O desespero está a tomar conta dos oficiais da PSP, que acreditam que já não vão conseguir conter a radicalização dos protestos dos agentes, depois do anúncio do Governo de quase 500 milhões para o setor da agricultura. «Ontem, houve 500 milhões para a agricultura, porque os agricultores foram para a rua. O Governo em gestão despejou 500 milhões nos agricultores. Então e os polícias? Os comandantes estão desesperados, já não sabem o que fazer. Os homens querem mesmo entregar as armas. Falta ainda um mês para as eleições e depois mais dois para se formar governo, mas nós não vamos conseguir aguentar. Isto está à beira de descambar, e vamos ter, outra vez, secos e molhados’. E não vai descambar só na PSP, o mesmo irá acontecer na GNR. Não estou a ser alarmista. Isto está mesmo à beira de descambar». Quem fala assim é um superintendente que tem dialogado com colegas comandantes que lhe explicam o caos que se está a viver na instituição. «Não há dinheiro para nada, as esquadras continuam uma miséria, e depois aparecem 500 milhões para os agricultores? O primeiro-ministro e o ministro da tutela não dizem nem uma palavra sobre as Polícias?».
A mesma fonte dá ainda um exemplo do que podem ser as próximas formas de luta. «Os polícias nos aeroportos estão no limite. Olham para trás e veem o que os elementos do SEF ganhavam pelo mesmo trabalho. Se pararem vai ser um péssimo cartão de visita para o país, pois é pelos aeroportos que entram 90% dos turistas. Já viu se tudo estiver bloqueado?», questiona. «Isto já só lá vai com a intervenção do Presidente da República, não há outra forma», diz.
Falando com vários intervenientes envolvidos nos protestos dos polícias, facilmente se percebe que se está a criar a «tempestade perfeita». Enquanto a Plataforma, que reúne vários sindicatos da PSP e associações socioprofissionais da GNR, tenta continuar a luta de uma forma pacífica, apelando aos vários atores políticos que apresentem uma solução que vá de encontre aos desejos dos polícias, crescem, ao mesmo tempo, movimentos no interior da PSP que querem radicalizar as formas de luta.
As divergências são públicas e notórias, pois o homem que deu o pontapé de saída nos protestos, o agente Pedro Costa, está bastante crítico em relação ao comportamento da Plataforma. «Tirando o dia 24 ou quando estão cá as câmaras, nunca cá puseram os pés. Em entrevistas, falam da nossa luta como se fosse da Plataforma, mas estar a lutar está quieto. Os burros que fiquem lá ao frio, chuva, sol, a dormir no chão quatro horas por dia», disse num dos seus vídeos mais recentes. Acontece que muitos acreditam que Pedro Costa poderá não estar a perceber que os seus ‘protestos’ são como água de coco na praia para os radicais que formaram o Movimento Zero, considerados próximos do Chega.
Para os mais desatentos, diga-se que os protestos começaram com a nega do pessoal policial em usar carros de serviço que não cumprissem o Código da Estrada, depois do apelo de Pedro Costa, que decidiu começar a dormir nas escadarias da Assembleia da_República. Nessa fase, nos grupos do Telegram, os mais radicais, depois de perceberem que os protestos estavam a correr bem, começaram a sugerir que os próprios agentes deviam boicotar os carros de serviço, metendo areia no depósito, entre outras bizarrias. Mas foi no WhatsApp, em grupos fechados, que se decidiu usar a cabeça e só manifestarem-se ‘legalmente’. Assim, determinou-se que os carros com anomalias não podem ser usados e os agentes e chefes só ocorrem a situações onde a vida humana esteja em causa. Queixas de vizinhos por barulho, carros a bloquear saídas de garagens, entre muitas outras situações ‘menores’, só podem ser atendidas quando os polícias chegarem lá tendo ido a pé.
Como já se percebeu, a Plataforma liderou os protestos ‘pacíficos’, mas Pedro Costa achou que estava a ser desprezado. E é aqui que entram os radicais, que querem mesmo outras formas de luta, apanhando boleia do homem que deu o mote aos protestos. E aqui ninguém consegue prever se as formas de luta passarão por depositarem as armas nas esquadras ou se vão mesmo para a paralisação, algo que pode levar à tal luta de ‘secos e molhados’ que ocorreu em 1989, quando polícias em protesto foram ‘corridos’ com canhões de água por outros colegas ou camaradas, como se prefira.
O comissário Bruno Pereira tem sido um dos porta-vozes da Plataforma e diz ao Nascer do SOL não querer «alimentar divisionismos»: « Falámos com ele e já disse de viva voz que o ato de bravura e coragem tremendo fez com que houvesse mobilização por parte de todos os outros que partilham exatamente a mesma dor e tristeza. A visão dele do mundo não é dogmática. E não me parece que alimentar posturas divisionistas seja favorável. As interpretações das palavras permitem essa postura, mas não vou alimentar isso. E acho que os interlocutores, através da plataforma, são altamente representativos da grande maioria ou de quase todos os polícias. Não há uma representação de classes, categorias ou cores. Há uma representação una e isso é bem ilustrativo com a mobilização de mais de 20 mil pessoas, quase metade das forças de segurança de Portugal que estiveram na quarta-feira no Porto».
Sigam o Pedro
Leitura diferente faz um dos homens que tem estado na linha da frente dos protestos e que, quando questionado sobre se Pedro Costa já é só um símbolo, dá uma resposta elucidativa: «Aí tenho dúvidas porque, por muito que se diga isso, a verdade é que a malta, muita malta, diz que continua por causa dele e partilha dos ideais dele e daquilo que ele manifestou no início. Ainda de manhã estivemos a conversar, uma série de pessoal, e o pessoal diz: ‘Opá, os sindicatos não melhoraram. Não são diferentes, não criaram só uma frente única. Criaram uma Plataforma para este movimento, mas a verdade é que foi um bocado a reboque do Pedro Costa’».
A história ainda terá muitos capítulos, mas a mesma fonte acha que há uma forma de ultrapassar o ‘divórcio’ entre Pedro Costa e a Plataforma. «Acho que os sindicatos deviam ter tratado melhor a questão do Pedro Costa. Deviam ter ido ter com ele e dizer: ‘Foste tu que desencadeaste o movimento mas, a partir de agora, todo o processo vai ser de negociação… Portanto, estamos cá nós para fazer esse trabalho. E queremos fazê-lo contigo’. Houve uma reunião de partidos. O Pedro Costa não pôde participar mas, tendo em conta que foi uma reunião de partidos políticos, tenho a certeza de que se lhe tivessem dito ele sentir-se-ia considerado».
Salário base versus suplemento de risco
Um dos motivos para Pedro Costa e os seus seguidores estarem de costas voltadas com a Plataforma tem a ver com a principal reivindicação: enquanto o ‘grupo’ de Costa quer centrar as reivindicações no aumento do salário base, já a Plataforma não prescinde de focar a luta na equiparação ao subsídio de missão da Polícia Judiciária. «Quando ele evoca a questão dos salários, essa é uma questão evocada pelos sindicatos há imensos anos. A questão do suplemento de missão tem natureza salarial, tem o mesmo recorte normativo. Exigimos que seja igualado e reflete-se do ponto de vista salarial. A valorização deste suplemento conta como se fosse um salário. Não interfere nem se afasta daquilo que é a valorização dos salários. Os suplementos estão por atualizar, por rever há mais de uma década, com valores que nem foram atualizados à taxa de inflação. Devia, pelo menos, haver uma atualização à taxa de inflação. E, obviamente, há toda uma série de outras questões como a qualidade dos equipamentos, um real investimento e reabilitação de toda a estrutura, pensar-se em reorganizar a estrutura para permitir que seja mais funcional, mais eficiente e mais económica. Nós temos estruturas pesadas e exigem conservação, manutenção e pagamentos permanentes».
Bruno Pereira diz ainda que o importante é centrar a luta na melhoria da ação policial e dos polícias. «Ter uma esquadra aberta tem custos associados. O facto de eu efetivamente não implementar sistemas de informação e tecnologias de vanguarda que permitam simplificar procedimentos e poupar recursos… Isto tudo consome recursos e dinheiro. É um bloco de reivindicações que são necessárias para que a Administração Pública no seu todo e, em concreto, os polícias sejam mais eficientes. Estamos com um défice tremendo de recrutamento e isto não vai ser ultrapassado e vai ter consequências catastróficas a curto prazo».
Pedro Nuno Santos promete resolver
Continuando nos encontros e desencontros, diga-se que a Plataforma foi criticada por ter elogiado o atual líder do PS, à saída do encontro que tiveram: «Fiz algum elogio? É uma interpretação superlativa daquilo que eu disse. Disse que fiquei contente com o seguinte: foi o primeiro a assumir que, de facto, foi criada uma injustiça relativa. Objetivamente, e do ponto de vista de facto, assumiu isto. E disse que se dependesse dele pretenderia resolver isto amanhã, senão ontem. E o PS ainda não o tinha feito. É de saudar isto. Segundo: demonstrou abertura total para arranjar uma solução para resolver esta questão. Já não é tempo de reflexão nem de palavras bonitas».
Já do encontro com Luís Montenegro, as conclusões não foram tão efusivas. Os elementos presentes ficaram com a sensação de que o líder do PSD apenas disse que queria uma «vinculação prioritária para resolver esta questão».