Raimundo e o Sputnik

Tendo perdido a mãezinha soviética, o PCP poderia ter imitado aqueles patinhos órfãos que passam a seguir qualquer criatura que se mexa.

Apesar dos extraordinários avanços da genética desde a clonagem da ovelha Dolly, esta ciência tem dificuldades em explicar a resistência do vírus do Comunismo português – conquanto este fenómeno também envolva ovelhas e rebanhos. A União Soviética acabou, o Muro de Berlim caiu, os partidos comunistas europeus sofreram mutações genéticas transformando-se em grupos folclóricos como o Bloco de Esquerda e centros mediúnicos como o CES, mas o PCP resiste. Tal como os homens de Neandertal que foram sendo expulsos da Europa até só lhes restar o território lusitano, o Comunismo foi igualmente corrido dos países europeus até lhe restar o último bastião em Portugal.


Tendo perdido a mãezinha soviética, o PCP poderia ter imitado aqueles patinhos órfãos que passam a seguir qualquer criatura que se mexa. Mas a experiência de Konrad Lorenz de 1935, na qual ele põe os patinhos a segui-lo para todo o lado, não se aplica ao PCP. O PCP não vai em modas folclóricas ou alinha em experiências mediúnicas com o marxismo-leninismo. O PCP mantém-se fiel à ortodoxia soviética. Já promoveu mulheres a altos cargos, mas ainda encara a comunidade LGBT como uma degenerescência burguesa. Porque nunca houve nenhum gay no Soviete Supremo, a dirigir o Pravda ou a comandar execuções no KGB. Aliás, o único gay soviético foi o bailarino Rudolf Nureyev e, por isso mesmo, desertou.


Como tal, torna-se difícil compreender as críticas ao novo secretário-geral do PCP, o camarada Paulo Raimundo. Raimundo reúne as características de um verdadeiro comunista: é honesto, veste-se mal, nunca sorri e recusa-se a provar Sushi. E quanto a vinho, só do Alentejo, tinto encorpado, e de alguma cooperativa que tenha resistido à contra-reforma agrária do fascista Barreto. Dizem que ele não se tem saído bem nos debates, mas, basta ver as gravações do debate entre Soares e Cunhal, para retorquir «olhe que não, olhe que não». Raimundo saiu-se melhor do que Cunhal. Além disso, não inventou avós despejadas, resistiu fleumaticamente às acusações de associação do partido ao terrorismo das FP-25 de Abril e, ao contrário do outro, admite que muitas coisas não funcionaram. E tão pouco duvido que não simpatiza com os crimes de Putin ou com as alucinações do Quim da Coreia.


Por isso, tendo em conta que o PCP já só deveria existir nos museus ao lado das ossadas dos Neandertais, qualquer resultado acima dos três votos nestas eleições será para Paulo Raimundo um feito semelhante a colocar o Sputnik em órbita.