«A unidade da direita pode salvar-nos da extrema-direita, enquanto a unidade das esquerdas pode transformar-nos em reféns da extrema-esquerda». Quem chegou a esta certeira conclusão foi António Barreto, em 2019, numa crónica no jornal Público, sob o título Agora é a sério.
António Barreto é um dos últimos senadores desta nossa 3.ª República. Tem a capacidade de interpretar os sinais dos tempos e de antecipar os desafios. Não é, porém, sobre ele que hoje escrevo. Mas o leitor perdoar-me-á que a sua opinião avant la lettre inspire esta minha crónica.
É que, passados cinco anos, a coisa é ainda mais séria. Não que o programa do PS seja muito diferente do anterior, que foi premiado pelo eleitorado com uma maioria. Sucede que, da mesma forma que Montenegro não é Rui Rio, também Pedro Nuno Santos não é António Costa.
Se Rui Rio dava ‘uma no cravo e outra na ferradura’, não deixando clara a sua política de alianças, já Luís Montenegro conseguiu tornar inequívoca a sua intenção. E o eleitorado não se deixa enganar com o truque socialista, que sugere que, se Montenegro perder as eleições, pode ser substituído por quem queira construir pontes com o Chega. Aliás, um dia será um caso de estudo avaliar por que motivo o PS sempre ajudou o Chega a esvaziar o PSD pela direita em vez de tentar monopolizar o que ainda resta do centro, esquecendo-se ou não sabendo, por falta de cultura histórico-política, que o seu ‘mon ami Mitterrand’ esteve, com um esquema idêntico, na génese do crescimento da Frente Nacional dos Le Pen.
Enquanto isso, o PS fecha a porta ao PSD e à eventual necessidade de uma viabilização ao centro, estendendo a passadeira ao Bloco de Esquerda, fustigado por historietas familiares das irmãs Mortágua e de Francisco Louçã. Longe vão os dias de António Costa, com a sua influência na Europa e a sua agilidade para reverter a seu favor as contrariedades, ora namorando a presidência de um bom populista de centro-direita, ora conquistando os apoios da extrema-esquerda – quer dos coletivistas do PCP, quer dos social-demagogos do Bloco de Esquerda.
O que Pedro Nuno Santos não parece compreender é que o país tolerou e até aplaudiu a tática genial de António Costa, mas não está interessado em viabilizar uma candidatura que transformou essa tática em conceito estratégico.
Bem sei que Montenegro deu voz às várias direitas, ouvindo, aqui e ali, aquilo com que não concorda. Mas, com a fleuma dos líderes, impôs um rumo e foi um bom navegador, mesmo quando a sua nau era atingida por borrascas de barlavento ou sotavento. Pelo contrário, Pedro Nuno Santos preferiu falar de ‘ação’ e ‘ação’ e ‘ação’. Mas ainda não foi capaz de nos dizer, de forma clara, se será capaz de nos comandar sem entregar a roda do leme à esquerda radical, de que ele não faz parte mas tolera.
Sim, Pedro Nuno Santos transformou a tática necessária para assegurar o poder numa estratégia partilhada de poder… Ora, para muitos que votaram no PS, é insuportável que o líder socialista não tenha, sequer, a ambição de dizer ao Bloco de Esquerda que não os deseja como parceiros.
Sim, o PS perdeu quando, depois de exigir linhas vermelhas ao PSD, percebeu que elas já existiam. Quando fez o que podia para fazer crescer o que estava para além das linhas vermelhas do seu adversário, abrindo-lhe uma segunda frente. Quando não foi capaz resistir aos cânticos da extrema-esquerda mais populista e de marcar as suas próprias linhas vermelhas. Ou negras, porque o estertor trotskista inclina-se para o anarcocapitalismo de quem sustenta os seus opinadores.
É por tudo isto que, no domingo, irei votar na AD.