EUA. O fim da confiança?

Declarações de Trump alarmaram os europeus. França, Alemanha e Portugal têm estado abaixo do valor de referência da NATO para os gastos em defesa.

O ano de 2024 será palco de várias reestruturações a nível global. O quadro de incerteza, provocado pela guerra na Ucrânia e pelos conflitos no Médio Oriente, alterará a forma de encarar as Relações Internacionais e redefinirá o equilíbrio (ou desequilíbrio) de poder. O cenário de hegemonia americana, mesmo que ainda vivo, esbate-se cada vez mais, e a ascensão de outras potências económicas, como a China (aliada à Rússia) ou a Índia, coloca-nos perante uma política internacional de geometria variável.

As eleições nos Estados Unidos, as guerras internas entre Democratas e Republicanos acerca da fronteira e dos pacotes de ajuda externa e as mais recentes declarações de Donald Trump e Vladimir Putin, deixam tanto os americanos quanto os europeus num impasse. Alerta-se para a urgência da autossuficiência europeia em matéria de defesa na eventualidade de uma reeleição de Trump, que mencionou, mais uma vez, o desleixo de uma boa parte dos países da NATO.

Os EUA rejeitaram o mais recente pedido de negociações do Presidente russo, avançou a Reuters.

As capacidades de Biden

As eleições presidenciais americanas, agendadas para novembro deste ano, serão – ao que tudo indica – uma reedição de 2020. O confronto gera divisão, até dentro dos próprios partidos, e surgem preocupações quanto à idade e acuidade mental dos candidatos. Trump terá 78 anos e Biden 82 à data da próxima tomada de posse, mas o Presidente incumbente tem sido o mais escrutinado nesta matéria.

O mandato de Joe Biden tem sido marcado por altos e baixos, e em termos de política externa vários analistas acreditam que tem sido positivo. Mas a capacidade cognitiva do Presidente – algo que não era colocado em causa há algumas presidências – revela-se preocupante, segundo um relatório de Robert Hur, procurador especial na investigação a Biden pela posse de documentos confidenciais. Hur afirma que o atual Presidente é «um idoso com uma memória fraca», referindo que não se recorda da data do falecimento do filho, Beau Biden, nem de quando terminou o seu mandato como vice-presidente.

Na última semana, Biden confundiu o México com o Egito e protagonizou um momento de desorientação por ocasião dos discursos com o Rei da Jordânia. Já são várias as situações em que o Presidente se mostra debilitado, e surgem questões sobre se conseguirá levar a cabo mais um mandato, principalmente com a exigência que tanto o quadro nacional quanto o internacional apresentam.

O polícia do mundo

Desde o século XX que os Estados Unidos são a principal potência mundial e o garante da estabilidade e manutenção da ordem internacional liberal. Hegemónicos desde a queda da União Soviética, em 1991, os americanos são o pilar do mundo livre e o seu soft power faz com que sua esfera de influência seja a maior. Com esta posição cada vez mais posta à prova, uma falta de compromisso – causada por disputas internas – gera preocupação nos aliados. Preocupação que cresceu esta semana com as discussões sobre o pacote de ajuda à Ucrânia, Israel e Taiwan, e com as declarações de Donald Trump.

A administração Biden tem reunido todos os esforços para fazer passar a proposta de ajuda externa de 95 mil milhões de dólares, fundamental para garantir a resistência dos ucranianos, negociando principalmente o tema que assume mais relevância na agenda republicana: o problema na fronteira. A proposta foi aprovada pelo Senado, na terça-feira, mas o assunto está longe de ficar encerrado. Falta ainda passar pela Câmara dos Representantes, onde o Partido Republicano tem maioria, e o speaker, Mike Johnson já avisou que irá demorar. Johnson disse, na quarta-feira, que «a Câmara liderada pelos republicanos não será forçada a passar a proposta de ajuda externa», significando que, de momento, a medida não será sequer sujeita a votação. O bloqueio dos republicanos, que se focam principalmente nos problemas internos, poderá pôr em causa a credibilidade americana no exterior.

Trump e a NATO

Um eventual regresso de Donald Trump à Casa Branca tem feito tremer os alicerces da NATO na Europa, algo que se agravou após as últimas declarações do ex-Presidente. Alinhado com o que defendia há oito anos, Trump afirmou que não protegeria os países que não cumprissem com a despesa em defesa na ordem dos 2%, valor de referência estabelecido pela Aliança, retirando assim significado ao Artigo 5.º. O 45.º Presidente dos Estados Unidos acrescentou ainda que até «encorajaria [a Rússia] a fazer o que quisesse» com os países da NATO que não atingissem esse valor. Joe Biden atacou o ex-Presidente, classificando as afirmações como «idiotas»«vergonhosas» e «perigosas».

As declarações de Trump no último comício alarmaram os europeus e redespertaram a ideia da autossuficiência do velho continente face à ameaça russa. É de relembrar que tanto a França quanto a Alemanha têm estado abaixo do valor de referência da NATO para os gastos em defesa, enquanto os Estados Unidos e a Polónia (que aumentou significativamente após a guerra na Ucrânia) gastam na ordem dos 3,5% e 4%, respetivamente. Com a eleição de Biden, «a Europa voltou a sentir-se segura ao lado dos Estados Unidos e de alguma maneira voltou a respirar fundo e a baixar os braços», afirma a investigadora Diana Soller. Ainda assim, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, espera que em 2024, 18 dos 31 membros da aliança atinjam a marca dos 2%. Portugal, que está nos 1,5%, não será um deles.

O paradigma mudou desde a última vez que Trump esteve na Sala Oval, e a política de aproximação à Rússia, com o objetivo de isolar a China, deixou de fazer sentido. A realidade é que existe uma aliança sino-russa para desafiar a hegemonia americana, e daí advêm novos perigos, tanto para os EUA como para a Europa, que em caso de não se conseguir assumir como um bloco militar forte, ficará refém de uma reeleição de Biden e do que a sua administração tiver a capacidade de materializar.

goncalo.nabeiro@nascerdosol.pt