Direita, volver

Se os debates na TV são relevantes – e dos mais esperados já só falta o maior, entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos – e as sondagens antecipam (mais do que resultados) tendências, as eleições de março confirmarão uma viragem à direita, com uma vitória da AD e o reforço substancial do Chega. Sente-se.

Não é científico, não coincide com as ‘notas’ que os comentadores das nossas TV’s vão distribuindo pelos intervenientes em cada debate entre líderes, começa a ser tendência marcante em todas as sondagens, não é um movimento isolado português, mas, sim, da Europa e do mundo ocidental (veja-se Trump nos Estados Unidos ou Milei na Argentina) e, sobretudo, sente-se: o povo está cansado do sistema, da esquerda no poder e da total incapacidade do Estado para responder às necessidades mais basilares – da Saúde à Justiça, da Educação à Segurança – e fazer a Economia crescer, para combater a pobreza e o assistencialismo improdutivo.

Faltam ainda alguns frente a frente – e designadamente o mais aguardado, entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos – e, além disso, três semanas de campanha eleitoral, que podem mudar muita coisa, menos, porventura, essa manifesta vontade coletiva de mudança.

Ao fim de nove anos de poder socialista, com os dois últimos de acelerado desgaste, fechou-se o ciclo do PS de António Costa – e Pedro Nuno Santos não tem sabido afirmar-se como verdadeira alternativa ao status quo nem como protagonista do ‘novo impulso’ a que se propôs e a que até o seu antecessor o desafiou, ‘autorizando-o’ a descolar do seu legado e do seu rumo… ou da ausência dele.

Nas últimas semanas, aliás, os sucessivos debates de pouco menos ou pouco mais de meia hora têm contribuído para reforçar essa ideia, independentemente das reações e comentários que se arrastam depois horas a fio e que têm uma originalidade em comum: todos podem estar mais ou menos bem, menos André Ventura, e todos têm de ganhar a André Ventura, como dizia Bernardo Ferrão após o frente a frente entre o líder do Chega e Pedro Nuno Santos.

De facto, embora André Ventura manifeste alguma dificuldade de adaptação ao crescimento do Chega e não tenha tido as melhores prestações nos seus primeiros debates, foi arrasador nos confrontos desta semana com Mariana Mortágua e, principalmente, com Pedro Nuno Santos – muito embora, com a exceção de Ferrão, nada disso transparecesse para quem viu as ‘notas’ e ouviu as análises dos costumeiros comentadores-avaliadores.

A disparidade entre umas e outras e a realidade está obviamente patente na subida do Chega em todos os estudos sobre intenções de voto.

 André Ventura não pode ser menosprezado. Nem o Chega acantonado, como parece ser desejo da chamada ‘bolha mediática’.

Um partido que pode eleger 30, 40 ou meia centena de deputados não é um partido pequeno ou acantonável, que os chamados partidos do sistema possam ignorar e não contar com ele para nada.

Um partido com um grupo parlamentar com essa dimensão é, forçosamente, um ‘partido do sistema’, que o eleitorado ‘normalizou’.

E não se pense que se trata de um epifenómeno tipo PRD_dos anos 80 – esse, sim, um partido feito à imagem do seu líder, o então Presidente, sem base ideológica e com a contradição insanável de ser apoiado pela ala mais à esquerda do PS_(‘pintasilguistas’ e ‘zenhistas’) e ter uma direção à direita do PS_(a começar por Hermínio Martinho e a acabar no próprio mentor e figura referencial, Ramalho Eanes).

O Chega de Ventura é um produto de um movimento maior, que começou na Frente Nacional de França, mas se estende do norte ao sul da Europa, e do leste europeu aos Estados Unidos e à América do Sul, com um líder forte ou carismático e uma base ideológica nacionalista e de extrema-direita, mas com um conjunto de bandeiras, a começar na defesa da família, na autoridade do Estado e nos valores da pátria, com crescente adesão nas camadas mais jovens.

É por isso que não pode querer reduzir-se o Chega a um partido marginal e de um homem só.

E de pouco adianta dar-lhe ‘notas’ negativas só porque é populista, ou as suas propostas são eleitoralistas e inexequíveis ou simplesmente porque não se concorda, nem se gosta das suas ideias mais ou menos extremistas ou até do seu estilo.

Como não vale a pena fazer de conta que ele não tem razão alguma no que diz sobre os problemas da imigração, as questões da ideologia de género ou a corrupção generalizada.

Como, a contrario, André Ventura também não deve perder a noção do seu lugar.

Os Açores deram-lhe uma boa lição. O crescimento eleitoral nem por isso o colocou numa posição que justificasse a arrogância de reclamar lugares no governo. E antes o deixou no desconfortável papel de poder ser o coveiro de uma alternativa à esquerda, o que o eleitorado não lhe perdoaria.

A possibilidade de se repetir na República e nas eleições de 10 de março o mesmo cenário de (in)governabilidade é real. Sendo que todos os estudos sobre intenção de voto apontam para uma subida do Chega muito mais significativa. E, logo, para uma maior capacidade reivindicativa, negocial e de vitimização de André Ventura.                
Por isso, e curiosamente, a diabolização do Chega que beneficiou o PS_e permitiu a António Costa conquistar os indecisos que lhe garantiram a maioria absoluta há dois anos pode agora ser fatal para os socialistas liderados por Pedro Nuno Santos.

É que, com os ventos de mudança no horizonte e sem vislumbre de uma maioria de esquerda no Parlamento, o ‘voto útil’ para evitar o papão de um Governo refém da extrema-direita só pode ser… a AD de Luís Montenegro. 

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