A recomposição do sistema partidário ou o precipício

Portugal tem muitos problemas, mas há um central: a falta de crescimento económico.

Na segunda-feira seguinte às últimas eleições legislativas, li, numa qualquer rede social, uma frase que dizia algo como o seguinte: «É fácil ser fascista num país livre, difícil é ser livre num país fascista». A afirmação está correta, como tantas outras parecidas que vamos lendo e ouvindo, mas padece de uma reflexão mais profunda.

O crescimento dos populismos tem a ver, sobretudo, com razões económicas e sociológicas muitíssimo complexas, para as quais muitos cientistas sociais vinham alertando. Poucos deram a devida atenção àqueles alertas e, pior, poucos decisores políticos agiram com responsabilidade e em consonância. Isto é, os riscos eram conhecidos, mas a tentação taticista e irresponsável falou mais alto.

No nosso caso, o ‘Chega’ foi usado como espelho mau pelo BE, arma de arremesso e medo pelo PS e ‘fossa sética’ pelo PSD. Foi-lhe dada relevância política, a que se somou o espaço mediático oferecido por órgãos de comunicação social mais dedicados ao espetáculo do que à informação.

Nos últimos meses assistimos à ‘normalização’ da anormalidade política. É engraçado como tudo se repete de país para país e como nenhum parece aprender. Se os políticos são os maiores responsáveis do fenómeno, também muitos dos grandes empresários parecem não compreender os riscos. As ‘entrevistas fofinhas’ nos programas generalistas, carregadas de emoção por parte de quem usa o insulto gratuito como arma política foram ‘a cereja em cima do bolo da normalização’.

Agora, que a ‘fossa sética’ transbordou, estamos surpresos porque a mesma suja tudo à volta.

Há poucas semanas tive uma discussão com uma presidente de Câmara sobre a responsabilidade dos políticos no estado da Justiça, na qual a senhora me dizia que não podíamos estar sempre a martirizar os políticos. Curiosa posição, não cabe aos políticos decidir o rumo da comunidade, local ou nacional? Não sabem que as suas decisões e indecisões têm consequências?

Duas décadas de estagnação económica, um Estado desarmado a desmoronar nos serviços públicos e um elevador social que não funciona, motivam as frustrações destes 50 anos de uma democracia que continua a deixar a desejar. A estes problemas soma-se uma classe política que quer impor à sociedade causas contra a sua vontade geral, apenas porque acreditam ser vanguarda e detentores da verdade.

Portugal não tem, certamente, uma maioria da população burgessa e racista. Todavia, tem muitos pobres, muita gente a quem o esforço para uma vida melhor foi uma desilusão e outros tantos que não se vêm representados em propostas políticas que não vão ao encontro dos seus anseios.

Veja-se o caso de Oeiras, Concelho no qual o Chega teve a mais baixa percentagem da Área Metropolitana de Lisboa. Não será por acaso que o território com o nível de escolaridade mais elevado do país e os melhores indicadores socioeconómicos seja um dos de mais difícil penetração pelos populistas. Ser esclarecido e ter as necessidades satisfeitas pelo poder público ajuda a escapar à armadilha populista.

Portugal tem muitos problemas, mas há um central: a falta de crescimento económico. Muitas das outras questões decorrem exatamente da escassez de recursos. Enquanto não se perceber que esta questão é central no país, o populismo continuará a crescer. Para além dos fanáticos, vota no Chega quem está zangado ou desesperado, ajudava que os partidos percebessem isto.

Ninguém salta em direção a um precipício se sentir que tem opção. Ou os partidos do regime percebem que têm de mudar de vida, ou a alternativa ao populismo nascerá da recomposição do sistema partidário.