Uma boca aberta entre o rugido e o bocejo

Tanto no ritmo como na qualidade do jogo, o Sporting vai dando passos largos em relação aos seus adversários.

Ninguém a não ser um empedernido adepto anti-leonino será capaz de pôr em causa que a equipa de Rúben Amorim é aquela que pratica o mais bonito, e sobretudo mais objetivo, futebol das fronteiras para dentro. E por isso comanda sem grande esforço a classificação com mais um (quase inevitavelmente quatro) ponto de avanço sobre o campeão da época passada, o Benfica, e sete (que se transformarão em dez) sobre o campeão de há duas épocas, o FC Porto. Nas últimas duas semanas, e a propósito do colapso da águia, que atingiu um ponto desgraçado da sua existência, capaz de fazer rir de troça os adeptos dos seus opositores e de chorar de desgosto os seus próprios adeptos, somando derrotas avassaladoras, como a das Antas, ou empates piedosos, como os da Liga Europa, deixei aqui bem expressa a minha opinião sobre o que provocou a crise encarnada e apontei o dedo ao verdadeiro culpado de tudo o que está a acontecer, o alemão Roger Schmidt, perdido nos labirintos de uma incompetência de bradar aos céus. Confesso, por outro lado, que a queda brusca dos portistas não é tema de tanto interesse para quem queira caminhar pelo jardim bem arborizado das explicações, tão mais fracas são as opções ao dispor de Sérgio Conceição em relação a Schmidt e Amorim, ainda assim disfarçadas como pudemos ver às escâncaras na goleada com que enxovalhou o Benfica.

Com dez jornadas para serem cumpridas não se vê quem seja capaz de fazer tropeçar o leão que, neste momento, não sabe se há de rugir de satisfação de bocejar de aborrecimento tão fraca é a oposição que se lhe apresenta pela proa. No próximo domingo a vítima anunciada para Alvalade é o Boavista (20h30), no dia 30, depois dos jogos da seleção, há uma saltadela festejante até à Amadora, para devorar um macio Estrela, e em seguida vem a receção ao Benfica, jogo que ditará, na minha opinião, o definitivo passo para a recuperação de um título que, depois do que sucedeu na época passada, parecia estar mais distante no tempo do que na realidade está. Ainda por cima porque, afinal, não foi preciso alterar muito o plantel para que este voltasse a ter aquilo que, em tempos, José Maria Pedroto, numa das suas tiradas de humor sempre duvidoso, chamou de «estofo de campeão».

Uma questão de resistência

Uma única dúvida se coloca à medida que, semana após semana, o Sporting vai vencendo os infelizes que lhe surgem pela frente, com maior ou menor dificuldade – por exemplo, em Arouca, o resultado acabou por ser mais simpático do que se previa e do que aquilo que o jogo nos ofereceu –, e essa dúvida prende-se com a condição física de jogadores imprescindíveis nesta galopada, Gyökeres logo à frente, como é óbvio. De há umas semanas para cá temos visto como Rúben Amorim está a tratar com pinças várias das suas peças, e seria pura estultícia não o fazer, ainda por cima quando continuou na Liga Europa e na Taça de Portugal. É nesses momentos – por vezes dez ou quinze minutos de descanso são muito mais necessários do que parecem, e as lesões de jogadores leoninos têm sido, na sua maioria, do foro muscular – que se entende a riqueza bem maior que existe do outro lado da Segunda Circular em termos de opções, e para compensar não se entende como tal maior riqueza é assim atirada pela janela ao desbarato numa das maiores devassas que tenho assistido de um grupo de jogadores de há muitos anos a esta parte.

Rúben Amorim não é apenas um treinador arguto. É um jovem com capacidade de aprendizagem e com propensão natural para entender as consequências dos seus erros. Por aí chegamos à tão grande diferença entre o Sporting da época passada e o desta época, a despeito de o seu scouting ter feito o milagre de encontrar o avançado-centro absolutamente demolidor para as características do futebol português. Avisado das diversas debilidades defensivas com que se deparou durante uma longa fase (debilidades essas que também têm que ver com a componente física), respondeu com golos. Pouco importa que, neste momento, o Sporting seja a pior das defesas dos três primeiros classificados (pior até que a do Benfica, imagine-se!!!) se consegue contrariar essa pecha com um caudal ofensivo que só por algum acaso absolutamente anormal não se reflete em golos: façam as contas e vejam que a média nesse aspeto atinge uns muito bons 2,87 por jogo.

 Em alturas como estas vozes surgem procurando diminuir as virtudes alheias apontando para as desgraças de terceiros, neste caso Benfica e FC_Porto. Não comparemos o incomparável. Em termos de jogo jogado e jogo pensado (a tal de tática, que gosto mais de deixar por conta dos treinadores por ser algo tão volúvel que não é possível fixá-la por longos e continuados momentos) este Sporting é assustadoramente melhor do que os seus rivais de sempre. Assustadoramente para os outros, como está bem de ver, que bem podem arrancar cabelos de desespero. A menos que uma catástrofe física dinamite o trabalho que Rúben Amorim tem feito até ao momento, aproveitando da melhor forma toda a gente que tem ao dispor, o título já tem dono, mais semana, menos semana. E, assim sendo, também vai ser a altura de ver partir o treinador que nestes quatro anos dará dois campeonatos aos leões. E parte com o seu trabalho mais do que cumprido. E com tudo para continuar a ser feliz, como merece pela pessoa que é.