Como está o setor do turismo em Portugal? Vamos antecipar em três anos as receitas de 27 mil milhões de euros…
É verdade. 2023 foi um ano particularmente positivo e estaremos a falar de receitas na ordem dos 25 mil milhões, o que significa um aumento de 18% face a 2022. E 2022 já tinha sido um ano muito positivo face a 2019.
Já estávamos a recuperar da pandemia…
Estávamos a recuperar da pandemia, mas em 2021, quando pensámos em como é que o turismo se iria desenvolver, fixámos um objetivo que era o de atingir 27 mil milhões em 2027, porque tínhamos uma perceção do que seria a trajetória de crescimento, acabou por ser ligeiramente menos acelerado do que o que veio a acontecer, daí acreditarmos que iremos antecipar essa meta em três anos.
Foi uma previsão modesta ou demasiado cautelosa?
Na altura, foi uma previsão ambiciosa. Partíamos de 2019 com receitas turísticas na ordem dos 18,4 mil milhões e a nossa previsão era subir mais nove mil milhões até 2027. No entanto, tínhamos em conta um ano que ainda era muito difícil para o setor e estabelecemos essa meta que já era considerada bastante ambiciosa. Aliás, várias personalidades, mesmo do turismo, consideraram que era um objetivo difícil de atingir. O que verificámos foi que Portugal, do ponto de vista do turismo, reagiu de forma bastante positiva. Em 2022 ultrapassámos as receitas do turismo face a 2019, não tanto ao nível de dormidas e de hóspedes. 2023 foi um ano de consolidação neste crescimento e naturalmente foi muito positivo para o setor e foi sobretudo muito positivo ver como é que o setor, depois de dois anos particularmente difíceis, conseguiu reagir de forma tão boa e com tanta qualidade. É bom notar que isso não resulta apenas do trabalho que foi feito em 2020 e em 2021. Nessa altura, o trabalho foi sobretudo assegurar que os ativos do setor se mantinham para que, em 2022, no fim do período da pandemia, pudesse crescer.
Chegou-se a falar no risco de as empresas fecharem e até na hipótese de os hotéis se transformarem em habitação…
Por um lado, as empresas em 2019 estavam numa situação do ponto de vista de estrutura financeira bastante melhor do que tinham estado há dez anos, na crise de 2008 e 2009. Por outro, em 2020 e 2021, assistimos a um quadro de apoios que foram disponibilizados: das moratórias aos reembolsos de créditos junto da banca, ao diferimento de pagamento de determinados impostos e aos apoios financeiros dados às empresas que criaram um quadro bastante favorável para a manutenção dos ativos e para a manutenção tanto quanto possível dos postos de trabalho para que depois pudessemos estar em condições de crescer. Reabertos os mercados, não vi com nenhuma surpresa o que foi a evolução do ponto de vista de crescimento do setor. É bom notar que o turismo em Portugal, com dados de 2019, é o 12.º destino turístico mais competitivo do mundo. Isso significa que tem mais-valias competitivas que lhe permitam, num cenário de crescimento mundial do setor, estar ao nível dos melhores.
Depois da pandemia já assistimos a duas guerras, ao aumento da inflação que teve consequências na subida do custo de vida, ainda assim, continuamos a assistir a recordes atrás de recordes…
O turismo reagiu a todas as dificuldades conjunturais. Primeiro, à situação da guerra na Ucrânia, agora, mais recentemente, à situação de conflito entre Israel e Hamas. Também a situação da inflação e das taxas de juro causou, nos finais de 2022 e no início de 2003, algum receio quanto ao que iria acontecer. No entanto, o turismo portou-se muito bem e continuou a ser particularmente competitivo ao nível internacional. Por exemplo, vimos o turismo mundial a crescer em 2023, mas com números que não vão além dos 95% face a 2019. Isto é, ainda não atingiu os níveis de 2019. Portugal já em 2022 ultrapassou e continua a ultrapassar em 2023, estando acima da média. Isso é o resultado de um trabalho enorme que tem sido feito ao longo dos anos, o que permitiu posicionar Portugal nos mercados internacionais com uma competitividade que está ao nível dos melhores, mostrando que o turismo continuou a ser o motor da economia nacional e a criar riqueza para o país. Também percebemos que é bastante resiliente.
O segredo do crescimento passou por apostar na diversificação da oferta?
Em 2020, quando houve as primeiras ondas de covid-19, o turismo recuou 26 anos em dormidas. Mas ‘só’ recuou dez anos em receitas, o que significou que o setor tem vindo a fazer, ao longo dos anos, um percurso no sentido de criação de valor. Isso também é resultado do trabalho que tem vindo a ser feito ao nível dos mercados, em que estamos a entrar cada vez mais em mercados de maior valor acrescentado, como os Estados Unidos, o Canadá e o Brasil. Por outro lado, ao nível das empresas tem havido um esforço grande na inovação e na diversificação da oferta turística. Hoje, as empresas estão bastante mais sofisticadas e mais estruturadas do ponto de vista do produto, da qualidade e da excelência que oferecem. Ao mesmo tempo, temos vindo a trabalhar outro tipo de produtos que permitem entrar em outros segmentos de mercado, como o turismo literário, o enoturismo, etc.
Um dos apelos que têm sido feitos ao setor dizia respeito ao aumento da oferta de maior valor acrescentado. Isso então está a ser conseguido?
O turismo tem de ser um fator de criação de riqueza para o país. Isso é o que foi pedido ao setor, isto é, que evoluísse na cadeia de valor, que prosseguisse no sentido de criar produtos de maior valor acrescentado, que conseguisse chegar a mercados de maior valor acrescentado, a turistas mais exigentes e mais qualificados. Esse é o caminho que temos vindo a seguir para criar mais valor e maior riqueza, para que seja possível distribuir da melhor forma. E distribuir significa retribuir cada vez melhor aos seus profissionais e permitir às empresas que tenham capacidade de reinvestimento para inovarem na sua oferta e no seu posicionamento no mercado. Esta dimensão de evolução da cadeia de valor – sem deixar de olhar para o mercado nacional que representa 30% e que continua a ser o principal mercado – permite prosseguir no sentido da internacionalização e captar mercados de maior valor acrescentado. Quando hoje ouvimos dizer que o turismo chegou a uma altura em que pode ter alguma dificuldade de crescer, isso não corresponde à realidade. O turismo tem a capacidade de crescer nas suas receitas e deve crescer no valor acrescentado.
E não em termos de fluxos turísticos?
Naturalmente que crescerá também. Mas o que temos visto, nestes últimos anos, é que as receitas do turismo têm crescido praticamente o dobro face ao número das dormidas. E quando olhamos para esta dimensão percebemos que não só podemos como vamos crescer, porque temos de trabalhar cada vez mais os mercados de maior valor acrescentado, como também temos de trabalhar cada vez mais o turismo em regiões, onde a dimensão turística ainda não tem a dimensão que devia ter. Estou a falar das regiões ditas do Interior, ou seja, as regiões menos tradicionais do ponto de vista de procura turística. Também temos capacidade de crescer em determinadas alturas do ano, onde temos menor procura.
E como vê as críticas de que temos turistas a mais, como em Lisboa e Porto? A Câmara do Porto quer criar quarteirões territoriais para tirar a pressão do centro turístico…
O caminho tem sido o crescimento em valor e esse é um objetivo para o futuro. Mas naturalmente entendemos que temos de fazer uma gestão cada vez mais inteligente daquilo que são as cidades e daquilo que são os territórios. Primeiro temos uma agenda do turismo para o Interior que foi aprovada para criar melhores condições para que houvesse a fruição por parte de Portugal da dimensão turística em territórios do interior. Isso ajuda a que o turismo aconteça em todo o território e não apenas nas cidades. Por outro lado, também estamos a trabalhar produtos que visem esbater cada vez mais a dimensão da sazonalidade. No entanto, temos de ter a capacidade de fazer uma gestão mais inteligente dentro das cidades. Não se compreende muito bem como é que não se sabe, por exemplo, qual é a pressão da bilhética no Mosteiro dos Jerónimos. Se souber, tenho a capacidade de gerir de uma forma melhor aquilo que é o meu percurso e se calhar não vou a Belém e vou, por exemplo, ver o Museu dos Azulejos, em Xabregas. Esta dimensão de como gerimos os fluxos dentro das cidades de forma mais inteligente para que determinadas pressões da procura não existam é um desafio que existe e que se coloca às Câmaras Municipais, ao Turismo de Portugal e às empresas. As cidades, hoje, são cada vez mais globais, são cada vez mais dinâmicas e são para os residentes, mas também para quem vem cá estudar, trabalhar e para quem vem cá visitar. As cidades têm de evoluir nesse sentido e têm vindo a fazê-lo. Se olharmos para Lisboa ou Porto como eram há 15 anos, percebemos com manifesta evidência que não tinham capacidade de ter os fluxos turísticos que hoje têm, porque as próprias cidades cresceram, modernizaram-se, qualificaram-se, reabilitaram-se e muito por força do turismo. Agora, temos de olhar para as cidades e perceber os problemas que existem para os resolver. Mas é preciso de uma vez por todas perceber que o turismo é uma atividade económica e enquanto atividade económica, o fim último é melhorar a vida das pessoas. Existem determinados sítios com pressão? Existem. Então temos de gerir de forma mais inteligente os espaços.
Mas nem sempre é fácil…
O turismo tem sido bom para as pessoas e é bom que isso fique claro. Quando dizemos que o setor representa do ponto de vista de receitas 25 mil milhões de euros, significa que a maior parte deste valor é para apoiar outros negócios que não o turismo. Só metade é que está alocado às atividades turísticas. O turismo também tem feito outras coisas particularmente positivas como, por exemplo, a promoção da cultura e de ofícios antigos que hoje já teriam desaparecido se não fosse esta atividade. O turismo promove a cultura do país, os ofícios antigos do país e promove os costumes do país. E quando estamos a falar do turismo estamos também a falar de uma capacidade que tem de alavancar outras atividades económicas. No caso do enoturismo, a complementaridade entre o turismo e os vinhos fez com que Portugal seja hoje o segundo mercado mais competitivo nessa área e que tenha acrescentado valor às empresas que produzem vinho. Atualmente, exportamos determinados bens para o estrangeiro, a determinados preços, o que não acontecia há uns anos, e isso deve-se ao incremento que o turismo deu à imagem de Portugal e na valorização da marca Portugal. Isto mostra que o turismo tem tido impactos muito positivos, mas também significa que o turismo tem de ser líder na defesa da autenticidade das cidades, por exemplo.
A habitação é um dos problemas que está associado ao ‘sucesso’ do setor. O que é que tem falhado?
O problema da habitação resulta de uma constatação factual que existe: há menos oferta de casas face à procura e não é resultante da dimensão turística. 2008 e 2009 foram os últimos anos em que o nível de construção para a habitação foi o mais elevado, a partir daí os números desceram e mantiveram-se baixos, criando uma pressão muito grande da procura sobre a oferta. É claro que a cidade em si mesma também se valorizou, não empobreceu, mas isso é o seu percurso normal. Naturalmente que neste percurso há uma dimensão que é o de emergência social e resultou no pacote Mais Habitação.
Mas o facto de muitos imóveis habitacionais se terem transformado em alojamento local acabou por tirar ainda mais a oferta ao mercado…
Uma cidade tem de ter a capacidade de evoluir e de estar preparada para todas as dimensões, como uma cidade internacional deva estar. Logo tem de ter uma dimensão da economia, de habitação e de dimensão cultural. Não creio que o alojamento local esteja relacionado com o agravamento da situação. Agora, houve uma leitura e foi a leitura que o Governo fez sobre essa matéria e daí decidiu que deveria haver uma limitação, no sentido de não o fazer crescer em determinados locais do país. No futuro vamos verificar os resultados, mas não nos podemos esquecer que o alojamento local teve um papel fundamental no processo de reabilitação das cidades e um papel fundamental no turismo. Uma parte substancial das dormidas é feita em alojamento local e esta atividade pode continuar a crescer noutros locais de Portugal, onde se pretende, até por força da agenda do turismo para o Interior, dinamizar ainda mais esses territórios para aumentar a capacidade de gerar maiores fluxos turísticos.
Mas deixa de ser atrativo para um turista se vier a Lisboa e não vir moradores…
Daí já ter falado na autenticidade. O setor do turismo é líder no que diz respeito à defesa da autenticidade das cidades. Naturalmente que quem vai visitar as cidades pretende ter o lado humano da visita, quer ter a capacidade de interagir com o povo português, com a sua cultura, com os seus costumes. Há temas específicos de alguma pressão que temos de resolver tendo por base esta gestão inteligente das cidades. Mas quem procura Lisboa, quem procura o Porto continua a encontrar a autenticidade das cidades. Temos é de ter atenção para que essa autenticidade não seja posta em causa. E para isso o Turismo de Portugal está disponível para se articular com todas as entidades, para procurar resolver os assuntos que porventura existam nessa matéria
Como vê o impasse de dossiês como a TAP?
Temos trabalhado muito com a TAP, como também temos trabalhado com muitas outras companhias aéreas. O fluxo de turistas que recebemos não chega apenas pela TAP, mas é uma empresa que tem sido particularmente importante para o setor. A atração de turistas norte-americanos foi resultado do trabalho da TAP, um mercado de maior valor acrescentado, mas isso aconteceu porque a TAP criou um conjunto de rotas para esse tipo de mercados. Não me vou pronunciar sobre o tema da privatização, mas o que é importante é que a TAP tenha estabilidade para continuar a trabalhar e continuar a ser importante para o setor. Espero que essa estabilidade seja dada.
Num cenário de mudança de estrutura acionista, a TAP poderá desistir nessas rotas…
Naturalmente que isso não seria positivo para o setor. Quando há pouco referi que devemos evoluir no sentido de continuarmos a ter estabilidade relativamente aquilo que é o trabalho da TAP e de prosseguir no sentido de a sua atividade ser positiva para o setor implica continuarmos a reforçar a nossa capacidade aérea para estes mercados e para outros de maior valor acrescentado com a TAP ser protagonista desse crescimento, juntamente com outras companhias aéreas. Qualquer evolução que coloque em causa este objetivo não seria positiva para o setor. Mas acredito que isso não será uma realidade e que a TAP continuará a manter este posicionamento, no sentido de ser um contribuinte líquido e positivo para o setor do turismo e para Portugal.
E em relação ao novo aeroporto?
A infraestrutura aeroportuária de Lisboa há muitos anos que precisa de ter uma solução, o que entendemos é que essa solução seja encontrada o mais rapidamente possível. É urgente pararmos de falar onde é que vai ficar localizado, mas saber onde será e começar a sua construção. Até lá, temos de continuar a trabalhar como temos vindo a fazer com todos os aeroportos nacionais – não estamos a falar só de Lisboa, mas de Faro, Porto, Funchal, Ponta Delgada, porque temos espaço de crescimento – e, quanto ao de Lisboa, perceber como é que podemos ter um aeroporto mais eficiente para que possa aumentar a sua capacidade. Há 15 ou 20 anos, a sua capacidade era bastante inferior à que hoje tem. Porquê? Porque entretanto foram feitos um conjunto de investimentos e passou a ser utilizada tecnologia que, na altura, não existia. Hoje já existe outra tecnologia que nos permite gerir de forma mais eficiente este tipo de infraestruturas.
Concorda com a solução Alcochete?
Não vou emitir uma opinião sobre essa matéria. O que digo é que tem de haver uma decisão urgente e inteligente. Essa decisão será tomada por quem a tem de tomar e, neste caso, é o Governo. Nós temos é de trabalhar porque, independentemente dessa decisão, não vamos ter um aeroporto amanhã. A taxa de ocupação em Lisboa é 74,4%, por isso, ainda temos capacidade para crescer em passageiros, mesmo com as dificuldades que existem hoje. Já atingimos os 34/35 milhões de passageiros em 2023, crescemos 7,7% relativamente a 2022 e os dados indicam que, em 2024, vamos ainda crescer mais. Claro que estamos a falar de uma infraestrutura que está nos seus limites e torna-se muito difícil a sua gestão.
Outro problema diz respeito à falta de mão-de-obra que afeta não só este setor…
Neste momento, temos mais trabalhadores no setor do que tínhamos em 2019. Contudo, a oferta também aumentou e, como o turismo é uma indústria de pessoas para pessoas, significa também que é uma indústria que precisa de muitas pessoas. Há aqui duas dimensões que nos preocupam. A primeira é a captação de pessoas para a profissão do turismo, e é uma dimensão que temos vindo a trabalhar, nomeadamente através de protocolos que Portugal tem feito com outros países, no âmbito da CPLP, por exemplo, mas também apostar num processo de valorização e de dignificação da profissão. É importante a valorização dos recursos humanos, pois não é só importante captar é também importante reter.
A maioria dos empresários diz que paga acima do salário mínimo nacional…
Esse tem sido um esforço que as empresas têm vindo a fazer ao longo dos anos, porque têm percebido que o incremento salarial é um fator importante naquilo que é a captação e a retenção de talento. É um esforço que será para continuar.
A imigração tem sido uma ‘tábua de salvação’?
Sem dúvida que sim, mas a nossa preocupação é a qualificação dos recursos humanos.
Isto, numa altura, em que se assiste à saída de altos quadros qualificados e à entrada de quadros menos qualificados…
Temos de continuar a trabalhar para que a economia do país possa continuar a crescer e a crescer de forma cada vez mais intensa. E o que o turismo tem feito é precisamente isso: é contribuir para a criação de riqueza em Portugal, para a melhoria de vida das pessoas para que tenham melhores salários e tenham melhores condições de vida. O turismo é um parceiro ativo e incontornável naquilo que é o crescimento inteligente do país. Esse é o caminho que devemos seguir para que consigamos reter em Portugal jovens qualificados.
Há propostas para o aumento do salário mínimo nacional para mil euros em quatro anos. É exequível?
O que é exequível para o setor é prosseguir o caminho que tem vindo a ter, que é um caminho de aumento constante daquilo que é os salários das pessoas acima da média nacional.