A revolta dos oficiais da PSP

É uma espécie de grito de alerta para evitar o precipício, segundo o Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia (SNOP), que numa carta aberta faz um breve retrato da situação da PSP.

É uma espécie de grito de alerta para evitar o precipício, segundo o Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia (SNOP), que numa carta aberta faz um breve retrato da situação da PSP. Está envelhecida, não tem meios, debate-se com a falta de efetivos, os oficiais formados durante cinco anos no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI) ‘fogem’ para a Polícia Judiciária, no passado também iam para o SEF. «Em 2023, 3719 polícias, 18% do total de cerca de 20 mil, preenchia os requisitos para a pré-aposentação, e o número de suicídios é mais do que preocupante, quase o dobro «comparado com a população portuguesa em geral e em alguns casos triplica (176 entre 2000 e 2022)».

Na Carta Aberta, cujo título é “A Segurança é o ‘petróleo’ de Portugal”, os oficiais, que se reuniram ontem num jantar promovido pelo sindicato e onde estiveram elementos da atual e anterior direção nacional, Magina da Silva não foi por estar em Paris, mas onde esteve também o superintendente-chefe Luís Farinha, diretor nacional entre 2013 e 2020. «A segurança é o petróleo’ de Portugal, constituindo-se como a sua principal vantagem face a outros países que concorrem na atração de turismo, investimento e imigração qualificada neste mundo globalizado. No entanto, pasme-se, os sucessivos governos têm menosprezado e maltratado os principais produtores desse ‘petróleo’, dando como certo que eles são máquinas de produção, que continuarão a trabalhar sem nunca reclamar, aceitando sem resignar, as condições indignas que este (des)governo lhe tem dado. Mas agora tudo mudou», lê-se no documento.

Preocupados com o caminho que está a ser seguido, os oficiais dizem que o problema não é só de subsídios de risco equiparados aos da PJ. «A gestão miserabilista das Forças de Segurança (FS) vem de longe. Mais de 90% do seu orçamento é absorvido com despesas com pessoal, número inédito na Europa e porventura no mundo civilizado. O investimento de uma FS como a PSP, com quase 5.000 viaturas, 400 instalações e um inumerável stock de equipamento técnico e operacional, não passa, por ano, dos 13 milhões de euros, ou seja, menos de 2% do orçamento. A própria Lei de Programação, cujos valores financeiros são ufanamente evocados, vezes sem conta, normalmente apenas consegue executar dois terços dos montantes aprovados, sendo que, destes, apenas um terço vai para equipamentos ou instalações das FS, já que a outra parte se destina a satisfazer compromissos contratuais do SIRESP e RNSI. Por outras palavras, pouco mais do que um quinto do valor aprovado nos Conselhos de Ministros é efetivamente dedicado às instalações, viaturas e equipamentos das FS, e é aqui que reside a verdade. Percebe se por isso o estado deplorável em que se encontram. Nenhuma instituição consegue funcionar com esta estrutura financeira. O colapso está mesmo diante dos nossos olhos, pena que seja apenas dos nossos».

A taxa de suicídios dos polícias é o dobro ou o triplo do que a população em geral

É fácil de perceber que o desalento é evidente. «Para além destas questões financeiras, estão as remuneratórias. Tivemos recentemente um dos maiores ataques à nossa honra e dignidade: o agravamento das assimetrias com outros atores do sistema de segurança interna, de todo injustificáveis e as quais, até ao dia de hoje, ainda não foram explicadas. Um estudo científico apadrinhado pelo ISCPSI, datado de 2010, já concluía que a idade média de vida dos polícias da PSP era 11 anos mais baixa do que a da população em geral».

Num quadro tão negro, o Sindicato dos Oficiais avança com mais dados sobre os polícias que decidem pôr termo à vida: «A taxa de suicídio entre os polícias das FS é quase o dobro comparado com a população portuguesa em geral e em alguns anos triplica (176 entre 2000 e 2022). O número de polícias das FS mortos em serviço é de 1,4 por ano (32 casos totais) e de polícias agredidos é de 901 por ano (20.724 casos totais), valores médios, entre 2000 e 2022. O risco e a penosidade dos polícias das FS não são inferiores aos dos outros OPC, antes pelo contrário, basta olharmos para os RASI anuais que são apresentados. A taxa de suicídio entre os polícias das FS é quase o dobro comparado com a população portuguesa em geral e em alguns anos triplica (176 entre 2000 e 2022). O número de polícias das FS mortos em serviço é de 1,4 por ano (32 casos totais) e de polícias agredidos é de 901 por ano (20.724 casos totais), valores médios, entre 2000 e 2022. O risco e a penosidade dos polícias das FS não são inferiores aos dos outros OPC, antes pelo contrário, basta olharmos para os RASI anuais que são apresentados».

Com estes dados todos, os oficiais tentam ‘mostrar’ como é injusto a PSP e a GNR não terem sido contemplados com o subsídio d emissão de risco.

População envelhecida e às portas da pré-aposentação

Mostrando como a profissão é cada vez menos atrativa e que existem cada vez menos candidatos a entrarem nas suas fileiras, os oficiais explicam que dentro de cinco anos, 34% dos polícias, 7087, reunirão condições os requisitos para a pré-reforma. «Em 2023, 3.719 polícias, 18 %, reuniram os requisitos para a pré-aposentação e 11.060 polícias, 53 %, têm mais de 45 anos de idade. Dentro de 5 anos, 7.087 polícias , 34%, reunirão os requisitos para a pré-aposentação. O cenário é ainda mais preocupante quando o s resultados dos últimos quatro concursos de admissão para ingresso na carreira de agentes de polícia da PSP, demonstram que a Polícia portuguesa vai enfrentar uma grave ameaça à sua “prontidão e eficácia operacional”, por não conseguir substituir, completar e rejuvenescer os agentes de polícia, tal como havia sido planeado. O número de candidatos aprovados nos últimos quatro concursos tem ficado muito aquém do esperado, por não permitir o preenchimento da totalidade das vagas anunciadas politicamente e que constam do Plano Plurianual de Admissões. Em 2019, 2021, 2022 e 2023 estava previsto o alistamento de, respetivamente, 1000, 1200, 1000 e 1000, mas pelas razões invocadas apenas foram alistados no Curso de Formação de Agentes, 766, 945, 638 e 500 candidatos, ou seja, menos 1.351. Este é o resultado do ataque vil à dignidade das carreiras policiais e do papel essencial das Forças de Segurança».

Mas o problema não é só a falta de agentes, dão ainda conta do abandono da hierarquia da PSP. «Constatámos que cerca de 20% dos polícias, com formação superior, que ingressaram na PSP, entre 2008 e 2014, já saíram da Instituição, a maioria com destino à PJ, SEF e outras carreiras de técnico superior, dentro da Administração Pública. Cerca de 12 %, dos candidatos alistados a partir de 2008 possuem formação superior (licenciatura/mestrado), e estes são apenas valores conhecidos, haverá muitos mais que, entretanto, finalizaram, com esforço, as suas carreiras académicas». Como conclusão, o Sindicato dos Oficiais, diz que «se a capacidade de atratividade da carreira policial é baixa, a capacidade de retenção é ainda mais baixa, depauperando irreversivelmente uma Organização que vive, por imperativos governamentais e falta de investimento, apoiada em “mão de obra intensiva” e pouco em tecnologias».

O próximo Governo vai ter de enfrentar uma contestação de todos os polícias, ainda por cima liderados pelos oficiais, algo inédito em Portugal. E se os oficiais da GNR não estão integrados na Plataforma, que une os seis sindicatos da PSP e quatro associações socioprofissionais da Guarda, não quer dizer que não estejam do lado da ‘luta’, pois a associação dos oficiais da GNR também já fez um comunicado bastante duro quanto ao subsídio de missão.

Vejamos o fim da Carta Aberta dos oficiais da PSP: «Assim, as nossas EXIGÊNCIAS não vão parar nas questões remuneratórias, como pode transparecer da atual conjuntura. Iremos também colocar na agenda, com firmeza, uma discussão profunda sobre o nível de investimento e financiamento para manter as FS a trabalhar adequadamente em prol do cidadão e do país, bem como a defesa de uma restruturação que elimine redundâncias típicas da administração pública que constrangem, de sobremaneira, a capacidade de resposta da Polícia e seus Polícias, a resposta mais sentida e necessária junto das pessoas que servimos. É isso que nos move, um sentimento que vem da alma e não de qualquer movimento exterior, muito menos de cariz político partidário. Somos ‘só’ a trave mestra da Segurança Interna em Portugal. Não é pouco. Apesar do precipício estar devidamente identificado, o Governo continua a andar em frente, esmagando as questões das Ciências Policiais com a dimensão política no processo de tomada de decisão. É preciso acordar, pois, quem perde, são as Nossas Pessoas e o Nosso Portugal. Basta de acenos e discursos que embelezam a oratória. Demandam-se ações e respeito. RES NON VERBA [que é como quem diz, actos, não palavras]».

Mais direto era impossível.