Com boas leis e bom governo, alcançar a felicidade da Nação – assim ditava a primeira Constituição. Passaram duzentos anos e as leis são o que são, os governos foram o que foram e felicidade só para alguns. Almeida Garrett diria que os vermes tecerem a sua liça de seda e os benefícios caíram-lhes de cima.
Mas não precisamos recuar tanto, basta revisitar o discurso de Ramalho Eanes, em julho de 1976, na tomada de posse do primeiro governo constitucional liderado por Mário Soares. Nele, Eanes já alertava para a necessidade de combater os que se aproveitavam da liberdade para manipular as instituições e dos processos que sugavam o bem público e apenas serviam para consolidar privilégios e vantagens pessoais. Ecoa a presente.
No discurso a preto e branco, Eanes pedia aos governantes mais realismo e menos demagogia e lembrava que os portugueses aceitariam os sacrifícios desde que sentissem que o seu esforço era compensado pela distribuição da riqueza; que os funcionários públicos e quem trabalha no mar e no campo fossem mais reconhecidos e mais bem remunerados. Tão atual.
Eanes provavelmente diria de novo: que os portugueses não querem serviços de saúde ineficazes; uma escola que traz ideologia e não respeita o seu valor e a sua história; uma imprensa controlada por interesses e que faz da polémica o seu método; que a democracia se faz reforçando a dignidade para que, independentemente de onde tenha nascido, cada português se sinta de parte inteira. Soa a slogan desta campanha.
Saramago apontava os duvidosos novos políticos, «os rifões de frases feitas, de bordões e sentenças de almanaque», aqueles que nos querem forjar o futuro com pasmosos milagres, mas não têm ideias nem grandeza. Os mesmos que insistem em nos dizer o que está errado e não sabem, sequer, o que está certo; os tais que nos escondem que é nas ruínas que acaba cada ilusão – devíamos revisitar mais Sophia de Mello Breyner e Agustina Bessa-Luís.
O desenvolvimento do país não passa pelo Excel, antes pelo desenvolvimento cultural dos portugueses – em Portugal pensa-se pouco sobre isto. Estamos a esquecer a nossa História e a deixar que ataquem os símbolos nacionais; desapareceu a cultura rural e pouco valor damos à cultura material e imaterial, ao património, ao teatro e à literatura. E os governantes – oposição incluída – que se esquecem de comemorar os quinhentos anos do pai da língua portuguesa não estão à altura do cargo que ocupam.
Antero de Quental já nos havia deixado o aviso sobre os políticos: «Que à inteligência dos hábeis e dos espertíssimos lhes faltava uma coisa bem pequena – a boa-fé». E a nós, os imbecis por vocação ou devoção, Saramago explicou-nos «como cegos que veem – mas cegos que, vendo, não vemos».
Não queremos políticos que mudam a verdade e que falsificam a História. Ansiamos por líderes com um pé na terra e outro nas estrelas, com capacidade de pensar e de brilho nos olhos; que tenham menos apetite e mais responsabilidade; menos interesses e mais sentimentos. Não precisamos de políticos que têm soluções para tudo – dos que criaram problemas e agora se dizem os únicos com capacidade para os resolver.
Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.