Rui Ochoa. “Devo a minha carreira como fotógrafo ao PCP”

É um apaixonado por política e foi fotógrafo oficial de Presidentes e primeiros-ministros. Agora faz uma segunda exposição, em moldes diferentes, do seu livro que retrata Portugal de 1974 a 1999. Aos 75 anos demonstra uma vitalidade contagiante e se não trabalhasse com Marcelo estaria a fotografar as manifestações de polícias.

A os 75 anos, o que te faz correr hoje em dia? Vejo-te na televisão, sempre à frente do Presidente, sempre a tentar arranjar o melhor ângulo para a foto.

Primeiro, porque adoro fotografia, adoro a minha profissão. Enfim, hoje já não sou jornalista, duvido que venha a ser, apesar de nós nunca deixarmos de ser jornalista. Mas adoro a profissão, adoro pessoas, adoro a adrenalina. Às vezes estou em Belém e falo com alguém ao telefone e acabo a dizer: ‘Estou aqui na redação’ [risos]. Acontece muitas vezes. Belém para mim é uma extensão daquilo que fiz anos e anos convosco no Expresso. E depois ainda por cima com mais um acrescento, o próprio Presidente que trabalhou no Expresso, também é um pouco jornalista e, no fundo, pauta a sua atuação com aquela adrenalina toda dos jornais. O que me faz correr, de facto, é continuar a adorar fazer fotografia, é uma forma de respiração.

O livro que agora vais apresentar em Sintra retrata os primeiros 25 anos do 25 de Abril. Tinhas 20 milhões de negativos para escolher. Calculo que não tenha sido fácil.

A história deste livro foi iniciada há dois anos com uma pesquisa intensíssima, com a ajuda da minha filha Elisa, que é a minha curadora. Numa primeira fase cheguei às cinco mil fotografias, mas foi muito difícil chegar às 200 e tal do livro. Continuo com a ideia que falta aqui muita coisa importante, pois pretendi sempre neste trabalho dos primeiros 25 anos da democracia fazer um espelho político ou social do que foi o país de 1974 a 1999. Resgatei coisas como o assassinato de um guarda-noturno na rua, figuras da política, da sociedade, da cultura, da arquitetura, que fui captando e fui juntando aqui. De facto, este livro é para ler, não há nenhuma fotografia que não tenha a data, o local onde foi feita, e algumas pelas circunstâncias que envolviam questões mais profundas tem um texto explicativo. Além disso, tem um prefácio do professor Marcelo Rebelo de Sousa, que escreve na qualidade de cidadão, ex-jornalista. Aliás, foi uma pessoa que durante anos e anos, ainda estava longe de imaginar que ia para Belém, incentivava-me todos os dias a fazer este livro. Um jovem que não conheça o que se passou fica a perceber o que foi o 25 de Abril, o que foi o 11 de Março, o que foi o 25 de Novembro, o que foram determinados acontecimentos, o Conselho de Revolução, os diversos governos que apareceram, quem foi Mário Soares, o Marechal Spínola, Cavaco, toda uma série de intervenientes. Sendo eu iminentemente um fotógrafo com uma componente muito grande da política, que adoro, onde me notabilizei ou pelo menos dei nas vistas, a minha preocupação foi também ir ao resto da sociedade e, portanto, qualquer pessoa que adquira o livro, que o veja – e agora na exposição que também tem esse fator didático –, acaba por ter um instrumento de análise e de observação do que se passou nos primeiros anos depois do 25 de Abril. Em relação à exposição, há uma grande novidade, que é uma fotografia de Salgueiro Maia que esteve 40 anos na gaveta, pois nunca foi publicada. Porquê? Na altura do 25 de Abril eu não era fotógrafo, trabalhava no secretariado de redação do JN e também escrevia notícias sobre espetáculos, enfim, o que se podia fazer.

Mas qual a razão para a fotografia ter estado tantos anos perdida?

Esta fotografia esteve perdida durante esses 40 anos e só a recuperei quando estava a ver os negativos. Como sou um purista, rejeitei sempre esta fotografia porque não tinha qualidade. Acontece que com o tempo e com as circunstâncias que estamos a viver agora, os 50 anos do 25 de Abril, a fotografia adquiriu uma importância crucial. Por quê? Porque esta fotografia foi feita no dia 25 de Abril, ao meio dia, no Largo do Carmo, onde ainda ninguém sabia quem era Salgueiro Maia. Eu fotografei este homem sem saber quem era. Era o homem que estava ali, capitão. Havia lá outras pessoas com patente superior, mas era um homem que se percebia que tinha importância. Isto retrata a primeira conferência de imprensa que o Salgueiro Maia dá aos jornalistas que estavam lá – todas as sombras que estão na fotografia são jornalistas. A fotografia tem esse valor simbólico. É uma fotografia nova e, devido à sua importância, decidi fazer uma digitalização com mais qualidade e está a abrir a exposição, com cerca de três metros. Esta exposição tem moldes completamente diferentes da de junho, porque dado o espaço ser três vezes maior, acabei por aumentar algumas fotografias e criei uma zona multimédia, onde as pessoas podem ver numa projeção todas as fotografias que estão no livro, comentadas, com música e depois também tenho uma sala com vitrinas onde estão colocados diversas coisas que me dizem respeito, documentos, fac-símile de jornais que dizem respeito às fotografias. Depois vou projetar também na parede algumas frases que estão no livro feitas por Marcelo Rebelo de Sousa. É uma exposição que foi reconstruída, que era aquilo que pretendia. No momento do lançamento do livro, há seis meses, a maior parte das pessoas que foram, cerca de 500, acabaram por não ver a exposição, já que o que contava era o lançamento do livro. Então resolvi, a convite de Basílio Horta, presidente da Câmara de Sintra, fazer esta exposição.

A primeira foto é a única que não está legendada. Sim, é junto à PIDE…

Tenho poucas imagens do 25 de Abril. É curioso, quando pensei fazer este livro nunca imaginei que ele ia, digamos, entroncar com as comemorações. Não foi nada a minha intenção. Tinha essa ideia de fazer o livro e fui incentivado pela minha filha Elisa, que me disse: ‘Oh pai, tens que avançar com isso’. Estava com o livro já mais ou menos iniciado quando fui para Belém, e a partir daí as coisas complicaram-se devido à atividade frenética que temos e não dava para fazer isso. Durante a covid fiquei com tempo e começámos então a pesquisa. O problema era a digitalização, porque eram negativos muito antigos. Alguns tinham algumas impurezas, porque nós, no jornal, quando chegávamos de um trabalho tínhamos de revelar o filme em dez minutos porque estava o Mestre Ribeiro à espera para fechar a página, era uma coisa perfeitamente frenética. A maior parte desses negativos foram todos digitalizados de uma forma que, hoje em dia, é muito mais inovadora e que aumentaram ou pelo menos deram ao negativo a qualidade que tinham. Curiosamente, os negativos estão muito bons, porque tive esse cuidado – uma das minhas grandes preocupações sempre foi, desde a primeira hora, guardar tudo o que fotografava. Fazer o arquivo, organizá-lo. Há umas fotografias que faltam aqui, por exemplo, no 25 de Abril fiz pouco material, como te disse. É uma história muito engraçada, porque quando foi do 25 de Abril, além de trabalhar no JN, onde era secretário de redação e fazia umas pequenas reportagens, colaborava com um jornal de tauromaquia que se chamava Redondel, e tinha feito nessa noite, em Vila Franca de Xira, uma reportagem sobre uma corrida de toiros. Cheguei a casa, morava na Amadora, perto da uma da manhã, e como no dia seguinte tinha de acordar cedo, pois tinha de estar no jornal às sete da manhã para começar a escrever, deitei-me cedo. Quando entrei no comboio na Amadora estava vazio – apenas havia uma ou outra pessoa e interroguei-me: ‘O que se passa aqui?’. Cheguei à estação do Rossio, que estava sempre pejada de gente por volta das sete horas, e não havia ninguém. Começo a subir a Calçada do Carmo, desemboco no Largo do Carmo, da GNR, completamente vazio. Ninguém nas ruas, tudo como se tivesse ocorrido uma catástrofe nuclear ou qualquer coisa parecida. Chego à redação do JN, na Rua da Misericórdia, e os meus meus colegas estavam todos a trabalhar. Perguntei o que se passava e responderam-me: ‘É a revolução’. Imediatamente fui para a rua, tinha uma máquina fotográfica, já fazia fotografia na altura, pouco, mas fazia, tinha umas luzes, começo a fotografar e vou contra a corrente. Ou seja, quando estavam todos os fotógrafos profissionais lá em baixo no Terreiro do Paço, eu andava por ali sem saber o que se passava, era um jovem com uma consciência política bastante despiciente, e, de repente, vejo o tal tanque a vir pela Rua Augusta e comecei a fotografar. Segui aqueles militares por ali acima e fui atrás deles até ao Carmo. Quando chego ao Carmo faço a tal foto do Salgueiro Maia e fico ali durante o dia inteiro, numa escola primária próxima, onde fiquei à janela com mais outros fotógrafos, alguns já conhecia, nomeadamente o Alfredo Cunha, o Gageiro, o João Ribeiro. Às tantas, de repente, acabou-se o filme e fiquei numa posição em que não poderia fotografar mais naquele dia.

Fizeste 36 fotos?

Sim, nesse dia. Um rolo tinha 36 fotografias, algumas ficaram desfocadas. Depois tirei muitas fotos nos dias seguintes. No 1.º de Maio não estive no estádio propriamente dito porque não me deixaram entrar, pois ainda não tinha carteira profissional. Em 76, já eu era fotógrafo profissional, tinha sido admitido como repórter, há uma história muito engraçada sobre o Partido Comunista comigo. Quando estava na redação do JN fizeram a minha candidatura como jornalista ao Sindicato de Jornalistas. Até foi o João Carreira Bom que apoiou a minha candidatura. Já o conhecia, porque fazíamos umas reuniões do MRPP, antes do 25 de Abril, em casa deles em Benfica, com a Maria José Mauperrin, que era a mulher dele, o Arnaldo Matos, o Durão Barroso, o Saldanha Sanches, a Maria José Morgado. Já depois do 25 de Abril reuníamo-nos em casa da Diana Andringa, no Bairro das Colónias.

Há pouco disseste que tinhas pouco conhecimento de política, mas já ias a reuniões do MRPP.

Na verdade era um totó, porque não tinha grande ideologia, mas participava, apesar de nunca ter sido membro, nunca me inscrevi. Mas a história do PCP é muito engraçada, pois comecei a fazer não só fotografia como fazia também simultaneamente os textos das notícias, conferências de imprensa, etc., e comecei a ser conotado com o MRPP. Aconteceu que um dia o diretor do JN chegou ao pé de mim e disse-me: ‘Ó Rui temos aí um problema. Vai haver um plenário de trabalhadores do JN, no Porto, e têm lá uma lista da malta que andou na Mocidade Portuguesa e querem saneá-los’. Achei estranho pois a malta no liceu andava toda na Mocidade Portuguesa, era obrigatório. ‘Ó Rui você tem muito jeito para a fotografia, por que é que durante uns tempos, que isto vai passar, não vai fazer um curso de fotografia que nós pagamos e passa a ser repórter fotográfico?’. Respondi que era boa ideia. Como gostava de fotografia, que tinha a ver com a minha maneira de estar, bastante frenética, comecei a fazer fotografia. A coisa passou, ninguém foi saneado, tudo caiu em saco roto. Quando veio o 25 de Novembro, as coisas apaziguaram. Mudou tudo e, entretanto, o diretor um dia chegou-se ao pé de de mim, e disse: ‘Rui, quando quiser, já tem o seu lugar como repórter’. Na altura havia uma escala, os redatores eram os mais velhos. Disse-lhe que preferia ficar como estava. Conclusão: o fotógrafo Rui Ochoa deve a sua carreira ao PCP.

Que bloqueava a tua carteira profissional.

Sim, quando o PS e o MRPP ganharam o sindicato, penso que o presidente era o Mário Contumélias, deixaram-me ter carteira profissional.

Voltando ao livro, vais fazer um novo e pensas recuperar algumas das fotos que ficaram de fora?

O próximo livro vai ser 00 24, que são os outros 25 anos do 25 de abril. Começa em 2000 e vai até 2024. No fim deste ano vou começar a trabalhar no próximo livro e fecho o ciclo. Ou seja, todas as fotografias que não entraram aqui, desta época, em princípio não as vou utilizar. Isso até me incomoda pois descobri coisas muito importantes e que não pude publicar. O novo livro também terá à volta de 220 fotos.

Já falámos várias vezes sobre a qualidade versus documento. É um facto que há fotos aqui que podem não ter grande qualidade, mas são um grande documento.

Claro, e também foi essa a ideia. Houve duas preocupações: a estética e a importância do acontecimento. Há fotografias que entraram porque gosto muito delas. Uma das que gosto mais é de um plenário de trabalhadores agrícolas junto de Rio Maior [foto em cima da de Otelo]. Como sabes, o país partiu-se todo no 25 de Novembro, a partir de Rio Maior para cima era uma realidade e para baixo era outra. E houve um plenário muito grande da CAP em Rio Maior e adoro esta fotografia, parece uma coisa de um filme. Há outras que aparecem por serem inesperadas. Podia ter escolhido uma foto de Mário Soares e Álvaro Cunhal no célebre debate do ‘Olhe que não, olhe que não, dr. Soares’, mas a fotografia deles sentados no estúdio era irrelevante. Achei os bastidores mais interessante com eles a serem maquilhados. A fotografia de Sá Carneiro, sob o ponto de vista estético, é uma fotografia banal, mas é a última fotografia de Sá Carneiro vivo, duas horas antes de morrer. Esta fotografia é histórica por isso, é um documento.

Destas 220 fotografias vais conseguir escolher 10 para publicarmos com esta entrevista?

[risos] É difícil, claro que se consegue. Sabes que tu trabalhaste muito comigo e esse era sempre o drama. Tu eras editor da revista e dizias-me: ‘Rui, queremos 10 fotos’ e eu apresentava 20. E eu às tantas dizia, ‘ó Vítor escolhe tu’. Eu não conseguia porque as fotografias são filhos. É a mesma coisa que me digas: ‘Tens três filhos e à mesa só podem ficar dois, o outro não pode. É complicado, não é?

O que achas da crise que o jornalismo está a viver?

A culpa do jornalismo foi das grandes cedências que determinados jornalistas, entre aspas, fizeram aos economistas. Hoje em dia faz-se jornalismo ‘economês’. E o que aconteceu foi que existia um orçamento – lembras-te perfeitamente que no Expresso cada editoria tinha um orçamento e nós é que geríamos o dinheiro, tomávamos as decisões editoriais que entendíamos que eram as melhores para o jornal, não nos preocupando se se gastava muito ou se se gastava pouco, desde que cumpríssemos o orçamento – e a partir do momento em que esse orçamento deixou de ser controlado pelos jornalistas, a qualidade foi ao ar. O que acontece hoje? Qualquer editor toma uma decisão e tens um senhor da economia, lá em cima, que diz que não, porque não temos dinheiro, não sei quê. Os jornais foram empobrecidos e não foi só por causa da internet. A internet foi a fraude, porque houve uma altura em que as pessoas achavam que a informação era grátis, toda a gente ia ver informação grátis e ninguém pensou quem é que pagava os conteúdos. E aí funcionaram também muitos jornalistas que acharam que os conteúdos eram importantes, mas custavam dinheiro e como custavam dinheiro começaram a reduzir nesses custos, nesses investimentos que se faziam na redação. E depois também fizeram um investimento desmesurado na internet, fora do tempo, gastaram imenso dinheiro, quando todos nós sabemos que os motores de busca ficam com uma parte da publicidade e das assinaturas, falaram-me em 40%, não sei se é verdade, se é mentira. É claro que são várias as questões, mas houve uma falta de visão de muita gente que deixou arrastar o jornalismo para este ponto. Isto é um problema económico, não tem nada a ver só e apenas com a internet. Tem a ver exatamente com o empobrecimento propositado que fizeram dos jornais para acabar com os jornais de papel.

Mas os jornais também têm menos receitas.

Sim, têm menos receitas. Mas vamos aos Estados Unidos. A Neewsweek resolveu acabar com o papel e teve de voltar atrás porque as pessoas queriam o papel. O New York Times continua a vender milhões. O problema é a qualidade do produto, que não é bom. Estás a perceber? É claro que agora é muito difícil os jornalistas fazerem coisas de qualidade sem meios. Isto é um pescadinha de rabo na boca. Não há dinheiro, não há reportagens, não há reportagens não há dinheiro.

O teu próximo projeto vai ser um livro sobre Mário Soares.

Sim, vou fazer com o Alfredo Cunha. A família Soares convidou-nos para fazer um livro, e estamos a pensar exatamente como vai ser. É um livro com 100 fotos, 50 de cada um, fotos tanto quanto possível inéditas. Há algumas que inevitavelmente terão de entrar.

Para o bem ou para o mal uma das tuas fotos mais icónicas é a de Mário Soares a ser agredido na Marinha Grande.

Sim, a história é muito simples. Na altura era colaborador do Expresso e era fotógrafo do Jornal de Notícias. Estava de folga nesse dia, mas como estava muito embrenhado na campanha eleitoral decidi ir à Nazaré e à Marinha Grande, que é uma coisa hoje em dia impensável os fotógrafos fazerem. Havia problemas gravíssimos de desemprego na Marinha Grande e em Setúbal e resolvi ir à Marinha Grande atrás da campanha de Mário Soares. Cheguei primeiro à Nazaré, já ao fim da tarde, e não aconteceu nada, até porque era um sítio que não lhe era hostil. Tinhas aquelas senhoras do peixe que gostavam muito de Soares, e resolvi meter-me no carro e fui pela estrada fora até à Marinha Grande. Quando chego à Marinha Grande vi aquele aparato todo. Estacionei o carro longe e fiquei à espera. De repente aparece o Dr. Soares e é envolvido por aquela multidão, dá-se a agressão, e acabou depois por entrar na fábrica Irmãos Stephens. Só eu fotografei o episódio porque os outros fotógrafos não pensaram o que poderia vir a acontecer. Isto é um bocadinho, enfim, estar aqui a falar um pouco de mim, mas a conquista de uma notícia ou de uma fotografia também se consegue com conhecimento, com perspicácia, com arriscar, com fontes boas, credíveis. As notícias que chegam à redação ou as fotografias que nos querem dar nunca são boas. Têm sempre interesses escondidos, não é? Podem dar uma notícia, mas tem de se confirmar, investigar. E isso é uma coisa que não se faz hoje em dia. As agências de comunicação despejam uma notícia para as redações e não se checa nada. Um dos problemas do jornalismo em Portugal é que se pensa pouco, em particular as televisões, que não pensam nada e são tóxicas. O facto de ter conseguido essa imagem foi exatamente por ter capacidade de previsão, ter conhecimento do que se passava e pensar um bocadinho. E o que resultou foi aquelas imagens em exclusivo. Os meus colegas quando chegaram já tinha tudo acabado.

Nos teus anos de repórter fotográfico o que destacas?

Tive momentos altos. A Guerra do Golfo, onde estive com a Clara Ferreira Alves, em 91. Estivemos em Telavive onde fotografámos e assistimos ao lançamento dos scuds, depois caminhámos para a Jordânia, metemo-nos a caminho pela estrada até à fronteira do Iraque e lá fomos barrados porque não tínhamos visto. Outra foi a Guerra Civil em Angola. Foi complicado porque fomos presos pela UNITA durante seis horas.

Isso onde?

Foi a 50 quilómetros de Luanda, mais ou menos. O que aconteceu foi o seguinte. Tinha havido eleições que o MPLA venceu. Quando souberam que tinham ganhado, os militares entraram pelos musseques e mataram, consta, uns 10.000 tipos da UNITA. Na campanha, toda a gente dava a conhecer a sua preferência política, vestindo as camisolas dos partidos. Os da UNITA andavam todos com o Galo Negro. Foram muitos mortos, as sedes da UNITA foram queimadas e eles fugiram todos para o Norte. De manhã estávamos no hotel e a Cândida Pinto, que trabalhava na SIC na altura, sugeriu que fossemos à procura dessa gente toda, dos militares da UNITA. E lá fomos, uns nove ou dez. Havia um brasileiro, um canadiano, um americano e uns portugueses. Quando chegámos ao limite da área controlada pelo MPLA, os militares disseram-nos: ‘A partir daqui, se passarem, o problema é vosso’. Ficou tudo a olhar para eles. A Cândida que, de facto, é uma tipa com muita coragem, resolveu avançar e fomos todos atrás. Ninguém queria perder a notícia. Andámos dez quilómetros, nem tanto, e fomos ‘caçados’ por uns soldados completamente desenquadrados, todos sujos, em debandada também. Fomos presos e houve pessoas que se portaram com muita coragem, que acabaram por bater o pé e eles tiveram um certo medo, pois inclusive eu disse que conhecia muito bem Chivukuvuku, na altura quadro da UNITA, e ficaram um bocado com medo, mas desapossaram-nos de tudo, máquinas fotográficas, máquinas de filmar, tudo, tudo, tudo, filmes, tudo, tudinho. Eu consegui safar três filmes que meti nas meias de um colega meu que não era fotógrafo. De resto ficou tudo lá. Também fiz a queda do Muro de Berlim, que foi uma coisa fantástica. A queda do Ceausescu, na Roménia, Nós chegámos às seis da manhã a Bucareste, no dia de Natal, estava frio, andávamos na rua a fotografar uns militares, havia ainda uns tiroteios, alguns mortos, e de repente começou a nevar, um nevão brutal, e passado uma hora não havia ninguém. Os militares recolheram todos aos quartéis e acabou a revolução por causa da neve. No incêndio do Chiado fui apanhado numa discoteca. Alguém me disse que o Chiado estava a arder e como andava e ando sempre com a máquina fotográfica fui dos primeiros a chegar. Naquela altura era assim.

Ainda tens vontade de fotografar a atualidade?

A frescura física já não é tão boa, mas adorava poder ir ainda a manifestações ou fotografar coisas como estas dos polícias que têm dado imagens fantásticas. Gostaria muito mas não posso, pois sou consultor do Presidente, sou muito referenciado, sou uma pessoa muito conhecida, não dá, tenho que me abster de aparecer nalguns sítios.

Para todos os efeitos és o fotógrafo oficial do Presidente.

Sim, nomeado no Diário da República como consultor para a imagem. É verdade. Isto vai terminar em março de 2026 e se alguém me convidar, ainda vou fazer umas coisas. Mas tenho um projeto que é o meu grande sonho, fazer um grande livro, talvez comece em 2026 a ir para o terreno. O trabalho é sobre Ser Português. Fazer um grande projeto sobre os portugueses, andar dois anos pelo país fora a fotografar os portugueses. Falando com eles, publicando as fotografias com os nomes deles, as idades, dizendo o que fazem, quais são as suas aspirações. Vão ser minientrevistas que irei fazer, o objetivo é apanhar 100, 200 imagens dos portugueses, é esse o meu grande projeto. Custa muito dinheiro mas espero conseguir encontrar alguém que invista nesse projeto.