O alerta, mais um, foi dado no passado mês de novembro nas páginas deste jornal. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, afirmou que “a corrupção está instalada em Portugal”. E acrescentou: “Acho que o enriquecimento ilícito não justificado seria um bom instrumento para combater o fenómeno da corrupção…e que tem uma expressão muito forte na administração pública”.
Estas declarações foram produzidas pela quarta figura do Estado. Carregam, por isso, o peso institucional de quem as declarou. O juiz Henrique Araújo foi ainda mais longe, apontando a necessidade de alterar as leis em vigor, inclusivamente no quadro constitucional onde é necessária uma maioria de dois terços.
No mesmo sentido, e num intervalo de tempo muito curto, numa entrevista à RTP, o diretor da Polícia Judiciária declarou que “existe muita corrupção no país”.
Estas afirmações podem não ter a sustentação do Observatório de Transparência Internacional que coloca Portugal sensivelmente a meio da tabela dos países com níveis de corrupção mais elevados, mas correspondem à perceção generalizada na opinião pública. Informalmente, as pessoas, independentemente dos seus alinhamentos partidários ou da sua condição económica e social manifestam-se no sentido de considerar que nas esferas dos diferentes poderes funcionam os favores e as contrapartidas financeiras dos mesmos.
Os acontecimentos dos últimos meses e, mais recentemente, o escândalo na Madeira, vieram demonstrar que as certezas enunciadas pelo presidente do Supremo e pelo diretor da PJ não só não eram exageradas como deviam ter suscitado um amplo debate sobre o que fazer para combater efetivamente a corrupção. O que aconteceu foi que nem a bolha política nem a bolha mediática valorizaram as palavras daqueles dois responsáveis.
Decorridos estes três meses, tivemos uma maioria absoluta que implodiu na sequência da Operação Influencer. Mais: tivemos a demissão do primeiro-ministro, citado como estando sob investigação no último parágrafo do comunicado da Procuradoria Geral da República. Ficamos a saber que um ministro, João Galamba, estava a ser escutado há quatro anos e que o chefe de gabinete de António Costa tinha 75 mil euros escondidos entre livros e garrafas de vinho na residência de S. Bento.
No quadro político, as eleições antecipadas de 10 de março, que podem lançar o país para um cenário de instabilidade de que não há memória, resultam objetivamente de uma situação desencadeada a nível judicial.
Nas semanas que se seguiram, uma outra investigação teve como alvo a casa do líder do PSD com denúncias anónimas a ser investigadas visando as condições do licenciamento da habitação.
Há uma semana, numa operação, dir-se-ia cinematográfica, com uma espécie de desembarque de forças aerotransportadas no Funchal, eclodiu o escândalo de corrupção na Madeira atingindo o núcleo duro do governo e envolvendo também dinheiro vivo em casa da mãe de um dos arguidos.
Tudo isto aconteceu na mesma semana em que ficamos a saber que José Sócrates vai a julgamento por corrupção na sequência da reavaliação das decisões do juiz Ivo Rosa que tinha arrasado a acusação do Ministério Público vendo agora ser arrasadas as suas próprias deliberações por um tribunal superior.
Perante isto, impunha-se que os temas da corrupção e da justiça entrassem na agenda eleitoral. Tal não acontece por duas razões. Em primeiro lugar, porque são um embaraço para PS e PSD. Em segundo lugar porque são convenientes às teses populistas de André Ventura e isso ninguém quer.
Ao longo dos anos, habituámo-nos a ouvir uma expressão vazia de significado : “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. Falso. Nesta fase do ciclo eleitoral, justiça e politica cruzaram os seus caminhos. Com que consequências? É o que iremos perceber na noite de 10 de março.