, não gerou.
O que é engraçado, mesmo que não tenha graça nenhuma, é como estas forças populistas são encaradas como moralmente iguais (senão superiores) às forças ou movimentos verdadeiramente democráticos.
Claro que existe a eterna questão de sabermos se deve a democracia limitar as forças políticas que a podem pôr em causa, como a Constituição Portuguesa prevê ou como a Alemanha discute hoje com a AFD, ou se pode a democracia aceitar lutar, com armas (des)iguais, com adversários que são politicamente desleais. No limite, as forças radicais pretendem acabar com a democracia, pelo que, até que ponto deve a liberdade acolher os seus inimigos?
Claro que esta discussão apenas existe porque os partidos centrais das democracias, e os líderes das últimas décadas, afastaram-se das pessoas, ignoraram os seus ‘atuais descontentamentos’. Veja-se como as crises que marcaram as últimas décadas nasceram da desregulação dos mercados, em total desrespeito pelas pessoas.
São os descontentamentos que fazem germinar as forças populistas. As injustiças óbvias e gritantes que se praticam, como a que atualmente vivem os polícias, a dos funcionários públicos (anos a perder poder de compra) ou dos pensionistas (cujos direitos constituídos foram violados), geram que todas estas classes estejam zangadas.
Apesar dos descontentamentos, tem de haver bom senso e responsabilidade, quer de quem toma as medidas, quer de quem transmite informação – não se pode dar o tempo de antena que se dá aos populistas (de esquerda ou de direita) sem os expor. Ouvir Mortágua a falar de habitação sem lembrar Robles é ridículo, bem como ouvir Ventura a afirmar que Sá Carneiro, que dizia que o PSD era de esquerda, hoje estaria no Chega, é abjeto.
Dê por onde der, vivemos numa democracia que se deixou capturar pelos radicais. O resultado das eleições do próximo dia 10 de março gerarão, muito certamente, a necessidade de integrar estas forças no arco da governação. Muitos vêm com bons olhos esta ‘normalização’, esquecendo que, com isso, se normaliza também o discurso, a forma de fazer política e as próprias políticas públicas.
A realidade é que, vimos ignorando as dificuldades que estão no horizonte do nosso regime. Se ‘o maior truque já realizado pelo diabo foi convencer o mundo de que ele não existe’, nós sabemos que existe e ao que vem. Apenas escolhemos ser seus aliados.
A democracia capturada pelos radicais
Estranha democracia esta, na qual os democratas recebem lições de democracia por parte de candidatos apoiados por forças políticas originalmente trotskistas.