Polícias. Em busca da paz, até às eleições

A última semana não correu bem aos polícias com a história das eleições e do futebol. São cada vez mais os que apelam a um período de tréguas até ao próximo Governo

O objetivo é acalmar as hostes até às eleições, mas a missão da Plataforma que engloba vários sindicatos da PSP e associações socioprofissionais da GNR é tudo menos fácil. Se é verdade que são cada vez mais os que defendem tréguas até ao ato eleitoral, também não deixa de ser um facto que os apoiantes de Pedro Costa, o agente da PSP que iniciou o protesto na escadaria da AR, querem agudizar o conflito. As declarações de Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional da Polícia (Sinapol), sobre uma eventual não realização das eleições legislativas no caso dos agentes adoecerem, bem como o adiamento de alguns jogos de futebol alteraram a forma como a causa estava a ser vista por vários setores da sociedade. E como já se percebeu que o Governo em gestão não irá resolver o problema, a Plataforma, oficiais, chefes e agentes, na sua maioria, entendem que o melhor é esperar por março, embora sem deixar cair o tema, continuando com ações de sensibilização. 

Bruno Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia e um dos representantes da Plataforma, entende que primeiro é preciso discutir o assunto com os intervenientes do movimento e só depois é que se decide o que fazer. No entanto, defende que, «tendo em conta que já se percebeu que não vamos ter um desenlace com o atual Governo, que é o responsável pelo estado das coisas, tem de se perceber se vale a pena ou não compassar um bocadinho os protestos. Não é uma questão de tréguas, é uma questão de razoabilidade, acima de tudo». 

Outro sindicalista que integra a Plataforma, mas prefere o anonimato devido à pressão dos sócios, está em sintonia com Bruno Pereira. «Os polícias são pessoas equilibradas e se lhes disserem ‘precisamos de tempo e temos de prolongar isto porque o país não tem capacidade’… Tenho a certeza de que os polícias aceitam isto. Não aceitam é ser insultados, ameaçados… Isso não. Se houver um compromisso de começarmos a negociar, um compromisso sério, escrito, de negociar e fazer as coisas de forma faseada, vejo isso com muito bons olhos». 

Mais taxativo é Pedro Clemente, superintendente chefe, ex-inspetor-geral da PSP e professor universitário. «Há um tempo certo para tudo na vida. Feito o protesto, é agora tempo de escutar e seguir as palavras do Presidente da República e de confiar no pacto institucional do próximo Governo em resolver a justa indignação das forças de segurança, nos primeiros 100 dias, já subscrito pelos partidos de representação parlamentar. Até lá, urge cumprir a missão ao serviço da lei e da cidadania, como sempre feito, fiéis ao seu juramento. O país não espera outra coisa das forças de segurança, nem esquece a sua justa indignação, porque as mulheres e homens das forças de segurança nunca foram, nem são profissionais de segurança de segunda categoria, muito menos filhos de um deus menor. Com demagogia ou extremismo ou temor nada se resolve, só se piora. Após   o sucesso das forças de segurança na Jornada Mundial da Juventude, o maior evento de sempre em Portugal, devem-se dar agora ao país o sucesso da indignação serena e determinante e o voto de confiança ao próximo Governo e à Assembleia da República em que irão atender aos justos anseio de quem dá a vida, se necessário, em defesa da democracia e dos direitos humanos. Não se perca a razão da indignação. Dê-se o devido às forças de segurança». 

Como travar os radicais?

Se a maior parte da PSP e da GNR quer acalmar as hostes, dentro das duas instituições há quem não pense assim e prefira fazer boicote aos jogos de futebol ou mesmo paralisar os aeroportos. «Sim, há grupos no WhatsApp e no Telegram que se juntam a beber uns cafés ou umas cervejas e querem radicalizar as formas de luta, até por causa das declarações do primeiro-ministro e do ministro da Administração Interna. São muitos grupos e pequenos, mas só se representam a  eles próprios. Não acredito que alguém vá atrás de formas radicais de protesto. Aliás, António Costa é, de facto, um animal político e quis virar a opinião pública contra nós depois das declarações de Armando Ferreira», diz um sindicalista ao nosso jornal.

Já Bruno Pereira entende que as declarações do líder do SINAPOL foram mal interpretadas, mas reconhece  que ele «abriu a porta para uma discussão à volta disso. De uma suposta possibilidade ou hipótese de. O que é certo é que deu margem para que se fizesse. Não acredito que, do ponto de vista substantivo, fosse esse o alcance das afirmações». 

Mas como se pode travar os radicais? A pergunta foi feita a muitos intervenientes, mas a ideia que fica dos offs é que é «preciso muita calma para trazer os radicais à realidade. Se se fizerem as coisas à bruta, dizendo que fica tudo parado até março, muitos dos que são próximos de Pedro Costa vão logo começar a dizer que a Plataforma está todo comprada, mas que eles não aceitam tréguas. É preciso muito cuidado na forma como se lidam com movimentos inorgânicos», acrescenta outra fonte policial.

Sendo António Costa e José Luís Carneiro os principais responsáveis pela luta que está nas ruas – e agora o grupo parlamentar do PS e o subintendente César Ponte , mas já lá vamos –, também o comportamento de alguns oficiais começam a contribuir para a divisão. Bruno Pereira faz outra leitura do conflito entre oficiais. «Não, não acredito. Sobre os oficiais e os comandantes recai um dever qualificado de manter a resposta pública garantida. E são o filtro último no sentido de evitar casos de extravasamento de comportamentos que possam pôr em causa exatamente essa mesma resposta. Por isso é que tenho vindo a apelar, e a plataforma tem-no feito de forma permanente, para que os polícias, sendo eles exemplos de comportamento modelares, que por muito que nos tenha doído e que por muito que estejamos tristes, nunca esqueçamos o que somos. Somos polícias. E os polícias têm um dever, uma exigência maior do ponto de vista da ética, da correção, pese embora, como digo, isso não nos vá calar relativamente a fazer-nos ouvir com maior eco. São as nossas reivindicações. Agora, não temos, em momento algum, de pôr em causa aquilo que é o que as pessoas esperam de nós. Porque senão, podemos começar a perder as pessoas. E nós trabalhamos para as pessoas e pelas pessoas. É importante que estejam ao nosso lado».  

Baixas, futebol e Corpo de Intervenção

Voltemos às declarações de Armando Ferreira e à história das eleições. Todos são unânimes em dizer que é um disparate, pois ninguém põe em causa o ato eleitoral. Mas o que é certo é que o poder político aproveitou a deixa para atacar as baixas que os agentes vão colocando, quer em jogos de futebol ou no dia-a-dia – há esquadras, principalmente no Norte, que chegam a estar reduzidas ao mínimo. A Direção Nacional já disse que mandou investigar todas as baixas, mas é consensual que não passa de um pro forma, já que a Ordem dos Médicos não irá julgar colegas que atenderam polícias que se disseram indispostos ou com problemas psicológicos. «Os polícias não podem pôr a autobaixa como o comum dos mortais, mas têm direito a ficar doentes. Muitos estão mal psicologicamente e ninguém poderá provar o contrário», diz um chefe da Polícia.

O caso do jogo do Famalicão com o Sporting, que foi adiado por causa de 13 agentes terem colocado baixa médica, e o grupo de 40 elementos do Corpo de Intervenção que não fez o policiamento do Benfica-Gil Vicente aqueceram ainda mais as hostes. E é aqui que entra o comandante do Corpo de Intervenção, subintendente César Ponte, que determinou o fim do pelotão 3, obrigando os homens a serem integrados nos outros grupos existentes. «Ninguém estava à espera de um comportamento destes de César Ponte. O Corpo de Intervenção é uma polícia especial que vive muito do companheirismo. Quando há mandatos de tenção é preciso confiar no homem que está atrás de nós ou ao nosso lado. Não vamos arrombar portas ou deter prováveis criminosos sem confiar nos que estão connosco. Por isso é que há os grupos e nunca mudam. Isso até é fomentado na formação.  Ao acabar com o terceiro grupo, César Ponte quis dar cabo dessa união, até porque sabia que o grupo era muito unido e por isso é que todos faltaram ao jogo. Onde ia um, iam todos», confessa um elemento da Unidade Especial de Polícia.Neste caso, onde não foi um, não foi ninguém.

Ontem, o diretor nacional da PSP reuniu-se com todos os homens que estão no quartel da Ajuda e disse que iria respeitar a decisão de César Ponte, mas explicou que a averiguação às baixas não foi apenas para o CI, mas sim para todos os agentes da PSP. «Ele quis acalmar a malta, até porque alguns estavam com receio de serem já corridos do CI. Em dezembro, César Ponte poderá correr com algum, dizendo que perdeu a confiança na sua pessoa, mas aí terá toda a instituição contra si». 

Mudando de agulhas, que o espaço está a acabar. O SINAPOL vai apresentar queixa contra António Costa,José Luís Carneiro e alguns comentadores televisivos, pois diz que Armando Ferreira tem sido quase apedrejado na praça pública.

Mas estarão as guerras dos polícias a ultrapassar fronteiras? É dado como seguro que algumas embaixadas  revelaram preocupação com o que se está a passar e com este protesto. «No sentido de se passar a ideia para o exterior, quer do ponto de vista do investimento, quer do ponto de vista do turismo, de que existiu um abalo grande junto do que são os pilares da segurança em Portugal. E isso deveria preocupar os nossos governantes», termina Bruno Pereira.