Certamente muitos dos estimados leitores deste vosso jornal leram essa obra universal do autor checo Jaroslav Hašek, com o título original de Osudy Dobrého Vojáka Švejka za Světové Války, uma algaraviada que se pode traduzir literalmente como As Aventuras Fatídicas do Bom Soldado Švejk Durante a Guerra Mundial. Švejk é um personagem universal da desgraça irónica. Um soldado medíocre, que tenta a todo o custo fugir às suas responsabilidades para com o exército. Não foi, como é óbvio, que o trouxe à colação para o comparar ‘mutatis mutandis’ com o treinador do Benfica, Roger Schmidt. Era o que faltava pôr em causa o profissionalismo ou a boa vontade do alemão. Não, de forma alguma! A sua dedicação ao clube não está em causa. O que está, neste momento, sobretudo, em causa é a inabilidade absolutamente surpreendente para conseguir arrumar decentemente onze jogadores em campo, logo ele que tem às suas ordens o melhor plantel de todos os clubes portugueses e que, como referiu o próprio presidente benfiquista, o meu querido Rui Costa, ainda recebeu uma boa dose de reforços invernais.
A forma como o Benfica jogou em Toulouse foi de envergonhar os seus adeptos mais empedernidos. Enfrentando um adversário medíocre, que luta com os bofes de fora para se manter longe dos lugares que conduzem à II Divisão, a águia foi, durante a maior parte dos 90 minutos, pura e simplesmente enxovalhada. Fosse o opositor outro que não este Toulouse de trazer por casa e teria acontecido, é mais do que certo, uma daquelas catástrofes inesquecíveis e acabrunhantes – recordo que esteve muito à beira de acontecer o mesmo no jogo de San Sebastian, frente à Real Sociedad, quando ao passar dos 20 minutos já o conjunto de Schmidt estava a perder por 0-3.
Um clássico de pobres
Escrevo depois da vitória do Benfica para o campeonato, em casa, frente ao Portimonense (4-0), que vi desinteressadamente pelo canto do olho na TV – já estou naquela fase da vida em que vou aos estádios por obrigação profissional e me recuso a lá pôr os pés para aturar grandessíssimas estuchas, como diria o bom Alencar do divino Eça – e antes da visita a Alvalade para a Taça de Portugal, ontem a horas impróprias para o fecho do jornal que lhe chega agora às mãos. Confesso, todavia, que nem que os encarnados tenham jogado enormidades frente ao rival preferido, coisa na qual me recuso a acreditar por via da regra das impossibilidades, o tom desta prosa não mudaria de Si Bemol para Lá Sustenido. Frente a frente, no velho Bairro das Antas, defrontam-se no domingo dois opositores mergulhados em crises difíceis de maquilhar, com a questão portista a envolver o clube por inteiro tal o descalabro a que temos assistido nas últimas semanas. Ainda assim, Sérgio Conceição conseguiu instalar no coração e nas pernas dos seus jogadores uma ‘grinta’ suficiente para obter, nesta situação, aquela notável vitória sobre o Arsenal.
O mau soldado Schmidt, que não exibe nenhuma capacidade de aprendizagem com os erros, perdeu, para já e por completo, a batalha da popularidade com que conquistou os adeptos nos primeiros meses no cargo, já lá vai ano e meio. No final da última época caiu na mediocridade. Na que corre já perdeu a Taça da Liga (eliminado grotescamente pelo Estoril) e foi lentamente mastigado na Liga dos Campeões. Torna-se escandalosa a forma como demonstra uma ignorância arrepiante sobre a forma de jogar dos adversários que lhe surgem pela frente todas as semanas e é triste como um pássaro sem asas a maneira como vai mexendo no onze titular meio à toa, às apalpadelas, se quiserem, para depois fechar a cara num esgar esfíngico e ir deixando que as coisas aconteçam no relvado sem capacidade para alterar as ocorrências. Vejo-o a olhar para os sapatos e não para a equipa. Assisto à decadência continuada de jogadores como Di Maria que vai, de bola perdida em bola perdida, somando minutos e mais minuto sem que haja uma solução para a importância que, com o decorrer dos jogos, deixou de ter; vejo a impotência de perceber se tem, ou não, um ponta-de-lança que possa fazer golos e ajudar a fazê-los; vejo-o sem a mínima ideia de como resolver a lacuna da lateral esquerda da defesa; sou incapaz de seguir o seu enviesado raciocínio sobre o parceiro de João Neves no meio-campo, sendo Kökçü incapaz de trabalho de sapa (ainda por cima àquela velocidade espasmódica que exige espaços que raramente tem) e Florentino uma espécie de carta fora do baralho quando não é preciso ter os olhos rasgados até à nuca, para usar uma expressão do meu recém-desaparecido amigo António Florêncio, para perceber que é um trunfo, o único jogador com verdadeiras características de trabalhador teimoso e incansável.
Toulouse só não foi um inferno porque os deuses do futebol decidiram carregar com o Benfica ao colo para a eliminatória seguinte, sem que tenha feito verdadeiramente por merecê-lo. Outra noite como essa, repetida no domingo, será de foguetório para o FC Porto que, pelo menos, apesar da(s) crise(s) que o assolam ainda tem no banco um treinador capaz de perceber as fragilidades alheias. E, já agora, as suas próprias fragilidades.