Um dos poucos comentadores das televisões que se não deixa levar pelo ar do tempo viu, com perspicácia, qual o padrão que se desenha para as eleições de 10 de março: uma bipolarização entre o Chega e os dois partidos que esquissaram, edificaram pedra a pedra e controlam o sistema político português pós-revolução, PS e PSD. Esse sistema político que criou e foi alimentando a bolha político-mediática que hoje governa Portugal.
Porque os restantes partidos, para todos os efeitos, não pesam, isto se tivermos em conta as últimas sondagens em que, todos somados, elegerão apenas metade dos deputados que poderão ser eleitos pelo Chega.
Temos, assim, nesta corrida eleitoral e, de facto, três partidos: dois representando o sistema, PS e PSD e um assumindo o confronto com o sistema, o Chega. Um sistema, note-se, que é mais do que esses partidos – inclui a já referida bolha político-mediática – mas que está suportado e ligado à manutenção desses mesmos partidos.
Que existe essa bipolarização – Chega de um lado e Sistema do outro – tem sido bem claro ao longo deste debate eleitoral, mas, particularmente, desde o início do bizarro percurso dos debates e comentários aos debates. Todas as televisões em bloco, com os seus comentadores também em bloco, têm funcionado contra André Ventura. Pedro Nuno Santos interrompe AV? É aplaudido por ser combativo. AV interrompe PNS? É pateado por ser agressivo. Luís Montenegro chama «mentiroso» a AV? É vitoriado por ter denunciado a verdadeira natureza de AV’. AV chama «frouxo» a LM? É-lhe apontada a ‘habitual grosseria’. Os opositores dos outros partidos apresentam medidas com peso notório no Orçamento? Ninguém lhes pergunta quanto custam. AV apresenta medidas semelhantes com peso orçamental? Todos lhe perguntam quanto custam. Mas AV apresenta um número? de imediato o acusam de as contas estarem mal feitas.
Escrevia há dois dias no X um conhecido politólogo que «a unanimidade dos comentadores a decretar que André Ventura perde todos os debates contra todos os oponentes talvez diga mais sobre o perfil dos comentadores do que sobre os debates». Sim, e mais do que sobre o perfil dos comentadores, diz sobre o desespero do mundo mediático português main stream que sente o iminente risco de ver desaparecer o mundo onde confortavelmente tem vindo a sobreviver não pela própria qualidade, independência e energia, mas pela subsidiação, direta ou indireta, dos partidos do sistema e dos empresários do sistema.
Mas – e isso aumenta o seu desespero – o que se passa é isto: o que quer que essa CS possa dizer ou fazer ao longo de dias e noites, por extravagante que seja a desonestidade intelectual da quase totalidade dos ditos comentadores (uma ou duas corajosas exceções existem) por mais que insultem, achincalhem e grosseiramente desprezem André Ventura este, e o Chega, estão atravessando incólumes a tempestade, persistentemente subindo nas sondagens.
Um mistério? Longe disso. Diz a velha sabedoria popular que ‘podes enganar uma pessoa todo o tempo, algumas pessoas durante algum tempo, mas não muitas pessoas durante muito tempo’. Essas muitas pessoas são lentas a reagir, mas quando reagem nada mais as travas. Reagirão contra os partidos que há dezenas as estão a empobrecer, votando.
E contra as televisões que lhes vendem gato por lebre, virando-lhes as costas.