Depois de amanhã, abre-se um novo ciclo na política nacional. Há quatro meses, quando António Costa apresentou a demissão de primeiro-ministro, provocando a queda do Governo e a convocação de eleições antecipadas, a escolha de Pedro Nuno Santos nas diretas do PS – deixando pelo caminho o moderado José Luís Carneiro – antecipava uma campanha eleitoral marcadamente dominada por dois caminhos opostos e alternativos ao status quo: uma viragem à direita, com a AD de Luís Montenegro a posicionar-se para a formação de um governo apoiado também pelos liberais; ou uma viragem à esquerda, com uma nova e mais orgânica ‘geringonça’, ativa e formalmente composta por socialistas, comunistas e bloquistas, incluindo ainda o Livre e, porventura, também o PAN.
Mas cedo, porém, as sondagens começaram a apontar para uma perda do PS e sobretudo da esquerda no seu conjunto com a linha mais radical protagonizada por Pedro Nuno Santos, uma vez que a sua base de crescimento passaria pela canibalização dos votos das forças políticas à esquerda do PS, perdendo o centrão para a AD de um PSD recentrado e escudado à direita pelo conservadorismo do CDS.
E, por isso, também cedo assistimos a um reposicionamento de Pedro Nuno Santos e do PS, rodeando-se aquele da ala dos moderados e chamando à primeira fila o líder cessante e adversário interno de sempre.
Qual novo impulso, qual quê… Pedro Nuno convenceu-se ou foi convencido que não tinha alternativa a dar a cara pela herança recebida e que na continuidade é que poderia estar o seu ganho.
Se foi com indisfarçável incómodo que na abertura do Congresso da sua consagração subiu ao palco de mão dada com o líder cessante, é vê-lo com ar de alegria e gratidão agarrado a ele na campanha, tanto saindo em sua defesa e do seu Governo, como, especialmente, contando com a sua intervenção (como aconteceu no comício do Porto) ou simples presença física (de que foi exemplo a Aula Magna, em Lisboa).
Dando por adquirido o compromisso assumido pelo líder do PSD de que não será primeiro-ministro se a AD não for a força política mais votada e sendo certo que o Parlamento vai mesmo ter, pela primeira vez, uma grande maioria de direita, Pedro Nuno Santos apostou tudo no PS como partido mais votado, passando a apelar ao voto útil, numa solução que passaria pela esquerda ter mais assentos do que a AD mais a IL.
Foi, aliás, neste cenário, que Pedro Nuno Santos tentou dar o golpe da ‘reciprocidade’ – avançando no frente-a-frente televisivo com o líder social-democrata que o PS poderia viabilizar um governo minoritário da AD –, mas virando o bico ao prego mal viu que Montenegro, desta feita, não caiu na esparrela da esquerda unida.
A ser aceite, Montenegro estaria não só a abdicar de formar governo caso a AD não fosse a força mais votada, como manteria a rejeição de qualquer entendimento com o Chega mesmo verificando-se uma claríssima maioria de direita no Parlamento e, mais do que isso, ainda teria de admitir viabilizar uma solução liderada por Pedro Nuno Santos se a AD e a IL juntos ficassem aquém da soma de assentos do PS, BE, PCP, PAN e Livre no hemiciclo. A que título? E o novel líder socialista teve o topete de falar em reciprocidade.
Pedro Nuno Santos não mudou. Continua igual a si próprio.
A estratégia de se assumir como o candidato da continuidade foi apenas o meio para tentar atingir os seus fins. Na verdade, como escreveu Durão Barroso na última edição do Nascer do SOL, um governo liderado por Pedro Nuno Santos seria mesmo o mais à esquerda desde o gonçalvismo, ou seja, nos 48 anos da história da democracia portuguesa.
E, como o próprio Pedro Nuno não se cansa de afirmar, ele é um fazedor que prefere cometer erros a deixar tudo na mesma, ao contrário de António Costa.
Assim, ao assumir-se como candidato da continuidade, o líder do PS e da esquerda cometeu o erro de permitir à AD e a Luís Montenegro apropriarem-se da mudança – palavra de ordem agora em exclusivo do centro-direita e da direita.Ora, com o estado a que o país chegou, com índices de pobreza de corar de vergonha, com serviços públicos falidos (a Saúde, a Justiça ou a Educação sem a mínima capacidade de resposta), com um envelhecimento assustador, uma fuga de quadros jovens para o estrangeiro como nunca, uma economia totalmente subsidiodependente (do Estado e da Europa) e asfixiada por uma carga fiscal sem paralelo, que igualmente estrangula uma classe média cada vez menos remediada… o sentimento dominante é claramente o de que não se pode continuar pelo mesmo caminho. Há que mudar. E Pedro Nuno, ao insistir em aparecer com Costa e seus ministros ao lado, entregou a mudança, de bandeja, a Luís Montenegro e à AD.
Aliás, só pode ser por alívio que António Costa parece andar leve e feliz como não o víamos desde os tempos em que ainda não era primeiro-ministro.
Se assim não fosse e o país prosperasse, para quem se demitiu nas circunstâncias em que o fez, tinha era razões de sobra para andar, se não cabisbaixo, com o ar sério e grave que, seja qual vier a ser o desfecho das investigações em curso nas quais é visado, as circunstâncias exigiam.
Também por isso, a mudança era uma inevitabilidade, à esquerda ou à direita.
Tal como no futebol, quando se está a perder, não é possível inverter o resultado com a bola a rolar no meio campo, é preciso tomar opções e fazer por rematar à baliza para se chegar ao golo.
O país está adiado há tempo demais. No domingo, há que optar. E fazer com que as coisas comecem a acontecer. Porque já se faz tarde…