A remuneração média declarada à Segurança Social em 2023 subiu para 1.463 euros, o que representa um aumento de 7,2%, o que representa mais 98 euros mensais. Os dados foram divulgados pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, não convencem o economista César das Neves. «Em média até pode ser, mas para os rendimentos mais baixos houve perdas significativas», revela ao Nascer do SOL.
Também Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, defende que «tendo em conta que a variação média anual do Índice de Preços no Consumidor (IPC) registou um aumento de 4,3%, sendo esta a melhor métrica para aferir o aumento do custo de vida, o ganho salarial médio compensou a subida média da inflação».
Uma subida que é vista pelo presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro, como um «esforço das empresas para apoiar os trabalhadores, mesmo num período de maior instabilidade financeira e económica», destacando a importância dos salários médios efetivamente recebidos, ou seja, líquidos de impostos «por forma a reter e atrair talento e essencial para Portugal enfrentar os desafios societais e de produtividade, com realce para as transições digital e climática».
César das Neves chama ainda a atenção para o facto de a subida do salário mínimo nacional estar a pressionar os ordenados médios. «A subida do salário mínimo é há anos uma medida completamente irresponsável, que está a desequilibrar fortemente o mercado de trabalho e a prejudicar muito os trabalhadores menos produtivos» e tendo em conta que os médios não são decididos por concertação social ou, em última análise, por decreto de lei, o economista entende que os «salários sobem com a produtividade e esta sobe com o investimento de qualidade», acrescentando que «infelizmente estas duas coisas têm faltado por cá ultimamente».
Luís Miguel Ribeiro lembra que, desde 2015, o salário mínimo nacional aumentou 62,4%, enquanto o salário médio bruto aumentou menos de metade (27,7%), o que penaliza essencialmente os trabalhadores com mais qualificações, revelando ao Nascer do SOLque «esta diminuição do diferencial entre o salário mínimo e médio, tende a ser prejudicial à economia, por desincentivar o mérito e a produtividade». Ainda assim, admite que as empresas têm vindo a cumprir com a sua parte e, como tal, entende que o incentivo tem de partir do próximo Governo, que deve atuar sobre a progressividade fiscal, que considera ser asfixiante. «Os empresários querem aumentar salários, mas estão sufocados com impostos, assim como os trabalhadores», acrescentando que «a elevada carga fiscal é claramente um forte entrave à competitividade nacional e embora a remuneração bruta mensal média por trabalhador tenha aumentado 10,5% entre 2021 e 2023, em termos líquidos aumentou apenas 6,3%, ou seja, o Estado arrecadou 40% do aumento do rendimento médio bruto do trabalhador, fora as contribuições sociais que o empregador paga sobre o trabalhador (23,75%). Assim fica difícil reter e atrair trabalhadores».
Uma opinião partilhada por Paulo Rosa ao defender uma redução do peso dos impostos sobre os rendimentos do trabalho como forma de aumentar os valores médios. «Uma diminuição do IRS é uma das formas de aumentar o salário médio», uma ferramenta que, no seu entender está ao alcance de qualquer Governo. E lembra que «os ganhos de produtividade existem e a esses mesmos aumentos de produtividade devem corresponder subidas salariais». Caso contrário, as consequências estão à vista. «A deslocalização de mão de obra ser uma realidade num mundo cada vez mais globalizado e focado no trabalho à distância permitido pelas novas tecnologias e que a pandemia ‘abriu definitivamente as portas’, sendo a emigração de jovens licenciados cada vez mais uma realidade», salienta ao nosso jornal.
O economista do Banco Carregosa fez ainda as contas: «Os salários auferidos pelos trabalhadores são valores nominais. Assim, se o PIB nominal em Portugal subiu 12,2%, 9,6% e 7% em 2023, 2022 e 2021 respetivamente, tendo tido um crescimento negativo de 6,5% em 2020, mesmo sem qualquer ganho de produtividade, os salários deveriam ter subido em média a evolução do PIB nominal», referindo também que «é certo que por lei não são permitidos cortes salariais. Assim, em 2020, ano da pandemia e de forte contração do PIB nominal em 6,5%, os salários não desceram nessa percentagem. No entanto, também não acompanharam o acréscimo de PIB nominal nos anos seguintes, de recuperação em 2021 e impulsionado pela elevada inflação em 2022 e 2023».
E a Europa?
César das Neves reconhece que Portugal foi dos mais afetados pelos choques recentes, mas reconhece que «recuperou bem». No entanto, admite que «agora está a voltar à modorra habitual» e alerta que «a situação é muito volátil, mas é provável que, com uma recessão ligeira a instalar-se em vários das grandes economias europeias, não haja muitas melhorias nos próximos tempos».
Já Paulo Rosa admite que as economias mais avançadas do centro da Europa têm salários médios mais elevados porque também têm um produto interno bruto (PIB) per capita mais elevado. Mas aponta para alterações. «A diminuição do peso dos salários na formação do PIB na ótica do rendimento é cada vez mais uma realidade, acentuada nos últimos dois anos de elevada inflação. O cálculo do PIB na ótica do rendimento é o somatório dos salários, juros, rendas e lucros, e o peso dos salários tem diminuído, não só em Portugal, mas também na Europa», recordando que em 2019, antes da pandemia, o PIB nominal de Portugal foi de 214 mil milhões de euros e no final de 2023 chegou ao 265,5 mil milhões de euros. «Os salários em média aumentaram cerca de 23% nos últimos quatro anos? Se os salários não acompanharam a subida do PIB nominal, então têm sido as rendas, os juros e os juros a justificarem maioritariamente o acréscimo de PIB nominal. A inflação tem sido alimentada mais pelo acréscimo de rendimento via rendas, juros e lucros, do que pelo aumento dos salários, o denominado greedflation», salienta.
Também o presidente da AEP considera que os salários dos portugueses continuam muito aquém da maioria dos países europeus, nomeadamente daqueles com os quais nos queremos comparar, defendendo que «isso acontece porque Portugal tem um problema de produtividade, que é fortemente condicionada pelo complexo e burocrático enquadramento: administrativo, legal, judicial e fiscal», mas reconhece que só é possível as empresas pagarem mais se conseguirem alcançar maiores níveis de produtividade e competitividade.
Como solução, Luís Miguel Ribeiro, defende uma mudança na cultura da economia portuguesa, que impulsione a produtividade e a inovação, nomeadamente através de uma simplificação do enquadramento administrativo, legal, judicial e fiscal, da garantia da sua previsibilidade e de um reforço da cooperação entre empresas e entidades do sistema científico e tecnológico, por forma a possibilitar a transferência dos resultados da ciência para o tecido produtivo e, por essa via, induzir maior valor acrescentado nos produtos e serviços.
O responsável lembra também que vivemos atualmente num contexto mais controlado ao nível da inflação. «Face à desaceleração da inflação, os aumentos nominais dos salários carecem de um menor crescimento para se conseguir efetivamente verificar o mesmo crescimento real dos salários», no entanto, diz que «é importante relembrar que o mercado de trabalho funciona como qualquer outro mercado, e o salário atua como preço neste mercado».
E não hesita: «A falta de mão-de-obra sentida na União Europeia e, em particular, nas empresas portuguesas (que têm, inclusive, vindo a apontar a falta de mão-de-obra especializada como o maior obstáculo à sua atividade, como atestam os Inquéritos mensais da AEP às empresas), denuncia um claro desajustamento entre as qualificações e as reais necessidades das empresas. A elevada taxa de desemprego jovem, é também reflexo desse desajustamento», acrescentando que «os efeitos da falta de mão-de-obra prevalecerão face à diminuição da inflação, não sendo provável que o país ou a União Europeia estejam em risco de diminuição dos salários».
O que os partidos pedem
Todos os partidos defendem o aumento do salário mínimo nacional (SMN) que, no fundo, se aproxima cada vez mais do médio. Mas parece que este ‘pormenor’ também não foi esquecido pelos partidos. Uma promessa arrasada por César das Neves ao defender que «quanto a esta questão os partidos só podem estragar, mas não podem fazer. Uns estragam muito, outros menos, alguns muitíssimos, mas nenhum faz bem», revela ao Nascer do SOL.
No caso do PS, Pedro Nuno Santos pretende rever o acordo de rendimentos celebrado na Concertação Social pelo Governo de António Costa. Um dos objetivos é que a subida dos salários médios acompanhe a dos mínimos. E, para o salário médio, o PS propõe que a fasquia suba para os 1.725 euros em 2026.
Um valor não muito diferente – ainda que ligeiramente abaixo – do que propõe a Aliança Democrática encabeçada por Luís Montenegro: 1.750 euros. No entanto, é preciso ter em conta que era preciso mais tempo para lá chegar uma vez que a AD só aponta este valor para 2030.
Por sua vez, o Bloco de Esquerda pretende que os trabalhadores qualificados, começando pela administração pública, tenham um reforço de 500 euros na posição de entrada. Os valores deverão ser reajustados nos níveis seguintes. O Bloco fala ainda num subsídio de refeição igual tanto para público como para o privado e o valor mínimo deve ser igual ao do público. Mariana Mortágua chegou mesmo a defender que «os salários, todos, sejam arrastados pelo salário mínimo, porque o que tem acontecido em Portugal é que é importante aumentar o salário mínimo, é muito importante, mas os salários médios vão ficando para trás e vão sendo ‘comidos’ pelo salário mínimo».
Para o PCP o objetivo passa por uma subida geral de salários, sendo que o valor mínimo de subida seria 150 euros.
Já o PAN, que pretende o aumento do SMN para 1.100 euros, defende também que existam «avanços» no ordenado médio das famílias.
E o Livre defende uma «estratégia de concertação nacional para a valorização salarial, nos vários níveis da escala de rendimentos, com particular ênfase nos salários médios e para os rendimentos do trabalho qualificado, através, também, de uma indexação à inflação e a métricas de produtividade».
Já a AEP em vez de comentar as medidas prefere avançar com as suas propostas que apresentou para o Orçamento de Estado de 2024. «Nesse documento, a AEP alertou para medidas relevantes, tais como a redução progressiva da taxa de IRC, para 17% até 2025, a redução significativa da taxa de IRS, em particular sobre os mais jovens, a atualização dos escalões de IRS à taxa de inflação e a tributação do trabalho extraordinário à mesma taxa de IRS do trabalho em horário normal», concluiu.