O voto, o choque e o futuro

Como eu, votaram milhões de portugueses. Rejeitaram o PS, mas não apostaram numa alternativa clara. Portugal virou à direita, mas a maioria à direita não é funcional…

Votei sem ilusões nem entusiasmo, inspirado na ideia de ‘refutabilidade’ à la Popper: as eleições são, primeiramente, um julgamento do partido incumbente; muito mais do que a escolha de um projeto para o futuro, que, como a vida ensina, dificilmente podemos avaliar com segurança. Dois anos de maioria absoluta em condições financeiras únicas, foram desperdiçados sem estabilidade nem proveito. O objetivo estava, pois, definido, contribuir para afastar o PS do governo. Depois foi fácil!

Como eu, votaram milhões de portugueses. Rejeitaram o PS, mas não apostaram numa alternativa clara. Portugal virou à direita, mas a maioria à direita não é funcional, (nem minimamente liberal ou progressista, como eu desejava). As eleições tiveram um vencedor – obviamente o Chega (‘CH’) – e dois derrotados – o PS e o PSD. O PS foi derrotado porque foi afastado do governo; o PSD, porque teve uma vitória tangencial em que a AD + IL tiveram menos lugares que toda a esquerda. O CH ganhou espetacularmente. Um milhão de votantes não são racistas, fascista ou ‘deploráveis’. Podem não ter razão nem oferecer soluções, mas têm certamente razões. Enquanto o centro político demo-liberal não as enfrentar o Chega continuará forte. Há quem inclua o Presidente entre os derrotados da noite de domingo, porque dissolveu a AR, sem disso ter necessidade, na esperança de uma alternativa que não surgiu. Discordei da dissolução, mas as eleições provaram que Marcelo teve razão se, porventura, considerou que a composição da anterior assembleia estava grandemente desalinhada com o sentir do país.

E agora? Agora a AD formará governo. Acredito que esse governo não será rejeitado no parlamento. Não trará a mudança prometida, mas pode resolver pendências e fazer, mesmo, algumas coisas boas. Quantas mais coisas boas fizer, negociando à esquerda e à direita, maior a probabilidade de sobreviver. O «não é não» de Montenegro não pode significar rejeitar falar ou negociar, caso a caso, com o CH; apenas impõe limites à profundidade de eventuais compromissos. Certos acordos são relativamente fáceis. Um orçamento retificativo que inclua um plano de emergência para a saúde, alívio fiscal e o ajustamento remuneratório das forças de segurança será facilmente apoiado pelo CH e pela IL. Pode ainda, por exemplo, em acordo com o PS e a IL decidir o NAL ou privatizar a TAP.

O grande teste surgirá no outono com a discussão do OE2025. Se este for aprovado, teremos governo por dois anos e meio, até finais de 2026, pois, durante um intervalo de um ano centrado nas eleições presidências em janeiro de 2026, o parlamento não poderá ser dissolvido. Contudo, André Ventura é um político impaciente e com um enorme desejo de afirmação. Não sei se quererá esperar tanto tempo. Se for chumbado, o PR terá de convocar outras eleições ou tentar uma solução governativa com outro líder do PSD que não esteja ensanduichado entre o «não é não» a Ventura e o «não ao taticismo» de Pedro Nuno Santos.

Seja como for, a estratégia dominante para a AD é constituir um governo de combate: pequeno e focado; dialogante, mas resoluto; com ministros calejados técnica e politicamente, sem mancha ou suspeição, e com boa capacidade de execução; e, finalmente, com uma excelente capacidade de comunicação com os portugueses. Os custos para quem, por capricho ou cálculo, derrubar um tal governo serão altos.