Saúde. Fernando Araújo fica sem tapete?

Cumprindo o programa da AD, o novo Governo deverá reverter o essencial da reestruturação do SNS. E, se isso acontecer, Fernando Araújo sairá. Enquanto isso, continua a sua cruzada.

Para já, Fernando Araújo não se irá demitir ou sequer colocar o seu lugar à  disposição do futuro titular da pasta da Saúde. Só sairá da Direção Executiva do SNS se o novo Governo decidir reverter  ou desvirtuar o modelo do SNS que está em reestruturação. Sendo isto o mais provável de acontecer caso o Governo cumpra o programa eleitoral – e se Ana Paula Martins, ex-presidente do conselho de administração do Hospital de Santa Maria que se demitiu em dezembro do ano passado e foi eleita deputada da AD por Lisboa – assumir esta pasta ministerial. A ex-administradora é a  escolha provável de Luís Montenegro, além ser a  mais consensual. E, caso Fernando Araújo opte por sair,  Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia de Passos Coelho, é o nome insistentemente referido para o substituir no cargo.

Na área da Saúde, a vitória da AD levanta várias questões incompatíveis com a estratégia da coligação. A reestruturação ainda em curso do SNS passa pela criação das ULS, alteração de competências da Direção Geral da Saúde e extinção das ARS. Temas que a coligação se comprometeu a rever. Além disso, Ana Paula Martins, caso seja nomeada ministra da Saúde como tudo indica, demitiu-se da presidência do Hospital de Santa Maria por não concordar com a forma como esta reestruturação estava a ser concretizada.

Hospitais universitários de fora

A integração dos hospitais universitários e centrais nas ULS é o ponto de discórdia com Fernando Araújo.  A questão está no financiamento destas instituições.  «Não discordo do modelo de ULS 2,0, discordo do modelo ULS para um hospital universitário», declarou numa recente entrevista ao jornal Público a futura deputada do PSD. Apesar de concordar com «o modelo ULS 2.0  para hospitais distritais» para que exista uma articulação efetiva entre  os cuidados hospitalares e os cuidados primários, a ex-administradora do Santa Maria considera que os universitários devem ficar de fora, uma vez que este modelo gera sublicenciamento. « Um hospital universitário é muitíssimo diferenciado. Não pode e não deve ser financiado por capitação [valor de referência por cada utente]», que é a forma de financiamento das ULS. «Com o modelo de financiamento por capitação, sem um financiamento significativo para a diferenciação e sem um programa de financiamento para medicamentos inovadores para oncologia e doenças raras, este hospital não sobrevive financeiramente». Tendo sido esta a razão que levou à sua demissão no final do ano passado, aceitando pouco depois o convite para integrar as listas da AD.

Este entendimento está enquadrado no programa eleitoral da coligação, a qual assumiu como compromisso «Desenvolver Sistemas Locais de Saúde e reforçar equipas clínicas de proximidade, reavaliando o processo das ULS quanto à escala, âmbito e funcionalidade».

Também Miguel Pinto Luz, vice-presidente do PSD, afirmou publicamente que o novo modelo é «uma aberrante configuração das ULS que englobam os hospitais centrais, os hospitais universitários e torna ingerível não só a própria ULS, como as estruturas hospitalares de referência». AoNascer no SOL, ena mesma altura, o social-democrata  justificou  que o pedido de suspensão da reestruturação do SNS,_pelo PSD, não significava que o partido fosse «contra a criação de novas ULS, o problema é que o modelo está mal desenhado». E adiantou que, caso a AD vencesse as eleições, uma das possíveis alterações seria «retirar os hospitais universitários e de fim de linha na nova estrutura, uma vez que estes têm uma abrangência nacional e uma vocação que não tem cabimento dentro desta estrutura».

Caso isto aconteça, o modelo desenhado por Fernando Araújo estará em causa e ficará desvirtuado, uma vez que os maiores hospitais são os pilares da nova estrutura do SNS. E  o diretor-executivo não terá outra alternativa senão sair ou refazer o que foi feito. 

Outro compromisso da coligação é «Reformular a Direção Executiva do SNS, com uma alteração profunda da sua estrutura orgânica – mais simplificada –, e das suas competências funcionais». A AD posicionou-se contra a sobreposição de competências com as ARS, a ACSS_e a própria Direção-Geral da Saúde e também contra a retirada de competências exclusivas do Ministério da Saúde. Sendo consequente nesta tomada de posição, o novo Governo irá esvaziar a  DE-SNS. Outro ponto de honra de Fernando Araújo.

PPP: sim ou não?

No programa eleitoral da AD o tema é omisso. A coligação não se compromete em regressar às PPP para  a gestão hospitalar. Apenas com o setor social propõe-se  «Inaugurar novas Parcerias Público-Sociais para unidades de Cuidados Paliativos e Unidades de Cuidados Continuados de 2ª Geração».  Em declarações ao Nascer do SOL, Óscar Gaspar, presidente da Associação de Hospitalização Privada, declarou que, segundo o programa da AD, «parece haver uma motivação no sentido em que os prestadores privados possam dar um contributo mais substancial para o acesso dos portugueses à Saúde, seja por via do do aumento da oferta global, seja por reforço da articulação como SNS» . Adiantando ainda que se afigura «de exequível e rápida execução» a medida proposta pela AD_de «garantir a emissão do Voucher Consulta de Especialidade, com liberdade de escolha do prestador pelo utente quando é ultrapassado o Tempo Máximo de Resposta Garantido (TMRG)». Quanto às PPP, Óscar Gaspar sublinha que o programa eleitoral não faz «qualquer referência» a essa possibilidade. No entanto, e sobre este tema, Ana Paula Martins afirmou na mesma entrevista ao Público: «A  questão ideológica tem de ficar de lado. Se temos relatórios que evidenciam que as Parceria Público-Privadas foram globalmente muito positivas em termos de resultados para o Estado e para os cidadãos, a AD vai olhar para esta questão». A dúvida é se os hospitais privados estão disponíveis.

ines.pereira@nascerdosol.pt