O intelectual britânico Timothy Garton Ash publicou, recentemente, no jornal El País, um artigo de opinião sobre o futuro da UE que merece ser meditado por todos aqueles que não se deixam toldar pela passageira espuma dos dias.
O historiador Garton Ash é um dos maiores especialistas contemporâneos de política europeia tendo recentemente publicado um livro (Pátrias) no qual descreve, com imensa sabedoria e pormenores deliciosos, a evolução do projeto europeu desde os seus primórdios até ao tempo presente.
No referido artigo do jornal El País, intitulado O que as democracias devem fazer pela Ucrânia e por si mesmas, o autor discorre sobre o futuro difícil da UE face aos obstáculos que terá de ultrapassar e não hesita em afirmar que só com novas regras de funcionamento e com lideranças fortes esses desafios poderão ser superados.
A resposta que a UE for capaz de dar, neste ano, ao problema da guerra na Ucrânia imposta pela Federação Russa, ‘marcará o futuro da Europa’ e ajudará a compreender qual a verdadeira força que tem a democracia contra as autocracias que se vão generalizando no espaço europeu.
Ora o pilar estruturante da ‘união’ foi sempre, nas diversas formações em que este projeto se apresentou, a defesa da Democracia e dos direitos do Homem que lhe estão imperativamente associados.
Há cerca de um mês , para aprovar uma resolução de princípio sobre a eventual adesão da Ucrânia à União Europeia, foi necessário convidar o primeiro-ministro húngaro (Orbán) a ‘ir lá fora tomar um café’ a fim de contornar a aplicação da atualmente perigosa regra da unanimidade.
Dificilmente o projeto europeu resistirá a estes bloqueamentos sobretudo se continuar a ser orientado por líderes menos fortes que ascendem aos lugares, menos por mérito próprio e mais por jogos partidárias ‘contratados’ nos gabinetes fechados dos estados maiores.
Provavelmente terá sido também por ter consciência de uma necessidade urgente de mudar que o prestigiado Finantial Times apresentou Mário Draghi como uma excelente solução para o Conselho Europeu (cenário que foi defendido neste espaço várias vezes desde 2020).
A hipótese será, no entanto, inviável se a racionalidade dos verdadeiros decisores europeus não se alterar substancialmente.
Ora este ano será um ano de eleições europeias de cujo resultado irá resultar, desde logo, a composição das lideranças políticas e, desejavelmente, a redefinição de regras de funcionamento (que existem nos Tratados) que impeçam o bloqueio que, tem tornado as democracias europeias verdadeiros reféns de regimes autocráticos instalados no seio da União.
Por isso essas eleições são absolutamente determinantes para o futuro e nenhum cidadão consciente tem o direito de se manter ausente.
São determinantes para o futuro da Europa e para o futuro de Portugal.
A época dos fundos em quantidade que tanto poderia ter beneficiado Portugal, entrou numa trajetória descendente e nada será como dantes.
Infelizmente a experiência dos últimos 8 anos não foi muito promissora e apesar de ainda não estar esgotada a chamada ‘bazuca’, já se percebeu que os resultados ficarão muito aquém do necessário e possível.
Este será, infelizmente, o traço mais impressivo do agora tão discutido legado de Costa.
Porque desse legado negativo resulta o resto: a economia que não se adaptou às exigentes alterações globais, o investimento que foi adiado ou anulado, a convergência social que faltou, o desemprego que começa a aparecer, a carga fiscal que aumentou enquanto os serviços públicos se degradaram, enfim, o empobrecimento relativo do país face às economias da mesma dimensão no espaço europeu e a crise moral instalada na sociedade portuguesa.
Consciente disso, o primeiro-ministro em exercício agarrou-se a um parágrafo para sair de cena e talvez, com um pouco de sorte, aparecer num lugar europeu.
Possível é, mas provável só será, se a lógica de funcionamento da União Europeia não se alterar, o que será mau, desde logo para a União, mas sobretudo para o reforço da Democracia e a manutenção de uma Paz duradoura no continente.
Nas circunstâncias atuais, Costa não seria (não será) o líder de que a Europa precisa.