Depois da consulta pública do relatório preliminar da Avaliação Ambiental Estratégica do novo aeroporto de Lisboa ter chegado ao fim é hora da Comissão Técnica Independente (CTI) rever o documento para uma versão final e entregar ainda ao atual primeiro-ministro. A garantia é dada ao Nascer do SOL pela coordenadora-geral da CTI, Maria Rosário Partidário. «Até haver uma tomada de posse, António Costa continua em gestão. Não vou esperar pelo novo Governo em funções, até porque o nosso mandato termina no final de março e não faço ideia se nessa altura teremos ou não Governo». Além do mais, a responsável recorda que a comissão de acompanhamento vai reunir-se a 22 de março para dar o parecer final sobre o relatório, o que revela, de acordo com a mesma que, «o relatório tem de se entregue à Comissão a 11 de março para dar o seu parecer e com isso fecha-se este mandato da comissão técnica». Rosário Partidário admite, no entanto, que o próximo Governo irá querer falar com a Comissão para tirar «dúvidas ou aprofundar um aspeto ou outro».
A par dos timings também soluções que foram inicialmente consideradas inviáveis, como é o caso de Santarém poderá ser contemplado, desde que tenham sido feitas as alterações. «A solução de Santarém foi considerada inviável porque havia uma dificuldade operacional técnica, mas se resolverem essa dificuldade voltará a ser tida em conta. Já fizeram um parecer e estamos a apreciar para ver o que estão a propor como afinamentos, mas esta hipótese nunca saiu da corrida».
O parecer de que fala a coordenadora da CTI defende que, no caso da opção Santarém, devia ter sido analisada a existência de uma infraestrutura fora da concessão da ANA. No entender dos promotores desse aeroporto, essa solução permitiria introduzir concorrência, fazendo baixar as taxas aeroportuárias.
O documento de João Confraria, professor auxiliar da Católica Lisbon Business School é claro: «a Comissão Técnica Independente (CTI) não analisa a possibilidade de se resolver o problema da expansão aeroportuária na região de Lisboa fora da área da Concessão. No entanto, essa análise devia ter sido feita».
Outra hipótese que poderá a voltar a jogo é o Montijo. As decisões da CTI tinham declarado ‘morte’ a esta solução, mas voltaram a estar em cima da mesa pareceres que querem o regresso da sua localização. E o turismo é a favor. Mas não só. Recentemente, o CEO da Ryanair, Michael O’Leary, anunciou 14 novas rotas para o verão e exigiu que o Governo «abra imediatamente» o aeroporto do Montijo «para acabar com o monopólio das taxas altas da ANA em Lisboa para sempre».
Ao Nascer do SOL, o especialista em aviação e diretor da SkyExpert, Pedro Castro, diz que «sendo uma comissão dependente e altamente vulnerável ao poder político é natural que, perante a incerteza das eleições legislativas inesperadas de 10 de março, os elementos desta comissão queiram agora aprovar todas as soluções que possam agradar a todos os possíveis vencedores», adiantando ainda que a «última coisa que uma comissão com este tipo de pessoas quer é que o seu relatório seja mandado para o lixo…seria, para eles, uma vergonha». Na opinião do especialista, «a vergonha é mesmo terem aceite, enquanto académicos, este trabalho nestas condições e com estas limitações de mandato», defendendo que «esta manipulação da ciência executada pelos próprios mancha a credibilidade da ciência e torna-a visivelmente manipulável». Ora, não querendo ver o seu relatório no lixo, «estas pessoas querem agora assegurar que, qualquer que seja o decisor político, irá escolher uma das soluções que está lá. Algum destes egos quererá ter no seu curriculo: “participei numa comissão cujo relatório foi mandado para o lixo”?! », diz ao nosso jornal.
Sobre a posição da Ryanair, Pedro Castro detalha que a companhia aérea «pode dizer o que lhe apetecer e não ser nunca responsabilizada por isso». E questiona: «Se Montijo abrisse lá para 2030 e se a Ryanair decidisse, nessa altura, que afinal não abria nenhuma rota, pagaria alguma multa ou indemnização pela promessa que faz hoje? Não!».
Avisando que na aviação as coisas mudam muito rapidamente, Pedro Castro é da opinião de que «devemos simplesmente ignorar totalmente essa afirmação e tratar a rede aeroportuária como parte da decisão e das prioridades de política pública e esquecer os “dizeres” dos agentes económicos representados por pessoas que, felizmente, mudam». E acrescenta que aquilo que os agentes económicos dizem hoje – «seja na voz de uma companhia aérea, seja pela Confederação do Turismo de Lisboa e de Portugal – deve ser colocado no seu devido lugar. Nenhum desses intervenientes está a pensar numa política pública equilibrada e de longo prazo».
Alverca continua fora de jogo
Já Alverca que nunca chegou a ser avaliado, mesmo tendo entregue agora um novo parecer, Rosário Partidário esclarece ao nosso jornal que vai continuar «excluído e fora de jogo», recordando que as razões que levaram à exclusão de Alverca «são sobejamente conhecidas e mantém-se, nomeadamente porque propõem fazer um aeroporto no estuário do Tejo, dentro de água e isso vai contra qualquer diretiva europeia, por mais que o projeto possa ser muito engraçado. A diretiva é muito clara, se houver alternativa não pode afetar uma zona de áreas protegidas».
De acordo com a pronúncia a que o Nascer do SOL teve acesso, os promotores de Alverca defendem que o hub Alverca-Portela é «a única que encaixa no montante disponível na concessão», afirmando que «custa menos 11.500 milhões de euros que o hub Alcochete custa menos 11.200 milhões de euros que o hub Vendas Novas e tem 1/3 do prazo das duas soluções de raiz».
Recorde-se que, na consulta pública foram recebidas 1.669 novas entradas no site, 78 opiniões, 1.141 argumentos e 137 comentários e chegaram à Comissão 58 contributos por email, com envio de pareceres. Feitas as contas, dá 1.727 contributos. «Temos de dar respostas aos comentários, depois vamos fazer as alterações ou os ajustamentos ou as modificações ou as melhorias, como gosto de dizer. ao relatório e aos relatórios técnicos que ajudem a esclarecer melhor porque muitas vezes as dúvidas que são colocadas também derivam muitas vezes de interpretação daquilo que escrevemos e que não está claro».
Mais crítico a todo este processo é o especialista em aviação Sérgio Palma Brito. «Não há consulta pública possível de um relatório que assenta em dois pilares errados. A projeção de passageiros em 2050 não tem qualquer credibilidade. O hub intercontinental que faria de Lisboa porta da Europa não tem qualquer credibilidade. Se os dois pilares estão errados, a arquitetura está condenada. E assim não me preocupei com a consulta pública e na próxima semana sai o livro Novo aeroporto de Lisboa, esmiuçar o relatório da Comissão Técnica Independente e algo mais. Há muita coisa neste processo que não faz sentido, Alverca e Santarém são dois exemplos que não fazem sentido».
Passo seguinte
Questionado sobre o que esperar daqui para a frente, Pedro Castro, é perentório: «Tendo que nenhum partido ousa sequer questionar este plano do novo aeroporto que vem do tempo do outro regime – só isso já deveria ser razão suficiente para pensarem que se calhar algumas coisas mudaram entretanto – o que espero é uma decisão de construção de uma coisa qualquer». E acusa: «Para eles também é igual, só querem o quinhão que lhes cabe. Será sempre a escolha errada!», adiantando que «50% da atual capacidade aérea em movimentos e em passageiros de todo o país (incluindo ilhas) já está hoje em Lisboa. Querem que seja de quanto? 75%? 90%? Com que percentagem é que o poder absoluto de Lisboa se contentará?» Se este projeto avançar, Pedro Castro diz que «vamos continuar com a Portela por muitos e muitos anos».
Na sua opinião, «todos aqueles que pensam que vão deixar de ter ruído e ter uma cidade mais limpa, esqueçam». E defende: «Ninguém vai usar este dito “+1” porque vão sempre arranjar forma de operar na Portela. Se for um investimento público, este novo aeroporto será mais um elefante branco pago pelo contribuinte e daqui a uns anos a PJ e o Ministério Público desse tempo farão uma “mega operação Alcochete” em que metade dos culpados terá Alzheimer e a outra metade serão políticos».
ANA critica CTI. Tem razão?
Recentemente, a ANA Aeroportos criticou as contas e projeções da CTI em relação ao novo aeroporto, detalhando que «vê com muita preocupação os pressupostos assumidos pela Comissão Técnica Independente (CTI) no que diz respeito às projeções de tráfego no médio e longo prazo, aos prazos de construção das opções estratégicas (OE) e à metodologia utilizada para a avaliação económica» de cada solução.
Sobre esse assunto, Pedro Castro não tem dúvidas: é que, neste processo, «a ANA-Vinci é parte demasiado interessada». Se por um lado, «pode ver o seu monopólio aeroportuário contestado», por outro, «fez uma proposta que recebeu um chumbo duplo, no meu entender, correto».
O especialista adianta que a VINCI é o maior operador aeroportuário do mundo e está presente em vários continentes. «Se a VINCI diz que os custos e tempos de execução estão mal calculados provavelmente os ‘académicos’ da CTI enganaram-se redondamente. E se diz que as previsões de tráfego estão erradas é porque o amadorismo e inexperiência de quem os fez na CTI – e ainda para mais com convicções muito firmes e a recrutar apenas quem queria por ajuste direto – atrapalhou os cálculos apresentados. Uma coisa é certa, este relatório da CTI nunca será científico e duvido que fosse publicado como está por alguma revista científica de prestígio do nosso setor – nunca passaria incólume pelo crivo dos revisores», finaliza.