“Um país que não cresce há 20 anos é um país no qual as pessoas vão estar cada vez mais pobres”

Para Ricardo Reis, o problema do crescimento económico resolve-se com reformas estruturais. E diz que se Portugal está estagnado há 25 anos não podemos continuar ‘de braços cruzados’.

Como vê o comportamento da economia portuguesa, apesar dos crescimentos parece tudo poucochinho?

A economia portuguesa está a crescer, não tão depressa como em 2022 ou em 2021, mas também é normal porque cresceu imenso nesses anos, a recuperar do buraco em que tinha caído. A economia está a crescer em linha com a Europa, ligeiramente acima, mas só com os dados finais de 2023 é que vamos saber ao certo. Em relação ao que esperávamos até está a crescer mais e isso também é verdade em relação à Europa. Porquê? Porque estávamos todos com medo que a evolução dos preços de energia, juntamente com o aumento das taxas de juro tivessem causado um maior abrandamento da economia, o que acabou por não se registar. Em primeiro lugar, porque os preços da energia acabaram por cair bastante nos últimos seis a nove meses, em segundo, porque a inflação também começou a cair bastante com a subida das taxas de juro, sem que isso provocasse uma quebra na atividade económica em geral.

E para este ano?

Olhando para 2024, e novamente falando de previsões, está-se à espera que a economia se retraia e se assista a uma pequenina recessão. Ou talvez não. Mas continua a estar muito em linha com a Zona Euro. No entanto, os efeitos das eleições e a incerteza que vem daí com certeza que levanta um ponto de interrogação. Até agora, pelos poucos dados que existem, porque passou pouco tempo desde que sabemos que vai haver eleições, e desde que caiu o Governo, ainda não se vê nenhum abrandamento claro. Ou seja, as eleições ainda não se apresentam como um fator negativo ou positivo, mas ainda é muito cedo para o dizer.

O problema do fraco crescimento não é de agora…

Em relação aos últimos 15 anos, como todos sabemos, Portugal caiu muito com a crise das dívidas soberanas, entre 2010 a 2013. Depois com o conjunto de reformas que fez conseguiu um crescimento entre 2015 e 2018, em que houve alguma recuperação desse terreno perdido, mas foi uma recuperação modesta. Ou seja, a aceleração entre 2016 a 2019 foi, já na altura, pequena para o que se esperaria e durou pouco tempo. Portanto, ainda não recuperámos o que perdemos entre 2010 e 2013.

Estes alertas não são novos. Os raio-X estão feitos, mas pouco ou nada muda. Qual é o problema? É falta de ambição?

Esta estagnação da economia portuguesa que tanto nos preocupa e explica que não haja problema na nossa sociedade de hoje que não esteja relacionado com essa falta de crescimento e que vai da imigração à saúde, à educação, etc. Um país que não cresce há 20 anos é um país no qual as pessoas vão estar, em termos ativos, cada vez mais pobres em relação àquilo que são os padrões de vida do resto da Europa. É isso que está a acontecer em Portugal há uns 25 anos. Tem havido, obviamente, muita discussão sobre o que é que isto causa, mas seja qual for a razão é importante dizer claramente que, sendo um fenómeno que dura há 25 anos, não é um fenómeno temporário e não basta estarmos de braços cruzados à espera que desapareça. Até pelo contrário, resolve-se com reformas estruturais e com isso queremos dizer reformas que mudem a estrutura do tecido produtivo português e a nossa capacidade de criar riqueza. Agora, diferentes pessoas têm diferentes diagnósticos em relação ao que acham que é o problema e quanto às reformas fizemos pouquíssimas, se é que se fez alguma reforma, sendo assim a economia não vai crescer. Há reformas que às tantas até vão tornar a coisa pior? Há. Há reformas que não vão resolver o problema e vão deixar tudo na mesma? Há. Há reformas que nos podem pôr a crescer mais? Acredito que sim, mas se não tentarmos, obviamente, a economia não cresce.

Sente que tem faltado um espírito reformista nestes últimos anos ao Governo?

É claro que tem faltado nos últimos oito anos uma tentativa de inverter a situação. Tem faltado uma tentativa de correr riscos, sendo que os riscos podem com certeza correr mal, mas pelo menos, haveria uma tentativa de reformar de alguma forma a economia.

A troika pediu uma série de reformas, algumas acabaram por ser revertidas e outras nem saíram da gaveta…

Algumas das reformas foram revertidas, outras mantiveram-se e muitas nem chegaram a ser implementadas. Gostava que tivesse havido a noção de que haveriam reformas que poderiam ter tornado as coisas melhores e que a atual situação de estagnação exige, pelo menos, alguma tentativa de mudar, ter algum arrojo, sabendo que há riscos sempre que se tenta fazer uma reforma. Mas, pelo menos, devemos tentar.

E que tipo de reformas é que seriam essenciais e em que áreas?

Em primeiro lugar, parece-me que na economia portuguesa continua a haver alguma falta de infraestruturas, nomeadamente no comércio digital e nos portos. Se olharmos para o tempo de demora nos portos, se olharmos para os custos de uso de infraestruturas para a exportação poderemos concluir que poderemos fazer um bom trabalho nessa área. São reformas caras? Com certeza. Segundo lugar, há muitas reformas que se poderiam fazer para aumentar a concorrência dentro do mercado interno e com isso estimular a eficiência. Neste caso, mais importante seriam as reformas que permitissem mais facilmente uma pessoa com uma boa ideia criar uma empresa, mesmo que ameaçasse as já existentes que estão protegidas por um conjunto de regulamentos. Portugal continua a ter muita regulamentação que favorece os incumbentes porque sabem lidar com essa regulação. Em terceiro lugar, deveria haver um conjunto de reformas que transformem as nossas empresas mais viradas para o exterior, para as exportações, porque com isso vem a eficiência. A concorrência externa traz a disciplina de ter de ser suficiente, traz inovação. Por fim, há uma quarta reforma que é transversal a essas três que é a da fiscalidade.

E a fiscalidade é o nosso calcanhar de Aquiles…

Portugal há 20 anos que tem um grave problema de despesa e de dívida pública, o que implica termos impostos relativamente elevados. E impostos elevados num país pobre são sobretudo muito danosos para qualquer empresa ou indivíduo que tenha um sucesso relativo. Há muitos anos que, em Portugal, quem tem algum sucesso, por sorte ou por esforço, rapidamente são aprovadas taxas e impostos de forma a expropriar algum desse sucesso. Por exemplo, o alojamento local é uma indústria que teve algum sucesso e rapidamente achámos uma forma de o taxar. Mas acontece isso praticamente em todas as atividades que tenha tido algum sucesso relativo. Isso é uma barreira ao crescimento económico, porque quem inova, quem tenta ganhar escala – e o que temos visto em Portugal é que são poucas as empresas que inovam, que ganham escala e que são competitivas no exterior – rapidamente se deslocalizam e abrem sedes em Londres ou Holanda ou mudam-se para outro lado, sobretudo na economia digital, de forma a escapar à expropriação do sucesso. As empresas em Portugal são altamente desencorajadas em termos de investimento porque se correr mal corre mal vão à falência, se correr bem, o Estado vai apropriar-se de uma enorme parte disso de forma a poder pagar as dívidas do passado.

Mas o crescimento da economia continua a ser dificultado pelas guerras e pelos juros elevados…

Todas as economias estão sempre sujeitas a choques. O mundo muda. É na reação a esses choques que vemos a capacidade de um país enriquecer. Isso não torna tudo mais difícil? Com certeza. Mas também posso dar outros exemplos de coisas boas que estão a acontecer no mundo e mesmo em relação aos maus podem representar oportunidades, porque prejudicam alguns dos nossos competidores e poderemos ganhar mercado aqui ou ali. Haver choques é ótimo porque criam oportunidades para ganhar mercados e para inovar. Se fizermos uma lista do conjunto de choques, o que se verifica é que os deste ano não são maiores do que os que existiram há cinco ou dez anos. Há sempre uma tendência para nos esquecermos que o mundo não era propriamente fácil há cinco ou dez ou há 15 anos. Os choques fazem parte da vida, as mudanças trazem oportunidades e desafios e cada desafio pode ser desperdiçado ou pode ser aproveitado para melhorar. E, de uma forma mais englobadora em relação às quatro reformas que dei anteriormente, deixe-me acrescentar uma quinta que está num plano acima das outras, que é mais global, que é sermos um país em que nos podemos ajustar de forma flexível aos novos desafios, em que em busca do lucro ou do bem-estar conseguimos responder a esses desafios de uma forma ágil e, ao fazê-lo, trazemos prosperidade a todos os portugueses.

Em relação a setores de atividade, Portugal está muito assente no turismo, mas há muito que se defende a aposta em outras atividades. Concorda?

Quanto ao turismo, este setor mostra a direção que estava a falar antes. É flexível e as pessoas ajustam-se à procura. Se hoje o que vende é o restaurante indiano abrem-se mais restaurantes indianos, se o que se vende são esplanadas abrem-se mais esplanadas, se o que se vende é o alojamento local então abrem-se mais. Há capacidade das empresas – microempresas, pequenas e grandes empresas – de se ajustarem à oferta e vemos Portugal a agarrar esse desafio. Mas mesmo dentro deste setor vê-se burocracias, regulamentos e sobretudo a expropriação do sucesso que é talvez o maior impeditivo. Em relação a outros setores, o que a experiência me conta é que é muito difícil antever quais serão os desafios ou os riscos de amanhã. Já é difícil sequer diagnosticar os de hoje. Se nos sentarmos agora e se formos dizer que vamos apostar neste setor, tendo em conta o desafio de hoje, vai-nos parecer uma decisão muito ajuizada e podemos achar-nos muito espertos, mas o mundo vai mudar e daqui a seis ou a nove meses, o desafio será outro. Por isso, quando fazemos essas apostas temos de ter flexibilidade de as ajustar de uma forma rápida para responder aos sinais de mercado. Ora, a experiência conta que os governos e os Estados, tendo em conta a forma que é feita a implementação das políticas públicas, não têm essa flexibilidade, quando o setor privado tende a tê-lo. O setor privado deve correr riscos, em que uns falham, outros têm sucesso e devem ser eles a perceber quais serão esses setores em que deverão apostar. Não querendo com isto dizer que o Estado não venha a ter um papel muito ativo de fiscalidade, de regulação e mesmo de infraestruturas. É preciso fazer reformas e dentro delas é preciso haver apostas. Não há dinheiro nem capacidade para fazer tudo. Mas em vez de escolher setores devo permitir ao setor privado e às empresas que corram riscos, em que alguns terão sucesso e outros irão fracassar.

Em relação ao PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) deveria ser usado de outra forma, nomeadamente para as tais reformas que apontou?

Acho que o PRR pode ser melhorado. Espero que o novo Governo, tendo em conta que vamos mudar, independentemente de ser PS ou PSD, tenha acima de tudo, flexibilidade de ajustar o plano, porque as premissas em que foi feito há dois anos já não são as mesmas e as prioridades também não. Era só o que faltava fazer um plano há cinco anos e não o ajustar periodicamente. E muito mais importante do que se o PRR inicial foi bem ou não desenhado é saber até que ponto na sua implementação e aplicação no tempo foram criados mecanismos de avaliação contínua de forma a dar sinais aos setores públicos que lhes permitam ajustar o programa, vendo o que funciona e o que não funciona, sendo capazes de ajustar prioridades. A minha grande crítica ao PRR é uma crítica antes às políticas públicas em Portugal de há muito, muito tempo que é o facto de não temos uma boa capacidade dentro ou fora do Estado de fazer uma avaliação constante dos investimentos públicos e das políticas públicas, não é para apontar dedos a quem errou ou quem falhou, mas para poder rapidamente ajustar e descobrir os projetos que estão bem ou não e melhorar a sua execução.

Portugal também tem estado a braços com vários problemas. Disse recentemente que Portugal viveu na última década a maior saída de população, em proporção, desde a década de 1960, com a Guerra Colonial. E o cenário mantém-se…

Mas aí voltamos à primeira pergunta que é o problema da estagnação económica e que é o cerne de todos os problemas em Portugal, seja o da habitação, seja o da emigração. Os jovens em Portugal emigram não porque Portugal não seja um país agradável para viver, não porque não têm orgulho da cultura portuguesa. Emigram à procura de oportunidades que Portugal, neste momento, não lhes oferece, porque não produz. A partir do momento em que tivermos uma economia que lhes permita ter perspetivas de enriquecer acho que os jovens ficarão, e acho que muitos dos que saíram até voltariam se assim fosse. Se resolvermos os nossos problemas de crescimento económico, talvez com as reformas que propus, talvez com outras, o problema da emigração será resolvido rapidamente. Numa economia estagnada há 25 anos, nos primeiros dez anos ainda se poderia esperar que as coisas melhorassem, na segunda década se é jovem, se não tem oportunidades e se não tem perspetivas é natural que vá à procura de uma vida melhor, sobretudo num contexto em que os custos de transporte hoje em dia são muito menores. Se quiser, de uma forma ligeiramente mais radical, a verdade é que os Estados e os governos se habituaram durante muitas décadas a olhar para os seus cidadãos ou, de forma mais provocadora, os seus súbditos, como sendo algo em que podiam decidir o que fazer. Ora, no mundo de 2024, em que os jovens portugueses falam línguas estrangeiras, estudam, são educados e dentro da União Europeia podem emigrar sem precisar de vistos estão a dizer que os governos em Portugal e, mais do que os governos, o Estado não é assim tão bom e em vez de se sujeitarem às suas decisões preferem sujeitarem-se às decisões de outro Estado qualquer. Não há melhor sinal do insucesso de um Estado como um todo do que com as pessoas a dizerem ‘não quero viver neste’.

Por outro lado, estamos a assistir à entrada de imigrantes menos qualificados para resolver o problema de falta de mão-de-obra…

Para ocupar os empregos que Portugal tem conseguido criar que são no turismo que paga pouco, em empregos menos qualificados. A economia portuguesa cria emprego, mas não cria oportunidades e crescimento económico e emprego não são a mesma coisa. Tivemos durante muito tempo governos muito preocupados em manter o emprego e não em crescer a economia. Estavam muito preocupados com o risco de desemprego e ao fazer isso ficámos com o emprego desqualificado, que paga mal e os portugueses com ambição legitimamente não querem.

Em relação ao futuro da TAP. Acha que a privatização é a melhor solução?

Não sou especialista em aviação, nem na TAP, mas como cidadão custa-me que tenha sido injetado tanto dinheiro. Custa-me ler as notícias e a forma como a gestão da TAP relembra as piores partes das empresas públicas. Custa-me que não haja uma definição e que haja uma grande incerteza acerca do que queremos, quer para a empresa, quer para o acionista.

E quanto ao novo aeroporto? É normal estarmos 50 anos a discutir onde é que será localizado?

Aí sou um pouco mais generoso. Construir um aeroporto não é só uma questão de vontade, também é uma questão de dinheiro. E a verdade é que tivemos um problema grande de dívida e de despesa pública, o que levou a que não pudéssemos construir aeroporto durante uns dez anos. Entre 2010 e 2018 era preciso construir, mas gastámos o dinheiro noutras coisas. Antes disso não era claro, não era fácil prever quanto é que o tráfego aéreo iria subir e, por isso, durante algum tempo adiámos porque também não era claro que precisássemos mesmo de um aeroporto novo ou se isso era um luxo. Não sei se foi assim tão insensato. Agora, já há bastante tempo que parece claro que temos de construir um novo aeroporto e se calhar, olhando para trás, provavelmente podíamos tê-lo construído mais cedo, mas precisamente porque passámos durante muito tempo sem dinheiro e com um problema de dívida pública não fomos capazes de construí-lo. Voltando ao dinheiro do PRR, estamos a falar de uma infraestrutura fundamental para uma pequena economia aberta, uma infraestrutura fundamental para a indústria do turismo, uma infraestrutura fundamental para as empresas exportadoras e competitivas que têm de viajar e descobrir mercados. Sendo assim, e havendo dinheiro do PRR para infraestruturas, parece-me que o novo aeroporto se encaixa muito bem na reforma número um que é a reforma estrutural de criar infraestruturas.

Estamos em época de eleições. O que seria positivo em termos económicos?

O PSD já anunciou um programa económico com imensas propostas, não são todas novas e ainda bem porque são propostas que fazem parte do PSD já há muitas décadas. O programa de 70 páginas tem imensas coisas, muitas delas muito reformistas. Algumas agradam-me mais, outras menos. O PS, por sua vez, espero que anuncie um programa económico em breve e aí vamos julgar, mas Pedro Nuno Santos foi recentemente eleito secretário-geral do partido e teremos de esperar.

O programa do PSD volta a recuperar uma ideia antiga que é a redução do IRC…

Tem reformas na fiscalidade, tem investimentos em infraestruturas. No entanto, é preciso avaliar com calma quais é que são melhores e quais são piores. Mas há, com certeza, um ímpeto reformista no PSD. Mas novamente, não quero elogiar demasiado o PSD só porque não posso elogiar o PS.

E a ideia de contas certas poderá ser posta em causa?

É muito importante e espero que continue. Depois de muito tempo de contas não certas é assim que tem de ser.

Finalmente Portugal aprendeu a lição?

E espero que continue. É preciso ter as contas certas para não estamos expostos aos crashs e aos colapsos que tivemos em 2010.