O governo russo anunciou, na passada sexta-feira, a morte do principal opositor do regime de Putin, Alexei Navalny. A voz mais ativa no combate ao Kremlin putinista estava numa penitenciária na zona ártica da Rússia, onde as temperaturas poderiam atingir a marca dos trinta graus abaixo de zero. A morte de Navalny parecia apenas uma questão de tempo, dadas as contínuas perseguições – que duravam há mais de uma década – e até tentativas de aassassínio. Naturalmente, o principal suspeito é o Kremlin, ainda que o porta-voz tenha declarado que as acusações da viúva de Navalny são «grosseiras e infundadas».
Yulia Navalnaya já prometeu «continuar o trabalho» do marido, num momento em que Moscovo ainda não libertou o corpo do opositor. O envolvimento do Governo de Putin parece um dado adquirido, principalmente porque a morte chega numa altura em que se avizinham eleições. Resta saber se o sucedido será um trampolim para quem há muito está descontente com o regime, o que converteria Navalny num mártir, ou se a luta, o calvário e a morte do dissidente foram em vão. É certamente a segunda opção que o líder russo procura, numa tentativa de desencorajar e desmoralizar qualquer tentativa de oposição que se estivesse a preparar para concorrer às eleições.
Herói ou vilão?
Após a morte de Navalny surgiram várias acusações, até em Portugal, sobre a sua faceta nacionalista e até merecendo críticas quanto à sua associação a organizações de extrema-direita (a verdadeira extrema-direita, do ponto de vista teórico).
E se é verdade que Alexei Navalny ficou conhecido por defender políticas nacionalistas e anti-imigração, o que lhe valeu a saída do primeiro partido em que militou, de índole social-democrata, há também que reconhecer que a sua visão da Rússia estava nos antípodas da de Putin, que por sua vez também utilizou o combate contra nazis como cortina de fumo para as suas pretensões em território ucraniano. Navalny parecia ter como objetivo a criação de um Estado-nação europeu, e Putin apresenta tiques imperialistas, ainda que os tente omitir. Existem também tentativas de justificar a perseguição, encarceramento, envenenamento e morte de alguém que se manifesta contra um governo, algo difícil de encaixar na conceção de democracia estabelecida nos países ocidentalizados.
O estabelecimento prisional informou que o opositor faleceu devido a uma contínua debilitação do seu estado de saúde. Concordando ou não com o que defendia, considerando-o um herói ou um vilão, não deixa de ser um cidadão que tentou a mudança, num país em que o regime fica cada vez mais despido e mostra definitivamente as suas intenções, independentemente do que diga Putin ou os seus porta-vozes do Kremlin.
Reação internacional
A morte de Navalny foi, naturalmente, uma notícia que chocou o mundo, ainda que existisse a consciência de que iria acontecer mais tarde ou mais cedo. Mas aliado a essa consciência, existia um sentimento de descrença quanto à eliminação de um opositor político, mesmo que vindo de Putin. Mas o líder russo já deixou claro que a opinião ocidental não lhe tira o sono. Ainda assim, pode estar a entrar numa guerra, mesmo que fora das trincheiras, que sabe que não consegue ganhar.
As reações dos países que estão do lado ucraniano foram quase unânimes na acusação ao Kremlin por envolvimento. O Presidente americano, Joe Biden, afirmou preto no branco que «Putin é o responsável pela morte de Navalny», acrescentando ainda que a coragem do opositor «não será esquecida». Também o secretário de Estado, Antony Blinken, teceu duras críticas, declarando que a morte de Navalny «sublinha a fraqueza e corrupção no cerne do sistema que Putin construiu». A presidente do Conselho Europeu, Ursula Von der Leyen, também não poupou o Kremlin: «Não há nada que Putin tema mais que a dissidência do seu próprio povo». Já Olaf Scholz, o chanceler alemão, salientou o heroísmo do dissidente, alegando que «pagou a sua coragem com a vida». Em Portugal, uma imagem de Navalny foi projetada na fachada da Embaixada da Rússia, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, fez um paralelismo com o período do Estado Novo: «Não temos dúvidas nenhumas que Navalny morre porque o regime que Putin criou levou à sua morte, da mesma maneira que Humberto Delgado morre por causa do regime liderado por Salazar em Portugal».
As atenções viram-se agora para a viúva Yulia Navalnaya, que estará presente na próxima sessão plenária do Parlamento Europeu, tendo afirmado no discurso emotivo na recente Conferência de Segurança de Munique: «Putin e todos ao seu redor […] vão ser responsabilizados pelo que fizeram com o nosso país, com a minha família e com o meu marido».
A ordem liberal precisa, mais do que nas últimas décadas, de ser protegida, e só um bloco compacto conseguirá lograr esse objetivo.
A ameaça russa
O episódio Navalny vem num momento difícil e incerto para os europeus. Com o conflito na Ucrânia sem solução à vista e com a crescente ameaça russa, a Europa está fragilizada, principalmente depois das declarações de Trump, que ameaçou não defender países que não cumpram com a marca de 2% de despesa em Defesa, como previsto pela NATO.
Surgem ideias para garantir a autossuficiência europeia em termos militares, passando pelo aumento dos gastos em Defesa – com está a planear a Alemanha, um dos países abaixo do valor de referência da Aliança – ou até, como defendido pelos mais federalistas, a criação de um exército comum europeu. Seja como for, o Ocidente, como bloco composto maioritariamente por democracias liberais, está obrigado a agir contra a ameaça de Putin e a fazer com que a luta de um dos seus maiores opositores não seja desperdiçada.
Os pacotes de sanções económicas – o 13.º, desde o início do conflito, foi aprovado na quarta-feira – têm demonstrado ser ineficazes, já que o seu objetivo principal: fazer tremer os alicerces do Kremlin, não foi atingido. Uma negociação, para já, parece um cenário difícil, e deixar cair a Ucrânia poderá ser um erro capital para a manutenção e estabilidade da ordem internacional liberal.