Os filhos das redes

Um quarto das crianças com 3 e 4 anos têm contas nas redes sociais. No mundo digital, onde os filhos sabem mais do que os pais, a discussão sobre liberdade de expressão e segurança, regulamentação e limites de idade, está a dominar a agenda. Portugal irá a reboque.

A discussão está ao rubro no Reino Unido. Em causa está a segurança digital de crianças e jovens. Maior controlo parental, limites de idade para o acesso às redes sociais, imposição às plataformas que adotem novas medidas de verificação da idade e penas que podem chegar aos 10% da receita anual global das tecnológicas. Esta lei está a ser discutida desde 2021 e só no passado mês de outubro foi finalmente promulgada. Na prática, as plataformas passam a ser as responsáveis legais por prevenir e remover os conteúdos ilegais das redes sociais, tais como propaganda de terrorismo ou pornografia, e impedir que as crianças vejam conteúdos nocivos que incitem bullying, a automutilação, distúrbios alimentares. Um dos pontos desta lei é a exigência de os sites pornográficos terem acesso à foto de utilizadores. Segundo estudos realizados pela entidade reguladora, as crianças têm acesso a este tipo de sites aos 13 anos e um quarto delas tem a primeira visualização de conteúdos pornográficos aos 11.

Mas o que tem gerado maior polémica é a cláusula que obriga as redes sociais a desativar a proteção de mensagens encriptadas. A encriptação ponto a ponto do WhatsApp, por exemplo, é o que garante que tudo o que é escrito ou dito fica apenas acessível aos intervenientes de uma conversa, excluindo até a própria rede social. A intenção das autoridades é combater o terrorismo e o abuso sexual infantil online através do rastreamento das conversas nas redes sociais. WhatsApp e Signal foram duas das plataformas que ameaçaram sair do Reino Unido se fossem obrigadas a ceder neste ponto, uma vez que esta é a única forma de garantir a privacidade dos dados dos utilizadores, alegam, e estariam assim a “trair” as pessoas que confiam na plataforma para manter o sigilo. O braço-de-ferro mantém-se e como a lei é para entrar em vigor de forma faseada e não está ainda regulamentada, este é um dos pontos que não está fechado.

A discussão voltou a subir de tom no final do ano, desta vez com críticas vindas de todos os setores da sociedade e não apenas das tecnológicas, com o anúncio da intenção do Governo britânico em dar início a uma consulta pública para debater a possibilidade de limitar o acesso às redes sociais a menores de 16 anos, incluindo a proibição absoluta de acesso às plataformas mais populares como o TikTok, Instagram, Snapchat e Facebook. O limite de idade em que as crianças podem aceder às redes sociais no RU passaria, assim, dos 13 para os 16 anos. Isto apesar de a Lei de Segurança Online já incluir nas suas disposições a determinação de que as plataformas “aplicam limites de idade e utilizam medidas de verificação de idade em plataformas onde é publicado conteúdo prejudicial às crianças”.

Associações ligadas à segurança de crianças e jovens no mundo digital têm sérias dúvidas sobre a viabilidade da medida e insistem que o Governo devia manter o foco da regulamentação da lei já aprovada e no reforço dos poderes da entidade reguladora para garantir que as plataformas não continuem a ser o lugar mais perigoso por onde circulam crianças e adolescentes.

Também há seis meses, em França, foi aprovada uma lei que exige que as plataformas de redes sociais verifiquem a idade dos utilizadores. A maioridade digital é aos 15 anos, mas esse limite determina a idade abaixo da qual é exigido o consentimento parental para que os dados pessoais de um menor sejam armazenados. Abaixo dos 13 anos, a inscrição é proibida, mas basta indicar uma data falsa de nascimento para criar um perfil. No entanto, em França a primeira inscrição ocorre, em média, aos oito anos e meio, e mais de metade das crianças com os 10 e os 14 anos estão presentes nestas redes. Pornografia, assédio ‘online‘, padrões de beleza inatingíveis e processos que causam dependência para captar a atenção, são os perigos que esta nova legislação pretende acautelar. A verificação da idade “é a mãe de todas as batalhas”, declarou o ministro da Transição Digital na altura da aprovação da lei.

Apesar de ser difícil comprovar a idade dos utilizadores, a própria Lei de Segurança Online britânica já estipula que as plataformas de redes sociais têm de implementar técnicas eficazes de “estimativa de idade”. A auto declaração deixou também de ser suficiente. O debate promete durar e a questão da idade, além do surgimento de técnicas para comprovar a sua veracidade, como o reconhecimento facial, a apresentação do cartão de crédito e outras garantias, são os grandes desafios.

História do limite português

Em Portugal, o limite dos 13 anos para aceder às redes sociais surge do regulamento geral de proteção de dados, o qual determina que as crianças carecem de autorização dos pais para fornecerem os seus dados online, exceto em situações de SOS. Este limite tem como inspiração a Child Online Protection Act (COPA), uma lei dos Estados Unidos da América, aprovada em 1998 com o objetivo de restringir o acesso de menores a qualquer material definido como prejudicial. Tudo isto foi definido por investigadores e especialistas que determinaram que antes dos 13 anos seria o limite. Em 2016, quando o regulamento de proteção de dados foi produzido pela Comissão Europeia, a COPA serviu como inspiração. Mas os países da União Europeia não se entenderam e só se encontrou consenso em estabelecer um intervalo entre os 13 e os 16 anos. Há, assim, uma manta de retalhos. Na altura a realidade era que crianças de oito anos acediam a estas plataformas, hoje, uma em cada quatro crianças de três e quatro anos de idade têm o seu próprio perfil em redes sociais, no Youtube entre outras plataformas ou redes sociais. E destas, cerca de nove por cento fazem streaming online, segundo um estudo de 2023 da OPCOM, entidade reguladora do Reino Unido.

“As proibições não resolvem nada por si só, é necessária intervenção a nível educacional e as tecnológicas têm de estar envolvidas, uma vez que são elas próprias que oferecem o serviço”, explica Tito Morais, cofundador do projeto “Agarrados à Rede”. As abordagens, essas, passam não apenas por medidas regulamentares como também por intervenção parental. “Os pais dão telemóveis aos filhos sem terem noção daquilo que estão a fazer. Acham que as crianças se conseguem autorregular. E não conseguem, se até mesmo os próprios adultos têm dificuldade”, afirmou ao i Cristiane Miranda, também cofundadora do mesmo projeto. E isto porque “o que se sobrepõe a tudo é o mecanismo de recompensa que as tecnológicas nestas plataformas desenvolvem através de funcionalidades para nos manter agarrados aos écrans, sejam adultos ou crianças”.

Daí que seja fundamental “o envolvimento parental e educação dos pais. “É importante que os pais conheçam as vulnerabilidades e quais são os mecanismos que prendem às redes”, adverte Cristiane. “Quem é que os filhos seguem, quem são as suas referências, que valores protagonizam, porque é que os nossos filhos gostam tanto deles. É preciso que os pais conversem e façam perguntas para criar pensamento critico e fazer os filhos pensar”.

Mas não há soluções sem a participação das tecnológicas. “Para as tecnológicas nós somos o produto. E quanto mais tempo estivermos agarrados ao ecrã, mais publicidade vemos, melhor eles conhecem os nossos hábitos de consumo e melhor podem otimizar a publicidade que consumimos”, explicam. No entanto, já começa a haver consciência dos efeitos nocivos que algumas destas funcionalidades têm e vão surgindo movimentos dentro das próprias tecnológicas. “As primeiras aconteceram em 2015 e depois, com mais em força, em 2017, com a criação do Center for Humane Technology (CHT). “Quem desenvolveu funcionalidades como o scrall infinito ou o autoplay começou a perceber os efeitos nocivos e a sensibilizar os colegas para os impactos negativos”, explica Tito de Morais.

Portugal a reboque

Por cá, não há debate sobre esta matéria. Espera-se a regulamentação e as diretivas que possam chegar da Comissão Europeia. Portugal estabeleceu como idade mínima para aceder às redes os 13 anos e 16 anos para o WahtsApp. Segundo o estudo publicado pela Universidade Lusíada, “Scroll, Logo Existo”, que analisou a realidade portuguesa, “as redes sociais assentes em conteúdos de imagem, como o Instagram, TikTok ou Youtube, são as que se destacam por serem as mais utilizadas pelos jovens. A geração Z ou pós-millenial em que se inserem os participantes com “24 ou menos anos” tem como rede social preferencial o WhatsApp (tal como os restantes escalões etários), mas é o Instagram (94,3%), Youtube (67,9%) e TikTok (60,4%) que lideram as preferências destes utilizadores”. A justificação para que estas redes tenham mais adeptos prende-se com “a instantaneidade do registo fotográfico e/ou vídeo e o facto de uma das características destes utilizadores ser a produção e edição da imagem, em detrimento da escrita”. Foi a partir “do momento em que o Facebook se tornou uma rede social de massas, que os jovens iniciaram um processo migratório para redes alternativas e fora dos olhares dos pais. O que faz do WhatsApp a rede social com maior utilização em todos os escalões etários”.