Igrejas abertas 24 horas

O Vaticano pediu que as igrejas no mundo inteiro estejam abertas 24 horas entre hoje e amanhã. Em Portugal, não serão muitas as que vão cumprir os desejos do Papa.

Na Alemanha, a Igreja Católica parece um queijo suíço, tantos são os buracos que a dividem, mas as divergências são públicas e notórias. De um lado, estão aqueles que querem que os sacerdotes e leigos tenham uma palavra a dizer na nomeação de bispos, que se discuta a homossexualidade, ou mesmo a moral cristã – o que é pecado ou não – a ordenação de mulheres, entre outras reivindicações. Do outro, estão os chamados conservadores, que querem que tudo fique como está, sendo que o bispo mais ‘rico’, o de Colónia, se inclui neste lote. A guerra é tão clara que o Papa proibiu a Conferência Episcopal alemã de votar as alterações que queria impor. «O Papa pediu para não fazerem e eles respeitaram a decisão de Sua Santidade, e agora irão a Roma discutir isso. Penso que houve um pouco de bom senso, sobretudo porque agora não podem dizer que os cardeais do Vaticano são conservadores, pois são quase todos da linha do Papa Francisco, isso é, são mais progressistas e estão a assinar estes pedidos para eles terem calma. Isto tem mais a ver se queremos uma Igreja só humana, em que os homens têm que se adaptar aos tempos e aos mundos, ou se a Igreja tem qualquer coisa da tradição e de Deus e do Espírito Santo, e portanto é melhor confiar na tradição, do que estarmos a adaptar-nos», diz uma fonte clerical. No fundo, as duas formas de ver a Igreja de acordo com o lado em que se está.

 Já em Portugal, onde os brandos costumes imperam, as divisões são tão evidentes como o divórcio entre os sócios do Benfica e o seu treinador, mas vão todos cantando e rindo. Vejamos o melhor exemplo que se pode dar dessa divisão: o Vaticano anunciou as ‘24 horas para o Senhor’, com o título ‘Caminhar numa vida nova’, apelando a que todas as igrejas no mundo estejam abertas um dia inteiro, mas em Portugal foi o Nascer do SOL que deu a notícia a vários padres da dita ala progressista, enquanto outros, da ala catalogada como conservadora, estão a par de tudo e vão levar a cabo ações de sexta-feira para sábado.

«Isso é muito engraçado. Os conservadores que habitualmente ‘malham’ no Papa Francisco, desta vez, pelos vistos, acharam isto interessante e a nós não nos chegou nada. Realmente não nos chegou». É desta forma que um padre jesuíta explica ao nosso jornal a razão de nenhuma das suas igrejas ir estar aberta de sexta para sábado. Segundo o Nascer do SOL apurou, vai depender de cada paróquia. Umas estarão abertas 24 horas, outras passarão completamente ao lado da iniciativa.

O apelo do Papa

«O encontro tradicional durante a Quaresma, ‘24 horas para o Senhor’, começa na sexta-feira (8) com celebração penitencial do Papa na paróquia romana de São Pio V. As igrejas do mundo todo são convidadas a permanecerem abertas durante um dia inteiro», lê-se no Vatican News, o órgão oficial do Vaticano.  O empenho do Papa Francisco é tanto que nem o seu estado físico debilitado o faz recuar nesta época pascal. No documento elaborado, que teve a colaboração do cardeal português António Marto, o Vaticano dá ênfase ao perdão e à reconciliação, usando as palavras do Papa Francisco: «O perdão é o oxigénio que purifica o ar inquinado pelo ódio; é o antídoto que cura os venenos do rancor; é o caminho para desarmar a raiva e curar enfermidades do coração que contaminam a sociedade».

Sendo um documento para leigos e sacerdotes, as propostas «podem ser adaptadas de acordo com as necessidades e costumes locais». Voltemos então a Portugal, onde nem a página oficial do Patriarcado faz qualquer referência às ‘24 horas com o Senhor’.  «Talvez seja normal», diz um sacerdote da capital, que acrescenta: «Andamos todos saturados de informação do Vaticano. Estamos permanentemente a receber diretrizes, propostas, sugestões, etc, não sei se ainda está tudo cansado da JMJ, mas não queremos ver notícias que tenham a ver com a organização da Igreja, porque ainda não recuperámos».

Opinião diferente tem o padre Duarte da Cunha, da igreja de Santa Joana Princesa. «A minha igreja vai estar aberta desde as 09h00 de sexta até à missa das dez e meia da manhã de sábado e, portanto, a noite inteira aberta com o Santíssimo exposto com padres a confessar. A minha Igreja e outras também de Lisboa. No fundo, é um bocadinho o mesmo que já tem sido nos outros anos e não vejo grande novidade. Acho que este ano é um bocadinho mais na tónica de rezar pela paz na Terra Santa e de outros locais. O pós Jornadas Mundiais da Juventude traz alguns grupos a algumas paróquias e vamos dedicar uma hora a grupos específicos. Por exemplo, sabemos que os jovens que saem à noite, depois vêm rezar uma hora, bem como outros grupos. É um bocadinho fazermos um retiro de Quaresma, o que neste caso será uma espécie de retiro paroquial e as temáticas de cada ano são o que são. O Papa apela a que rezemos pela paz. Claro que nós portugueses também vamos rezar pelo país, isto é na véspera das eleições e, portanto, também vai haver muita oração para que as eleições corram bem e sejam boas para Portugal».

E, aqui chegados, perguntamos: será que no país inteiro alguns padres não irão aproveitar esta iniciativa para apelarem ao voto em determinado partido? «Não creio que vá haver apelo a votos, vai haver certamente apelo ao voto, apelando às pessoas para irem votar», diz Duarte da Cunha. Outro padre, conhecedor da realidade das paróquias de Lisboa, alinha pelo mesmo discurso: «Acho que não, mas não quer dizer que não possa haver um ou outro caso pontual, que será sempre uma exceção. Ao fim de 50 anos, já temos alguma maturidade para não confundir as coisas. Nas ‘24 horas para o Senhor’ ou nas homilias acho que o único apelo é para que as pessoas tomem parte de um dever cívico e participem. Não deixem para os outros as suas escolhas, penso que será mais por aí».

Também quem não está indiferente às eleições são os jesuítas que fizeram um manifesto ‘Por um País sonhado para todos’. «Queremos habitar um país justo, que vê nas desigualdades sociais uma ferida à qual não pode ficar indiferente e que providencia, com responsabilidade e coragem, os meios necessários para as corrigir. Um país que combate todas as injustiças, como aquelas que são criadas pela falta de acesso à saúde, à educação, à habitação ou à justiça», apontando depois caminhos para a resolução dos problemas.

vitor.rainho@nascerdosol.pt