No reino dos palpiteiros políticos

Os comentadores passaram a protagonistas políticos e o comentário banalizou-se. Um fenómeno muito português inaugurado por Marcelo.

Esta foi a campanha eleitoral em que o estilo dos debates desportivos chegou à política. Para preencher as 24 horas dos canais noticiosos, as televisões encheram a antena de comentadores que debatem entre si e analisam durante horas debates de minutos. São jornalistas, professores, ex-políticos, políticos e outras figuras de vários setores que são convidados a analisar à exaustão todo e qualquer episódio da campanha. Dão notas aos protagonistas e os eleitores advinham com facilidade as suas simpatias partidárias ou áreas políticas. Os debates são também entre eles e nas redes sociais, assim como nas mesas dos cafés, comentam-se os comentadores. Uns mais odiados do que outros, é fácil adivinhar os mais alinhados à esquerda ou à direita e a bipolarização parece ter chegado ao espaço do comentário antes de ser uma realidade política.

«Os comentadores ajudam a bipolarizar o debate», refere o constitucionalista Paulo Otero numa análise ao fenómeno da análise. «É como os comentadores da área desportiva, já se sabe quem é afeto ao Porto ou ao Sporting», o que enfraquece o debate político: «Eles comentam aquilo que foi dito e sobretudo os estruturantes da vida da sociedade passam à margem, tanto por parte dos políticos como dos comentadores». O professor universitário duvida do impacto dos comentadores na formação da opinião política dos eleitores. E a existir será uma «influência perversa, uma vez que as pessoas passam a julgar mais os comentadores dos que os políticos». Resumindo: «Tudo isto é uma mão cheia de nada, é uma espuma para ocupar tempo na antena. Uma forma de novela com a particularidade de não ter custos de produção». O ex-colega do Presidente da República na Faculdade de Direito de Lisboa, levanta a questão: «Não sei se isto não tem uma influência do nosso Professor Marcelo. Todos eles o procuram imitar, até a classificação, como ele fazia antes. Nem nisso são originais».

Numa incursão pelas redes sociais, é fácil perceber quem são os comentadores mais polémicos, comentados e odiados. Ana Gomes e Miguel Prata Roque conseguem irritar mais a Direita e Miguel Morgado assim como Sebastião Bugalho são os alvos principias da raiva da Esquerda. O vernáculo típico nestas redes além das contas anónimas que servem para os autores dos insultos se protegerem abundam. E os principais alvos são os comentadores, mais do que os próprios políticos. A Direita é mais ativa e enérgica nesta agitação e coleciona mais ódios de estimação. Sebastião Bugalho, por exemplo, é criticado pela generalidade da esquerda e pelos simpatizantes do Chega. «Esta situação dos comentadores em Portugal é muito invulgar. Eu não conheço nenhum país em que os comentadores tenham o mesmo peso que têm em Portugal. Aqui são uma espécie de celebridades», diz o historiador e economista Nuno Palma. «O que me parece particularmente idiota em Portugal é que não se sabe qual a carreira destes comentadores, o que estudaram ou adquiriram mundividência». E acrescenta: «É muito fácil confundir alguém que fala bem, e com convicção, com a substância do conteúdo do que está a ser dito. Muitas vezes a Direita queixa-se com o facto de os jornalistas serem de esquerda, mas a verdade é que a maioria dos comentadores até são de direita, são é fraquinhos intelectualmente». A isenção também é um problema: «Na maior parte dos casos estão a defender um partido ou um interesse, raramente é uma análise independente». Quanto à influência que possam ter, este historiador considera que deve haver alguma, mesmo que marginal: «Por exemplo, se o meu clube defende que se deve meter dinheiro na TAP, então vamos meter dinheiro na TAP. O processo é mais ou menos este. Os comentadores ajudam a moldar a opinião pública». No entanto, é da opinião que o nível é fraco: «O emprego alternativo de muitos destes comentadores era trabalhar no McDonald’s. Não têm substância ou vida fora daquilo».

Já para o historiador e colunista Rui Ramos, o facto de canais noticiosos se terem tornado «canais de comentários» revela um «fenómeno de uma televisão pobre». Ou seja, «é mais barato ter quatro pessoas em estúdio a fazer comentário do que fazer reportagens, investigação ou documentários». A consequência disso é que «a banalização do comentário levou à sua desvalorização. Há 20 ou 30 anos era importante ir à televisão, dava um certo estatuto, hoje em dia não dá: o estranho é não aparecer», refere.

A este fenómeno José Ribeiro e Castro dá o nome de regime ‘comentocrático’. Um «regime» em que os comentadores são postos em campo para contradição e para substituírem o papel dos candidatos. «Não estão tanto a comentar, mas a prolongar o êxito daqueles que se encontram mais próximos». No seu entender tudo isto cansa: «Talvez seja uma forma fácil de preencher o ecrã, mas estafa». Além disso, convida ainda à bipolarização pois os pequenos não são representados pelos comentadores que ocupam apenas as duas áreas. «Isto é o modelo do futebol. Não se aprofundam as propostas dos partidos e faz parte da política espetáculo». Ao contrário de Nuno Palmo, o ex-diretor da TVI e ex-deputado, acha que comentadores «são pessoas inteligentes e preparadas, mas são orientadas para um tipo de jogo que não serve a democracia».

Ranking dos comentadores mais detestados

Pela Direita

1. ANA GOMES
2. MIGUEL PRATA ROQUE
3. ANABELA NEVES
4. LUÍS PAIXÃO MARTINS
5. DANIEL OLIVEIRA
6. PEDRO MARQUES LOPES
7. MARGARIDA DAVIM

Pela Esquerda

1. MIGUEL MORGADO
2. SEBASTIÃO BUGALHO
3. JOSÉ GOMES FERREIRA
4. BERNARDO FERRÃO
5. ÂNGELA SILVA
6. MARIA JOÃO AVILEZ
7. LUÍS DELGADO

Ines.pereira@nascerdo sol.pt