OE retificativo divide economistas

César das Neves acha que a AD  terá um Governo minoritário frágil e, por isso, ‘será difícil conseguir aprovar qualquer Orçamento, quanto mais um retificativo’. Opinião contrária tem Eugénio Rosa, que aponta as medidas prioritárias que custam cerca de  220 milhões, o que será fácil de ‘acomodar’ no atual Orçamento ou num eventual orçamento retificativo.

As opiniões dividem-se em relação à necessidade de o novo Governo avançar com um Orçamento Retificativo. É certo que para implementar o programa que foi a votos é necessário fazer ajustes ao documento que foi aprovado pela maioria socialista, também existe o risco de vir a ser chumbado, dada a instabilidade política e a ausência de uma maioria estável, temem os economistas contactados pelo Nascer do SOL.

João César das Neves considera que o novo Executivo deverá tomar posse em maio, mesmo a tempo de começar a preparar o Orçamento de Estado para 2025 e, «na falta de percalços significativos, não devia perder tempo com retificativos».

Para o economista, o resultado eleitoral torna fácil formar Governo, mas «quase impossível» governar. «Se a AD assumir funções será num Governo minoritário muito frágil, que terá de negociar todas as medidas que quiser fazer passar no Parlamento. Será difícil conseguir aprovar qualquer Orçamento, quanto mais um retificativo».

Opinião diferente tem Eugénio Rosa, que defende que há medidas que «poderão e deverão» ser tomadas imediatamente pelo novo Governo e acredita que podem ser «facilmente acomodadas pelo Orçamento em vigor ou por um Orçamento retificativo com reforços reduzidos facilmente aprovado pela maioria dos deputados». E dá vários exemplos que considera estarem numa «situação de urgência e de conflito social» e aos quais, segundo o economista, o novo Executivo terá de responder de forma imediata se quiser evitar a continuação ou, até mesmo, o seu agravamento. Um desses exemplo é a situação das Forças de Segurança e as Forças Armadas, recordando que o anterior Governo criou uma «grave injustiça ao atualizar os complementos da Policia Judiciária, ‘esquecendo’ as restantes forças, situação agravada pela enorme perda de poder verificado neste setor». E o economista dá números: «Entre 2011 e 2023, o poder de compra das remunerações base dos oficiais das da PSP, da GNR reduziu-se entre 14,6% e 20,5%, o dos sargentos a perda atingiu 16% e as remunerações base dos agentes e guardas perderam poder de compra entre 9% e 14%. Os médicos perderam 23% do seu poder de compra e os professores 22%». Eugénio Rosa defende que foi este cenário que impediu Pedro Nuno Santos de ganhar as eleições.

Para Eugénio Rosa, se o novo Governo avançar com algumas medidas que só entram em vigor na segunda metade do ano, o seu custo também será reduzido, já que entende que dificilmente seriam aprovadas no primeiro semestre. Exemplo disso é a atualização do suplemento atribuído às Forças de Segurança e às Forças Armadas e a reposição de 20% do tempo integral de serviço dos professores. «Tomando como base os cálculos já divulgados pelo Governo, atualizando-os e estendendo a atualização do complemento também as Forças Armadas, o aumento da despesa para apenas meio ano determinaria um custo adicional para o Orçamento do Estado de 2024 na ordem dos 220 milhões de euros, sendo 70 milhões para reposição de 20% do tempo de serviço dos professores e o restante para atualização do complemento às Forças de Segurança e às Forças Armadas». Um valor, que no seu entender, é «perfeitamente comportável este ano, já que em janeiro de 2024 as contas das administrações públicas, ao nível de contabilidade pública, apresentavam um saldo positivo de 1.177,1 milhões, sendo 354,9 na administração central, ou seja, do Estado. E é comportável no Orçamento deste ano até porque o Ministério das Finanças tem no seu orçamento uma verba para fazer face em imprevistos como este que, em 2024, é de 503 milhões euros», diz ao nosso jornal.Já a promessa da descida do IRC e do IRS entende que terá de ser adiada. A explicação é simples: «Determinaria uma redução importante da receita».

Também César das Neves considera como prioritário estancar as crises na Saúde, na Educação e nas Forças de Segurança. «A mais longo prazo, parece-me que a reanálise do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]deveria estar em prioridade e, em seguida, tentar descer a carga fiscal». Ainda assim, deixa um alerta: «O dinheiro é pouco e a dívida é muita. Mas parece evidente que tem de tratar com urgência dos protestos na saúde, educação e forças de segurança».

Eugénio Rosa partilha da mesma opinião, afirmando que o novo Governo deverá avançar com urgência nomeadamente no que diz respeito aos atrasos que se verificam ao nível dos programas comunitários, como o PRR e o Portugal 2030, uma vez que o economista entende que Portugal corre o risco de perder parte desses financiamentos comunitários por não conseguir aproveitar e executar dentro dos prazos estabelecidos. «Em relação ao PRR dos 22.216 milhões (inicialmente 16.644 milhões) foram recebidos da União Europeia apenas 5.600 milhões por ainda não se ter cumprido a totalidade das condições impostas. Já o valor pago a beneficiários diretos e finais foi de apenas 2.620 milhões, ou seja 16% da dotação inicial do PRR. O risco de não executar dentro do prazo estabelecido que é 2026 é enorme».

O mesmo cenário, segundo o economista, ocorre no Portugal 2030, que conta com uma dotação de 23 mil milhões para ser executado. No entanto, lembra que «até a esta data, não se verificou qualquer execução financeira, estando apenas na fase dos avisos e dos recebimento de candidaturas», e daí considerar que é «urgente que o novo Governo afete as unidades que fazem a gestão e aprovação dos projetos, os técnicos e os meios materiais que tem faltado porque o Governo até aqui tem-se preocupado com o ‘deus das contas certas’».

Contas certas ou incertas?

Para César das Neves, a ideia de contas certas poderá ter agora os dias contados. «As contas certas morreram com o Governo Costa. Mesmo se o PS formar Governo, dificilmente regressará a essa estratégia, que, na ausência de verdadeiras reformas, se mostrou insustentável», diz ao nosso jornal.

Já Eugénio Rosa defende que é necessário controlar a dívida publica, mas com outra estratégia. Esse controlo não deveria ser visto, no seu entender, «com a mentalidade de contabilista como era a da dupla Medina/Costa, que provocou o atraso do país e o baixo crescimento económico, causado pelo corte drástico no investimento público, assim como contribuiu para o aumento da pobreza e para a degradação dos serviços públicos devido ao corte na despesa pública».

E o economista acrescenta que, se compararmos a redução da dívida pública em Portugal com a redução média verificada nos países europeus, é possível concluir «o absurdo da política dos governos de Costa», lembrando que, entre 2015 e 2022, a dívida pública média nos países da União Europeia diminuiu 1,6 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB), em que passou de 85,1% para 83,5%, enquanto em Portugal diminuiu 18,8 pontos percentuais do PIB – passou de 131,2% para 112,4% do PIB –, segundo o Eurostat.

Já entre 2022 e 2023, diminuiu 13,7 pontos percentuais do PIB (passou 112,4% do PIB para 98,7% do PIB).

«A este ritmo infernal só se podia destruir a administração pública e o país e criar condições para o ascenso da extrema-direita, como aconteceu. Costa e os seus pupilos no Governo estavam cegos, surdos e mudos às dificuldades dos portugueses», sublinha Eugénio Rosa, referindo que é necessário reduzir a dívida pública a um ritmo muito mais moderado e que não impeça o crescimento económico elevado e sustentado do país, o que exige mais investimento e melhorar os serviços públicos.