O horror à opinião

Ninguém sabe qual o efeito eleitoral das frases ‘fora do guião’. Afastam eleitores ou atraem eleitores? Uma campanha certinha da AD ao centro, sem qualquer ruído nem polémica, teria sido uma prenda para André Ventura.

Depois de amanhã há eleições. Já disse o que penso sobre o assunto: a AD deverá ganhar, formará a seguir um Governo minoritário com o PSD, o CDS e a IL – e o PS deixá-lo-á passar. O Chega ficará na oposição, mas não se atreverá a constituir com a esquerda uma maioria de bloqueio, pois isso penalizá-lo-ia fortemente. E o Governo terá condições para fazer o seu caminho. Quanto à campanha, o que me impressionou foi o horror dos comentadores à surpresa e à opinião.

O que todos pareciam querer é que se cumprissem os guiões preestabelecidos, com ideias e frases gastas, que já todos conhecem de cor e salteado.

Se alguém dizia alguma coisa fora da caixa, caía o Carmo e a Trindade. 

Pedro Passos Coelho falou na necessidade de regular a imigração, e aqui d’el-rei! Era a xenofobia e o racismo a falar.

Porventura não se sabe que a imigração é hoje um dos grandes temas de debate na Europa e nos Estados Unidos, tendo deixado de ser um assunto tabu para ser falado abertamente por todos os partidos? E não é evidente que a Europa (Portugal incluído) não está em condições de receber todos os imigrantes que queiram para cá vir, sob o risco de se transformar num gigantesco barril de pólvora? Não começam já a ver-se aqui e ali os riscos de uma política de imigração sem regras? O que acontecerá se essa corrente contínua vinda de África, da América Central e do Sul, da Ásia, não parar ou até engrossar? 

Outro enorme escândalo foi falar-se do aborto. Disse-se que existe hoje em Portugal um generalizado consenso à volta do assunto, pelo que é absurdo voltar a ele. Ora, é preciso ver como este tema evoluiu – desde a exigência da despenalização do aborto à sua liberalização e, finalmente, à sua promoção. Há quem diga, com orgulho, que abortou. O aborto deixou de ser visto como um ‘ato extremo’ para ser encarado como uma coisa ‘normal’. Isto é que é absurdo e urge combater. A banalização do aborto não pode ser aceite numa sociedade civilizada. 

A subsidiodependência foi outro dos assuntos escandalosos. 

Mas não será um tema importante? Em Portugal há subsídios para tudo, o que implica mais impostos, que asfixiam a economia e dificultam o crescimento. E têm um efeito perverso: criam uma dependência em relação ao Estado, que dificulta a emancipação da sociedade civil e estorva o seu dinamismo. Acresce que os subsídios são muitas vezes usados pelos governos como forma de satisfazer clientelas e angariar votos. Por todas as razões, é um tema que não pode ser ignorado. 

Escandaloso, também, foi falar das alterações climáticas. 

Ora, resulta óbvio que, neste assunto, há uma parte científica que é indiscutível pela sua própria natureza, mas há divergências quanto às origens e às medidas para as combater. Aí, confrontam-se opções ideológicas. Não é por acaso que há países onde este tema divide a sociedade ao meio (olhe-se para os Estados Unidos). Trazê-lo à campanha não foi, pois, uma bizarria de um louco. 

Mas muitos comentadores não percebem isto. Funcionam com base em clichés, usam um número reduzido de palavras, funcionam como inquisidores, como polícias do pensamento, e estão sempre prontos a usar as temíveis acusações da cartilha esquerdista: xenófobo, racista, fascista, misógino, negacionista… Mas mesmo na direita há horror às opiniões. 

Preferia-se que a campanha fosse feita por robôs, que repetissem chavões, frases-feitas, ditas e reditas, evitando tudo aquilo que pudesse provocar ‘ruído’.

Ora, pergunto: há alguma evidência de que as opiniões fora da caixa façam perder votos?

Afastarão eleitores ou atrairão eleitores? 

Recordo que o problema da nossa direita moderada foi sempre ter medo da esquerda, não querer afrontar a esquerda – o que explica o rápido sucesso do Chega.

O Chega aproveitou a falta de coragem da direita dita ‘civilizada’ para tratar de certos temas considerados ‘polémicos’.

Assim, falar-se da imigração, do aborto, da subsidiodependência, das alterações climáticas, para lá de ser normal numa campanha eleitoral, pode ter beneficiado a AD em vez de a prejudicar. 

Alargou-lhe o espetro. 

Uma campanha certinha ao centro, sem qualquer ruído, nem chama, nem polémica, teria sido uma prenda para André Ventura