A (quase) maioria silenciosa

Temos um problema de governabilidade. Porque Montenegro vai cumprir, não vai ceder ao facilitismo nem trair a promessa que fez aos portugueses.

Depois de uma interminável pré-campanha, de debates entre candidatos e disputas entre comentadores entrincheirados em convicções e agendas, de crises e tragédias atlânticas, de uma campanha limpa mas à moda antiga com comes e bebes, arruadas e bombos, os portugueses enfim votaram.

E foram muitos, desta vez, o que justificou encómios de todos, apesar de poucos admitirem que essa afluência invulgar foi uma das razões pelas quais o Chega teve um resultado fantástico. A outra razão estará na intervenção de Marcelo que, ao diabolizar um partido que aposta no voto de protesto, galvanizou quem admitia mas ainda não decidira votar em Ventura.

O vencedor foi Montenegro, cuja liderança do PSD era discutida ainda há seis meses. Diz-se da sua vitória que foi pífia. Mas, se Pedro Nuno tivesse tido mais dois deputados, estaria a ser glorificado e poucos diriam que era uma pequena vitória.

O Chega teve um grande sucesso, e vale a pena ouvir o que Manuel Alegre e Pedro Nuno disseram, a esse propósito, e com pedagogia, na noite das eleições. Não é razoável nem útil desqualificar Ventura e os seus eleitores, ou clamar que alguns dos financiadores do Chega são oligarcas que enriqueceram com Sócrates.

Não existe, entre os votantes do Chega, uma harmonia ideológica. Há pobres e ricos, gente de direita e esquerda, trabalhadores, pequenos proprietários e corporações, pessoas zangadas e revoltadas. E há também quem esteja farto das cedências de quem nos governa a causas fraturantes e woke.

Muitos destes eleitores do Chega vivem numa terra ou rua que as elites não conhecem, nomeadamente as da ‘esquerda caviar’. Vivem onde o Estado não existe ou os oprime e onde há problemas que não são politicamente corretos, o que leva a que a comunicação social faça deles vista grossa.

O Livre foi outro dos vencedores da noite eleitoral de domingo. O partido de Rui Tavares tem uma posição consistente e representa uma nova esquerda ecologista e europeísta, que vai conquistando adeptos entre nós.

Não houve mais vencedores. O PS perdeu à tangente, é certo. Porém, teve um resultado deprimente, porque esqueceu o centro onde Costa era hegemónico. A IL resistiu ao voto útil mas não cresceu. O BE manteve-se nos mínimos olímpicos e só foi considerado vencedor por jornalistas de causa, que alegaram que Mortágua teve os mesmos mandatos mas mais votos. Os mesmos jornalistas que trataram Sousa Real como derrotada, quando, também ela, manteve o seu mandato e aumentou a votação do PAN. Ao PCP sucedeu o que eu previra nesta coluna: quase desapareceu. Já o ADN ficou a dever um favor ao Palácio Ratton…

Entre o norte e o sul acentuou-se a velha fronteira sociológica de Rio Maior. O PSD manda a norte e é menos relevante a sul. O PS, por seu turno, domina o sul, porque é aí que o Estado tem o seu latifúndio e onde prolifera o rentismo.

Sim, temos um problema de governabilidade. Porque Montenegro vai cumprir, não vai ceder ao facilitismo nem trair a promessa que fez aos portugueses. O líder do PSD sabe que só ganhou as eleições porque convenceu os portugueses de que não iria ceder ou fazer concessões ao Chega. E sabe também que não as pode fazer ao PS, poisos programas são incompatíveis. Repete-se, assim, o cenário açoriano.

Quanto ao fim do bipartidarismo, vale a pena recordar a Ventura o que sucedeu ao PRD e se pode repetir com o Chega, caso este não permita que a AD governe. Se o Chega e a esquerda chumbarem o orçamento, a conta será feita nas urnas, lá para o fim do ano. E, nesse caso, poderá repetir-se o cenário de 1987, com Cavaco Silva.

Bem sei que há quem julgue que Montenegro pode ceder ao taticismo. Ignoram, ou desvalorizam, o facto de o líder do PSD ser, na verdade, um estratega. E ter, agora, o tempo a correr a seu favor.