O fascismo dos antifascistas

No presente o verdadeiro novo fascismo é o consumismo como modo único de ser.

Este é o título de uma antologia de textos de Pier Paolo Pasolini, um dos mais genuínos homens de esquerda do século XX.

Quem ligar uma televisão quais agências de propaganda, verá que se utiliza na atualidade mais o termo fascista que nos anos 30 e 40. Ora, o fascismo tem um tempo e uma identidade próprias. A existir neste século tem uma nova forma, não me refiro ao seu uso enganador para demonizar o adversário. No presente o verdadeiro novo fascismo é o consumismo como modo único de ser. Escrevia Pasolini: «Venceu a revolução consumista. […] Considero o consumismo um fascismo pior do que o clássico, pois o fascismo clerical, na realidade, não nos transformou, não entrou em nós. Foi totalitário, mas não totalizante».

Este novo totalitarismo é hiperliberal na economia, com o seu poder transnacional, e progressista, assente na destruição de qualquer vínculo, laço, limite, fronteira ou raiz. Essas são as duas principais características do novo fascismo que impõe um modo de pensar e estar uniformizado e um modelo cultural único, o da civilização do consumo.

Qual o grande objetivo dos totalitarismos, seja o fascista, o nacional-socialista ou o comunista? A produção de um novo homem e uma nova sociedade totalmente homogénea, obediente, acrítica e servil.

Nunca esse trabalho se realizou de modo tão repressivo e dominador. Pensemos, apenas como exemplos, nos hábitos de consumo, na falsa ideia de liberdade e qualidade de vida, nas ideias vinculadas pelos média e pela propaganda diária. O que distingue os indivíduos na sociedade hiperliberal? O que é singular, ou seja, o que é genuinamente livre e próprio em cada pessoa? Nada.

Se procurarmos no Ocidente um Estado forte visível, com um líder carismático e uma polícia política, não o vamos encontrar, porque houve uma mutação inevitável. O fascismo deixou de ser uma ideologia para se transformar em forma de vida total. Já não há resistência, nem exilados, nem subversão e qualquer dissidência séria é imediatamente criminalizada e/ou patologizada.

Pasolini distinguiu o fascismo tradicional desta nova formulação: «Se se observar bem a realidade, e sobretudo se se souber ler os objetos, a paisagem, o urbanismo e acima de tudo os homens, vê-se que os resultados desta inconsciente sociedade de consumo são eles mesmos os resultados de uma ditadura, de um fascismo puro e simples […] O [velho] fascismo fez deles realmente, fantoches, servidores, talvez em parte convictos, mas nunca lhes chegou ao fundo da alma, à sua maneira de ser. Pelo contrário, o novo fascismo, a sociedade de consumo, transformou profundamente os jovens: ela tocou-os no que eles tinham de mais íntimo, deu-lhes outros sentimentos, outras maneiras de pensar, de viver, outros modos culturais. Já não se trata, como na época mussoliniana, de uma arregimentação artificial, cenográfica, mas de uma arregimentação real, que roubou e modificou a sua alma. O que significa, em definitivo, que esta ‘civilização de consumo’ é uma civilização ditatorial. Em suma, se a palavra ‘fascismo’ significa violência do poder, a ‘sociedade de consumo’ conseguiu realizar o fascismo».

Não é necessário ser de direita para se denunciar a retórica obtusa da esquerda que no seu antifascismo encenado promove e colabora com um renovado fascismo.