Os números são sonantes e chamam a atenção até dos mais distraídos. Os cinco maiores bancos a operar em Portugal – Caixa Geral de Depósitos Santander Totta, novobanco, BPI e BCP – lucraram cerca de 4,2 mil milhões de euros no ano passado, o que dá uma média de mais de 11,5 milhões de euros por dia. Trata-se de resultados recorde, num ano que foi marcado por fortes aumentos das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE) que penalizaram sobretudo quem tem empréstimos bancários, nomeadamente crédito à habitação.
João César das Neves admite ao i que “a ideia de que o sucesso da banca é mau para Portugal é um dos dogmas dominantes da doutrina económica popular, doutrina que, aliás, explica boa parte do atraso económico nacional”. E afasta a ideia de que os portugueses são penalizados quando a banca apresenta lucros de encher o olho. “Isso implica uma visão simplista do problema (resultante da tal doutrina popular). Tal como os antigos prejuízos não favoreceram os devedores, também agora a questão dos lucros é mais complexa do que parece. O elemento central desta circunstância foi um choque inflacionista, que, na sua natureza, favorece os devedores, desvalorizando a sua dívida. A subida do juro serviu precisamente para compensar esse efeito. Medindo num único ano do processo, 2023, os bancos parecem ter beneficiado, com lucros elevados, mas as contas só são válidas incluindo todo o episódio”.
O economista reconhece, no entanto, que o sistema financeiro foi beneficiado, em grande parte, pelo aumento das taxas de juro. “Esta é a causa mais provável, porque a dinâmica da economia e do investimento se manteve morna. Aliás, os novos empréstimos bancários são cada vez mais para habitação e consumo. Os empréstimos às empresas, que eram mais de 90% do crédito há 10 anos, caíram para menos de 50%”, refere ao nosso jornal.
E nem tudo são boas notícias. César das Neves diz que, apesar dos bons resultados, o sistema financeiro português continua a ser dos mais descapitalizados da Europa e com mais créditos incobráveis. Ainda assim, refere que “estão melhores do que já estiveram”.
Também João Duque admite que os resultados recorde foram alcançados à boleia do aumento das taxas de juro, mas recorda que, se analisarmos os últimos anos, “a taxa de rentabilidade negativa é mais negativa do que a positiva que foi atingida atualmente”. E pede à banca que tenha “alguma contenção” na distribuição de dividendos, para que estes resultados possam contribuir para o aumento do capital dos bancos. “É preciso ver em que medida é que estes resultados depois são distribuídos. Aí é que posso questionar se a distribuição de dividendos depois permite que tenham capitais de maneira a fazer crescer os seus balanços”, diz ao i, lembrando que “os bancos com melhores níveis de capitais próprios estão mais à vontade para distribuir dividendos, mas não devem ser geridos de forma a distribuir todo o capital”.
O economista chama ainda a atenção para o facto de o sistema financeiro ter necessidade de ter robustez e de responder às exigências do regulador, que impõe os rácios de solvabilidade.
Raio-x A Caixa Geral de Depósitos foi o campeão dos resultados, ao apresentar um resultado líquido de 1.291 milhões de euros. Trata-se de um lucro histórico para o banco público liderado por Paulo Macedo e que vai permitir ao Estado encaixar dividendos de 525 milhões de euros. A este valor soma-se ainda o pagamento de 529 milhões de euros em impostos e 204 milhões de custos de supervisão. No total, a Caixa irá pagar ao acionista 1258 milhões de euros.
Os lucros foram impulsionados pela margem financeira (a diferença entre juros cobrados no crédito e juros pagos nos depósitos, representando a principal fonte de receitas), que duplicou para 2.866 milhões de euros.
Os depósitos de clientes alcançaram em junho 79 mil milhões de euros. Deste valor, 69 mil milhões dizem respeito a Portugal em junho, uma subida de 0,6%, contrariando a tendência de queda dos meses anteriores.
A carteira de crédito registou uma redução de 0,8% face ao primeiro semestre de 2022, para 52,6 mil milhões de euros. Já as comissões cobradas atingiram os 289 milhões de euros, um decréscimo de 5% face ao mesmo período de 2022. A CGD prevê “a continuação da descida até ao final do ano”.
No segundo lugar do ranking surge o Santander, que viu os seus resultados subirem 57,3%, para 894,6 milhões, mas obteve 1.030 milhões em valores consolidados. Só a margem financeira subiu 90,5%, para 1.491 milhões de euros. Na apresentação de resultados, o presidente do banco, Pedro Castro e Almeida, disse que os resultados do banco se devem ao aumento das taxas de juro, mas também à transformação comercial e digital que o banco fez nos últimos anos e considerou que um setor financeiro forte e “finalmente rentável e bem capitalizado”, no seu entender, “é a primeira linha de defesa para o futuro crescimento de um país”.
Só no ano passado, foram renegociados 55 mil créditos à habitação, maioritariamente levando a reduções das prestações pagas pelos clientes numa altura de compressão do rendimento disponível para a maioria das pessoas. Neste número estão englobadas situações como renegociações comerciais e alterações ao abrigo dos sucessivos decretos governamentais (7.500 nesta área). Há, também, 17 mil contratos a receber bonificação da prestação feita por transferências do Estado. As comissões líquidas caíram 2,8% para 457 milhões de euros.
Já os lucros BCP dispararam 856 milhões de euros em 2023, quatro vezes mais que os de 2022, quando apresentou resultados de 197,4 milhões de euros. O CEO do banco, Miguel Maya, afirmou ter “muito orgulho” nos números alcançados, afirmando que “parece que há uma certa vergonha das empresas apresentarem resultados”.
A margem financeira da instituição financeira subiu 31%, para 2826 milhões de euros em 2023. Já as comissões estabilizaram nos 772 milhões de euros. O BCP registou um aumento de 2,5% dos depósitos, para 77,9 mil milhões de euros, no entanto, no mercado nacional registaram um decréscimo de quase 3%, para 51,2 mil milhões. Por seu lado, a carteira de empréstimos encolhe 1,6%, para 56,8 mil milhões, mas só em Portugal o crédito caiu quase 4%, para 38,6 mil milhões.
Aos acionistas do BCP foi anunciado que o banco irá pagar dividendos na ordem dos 250 milhões de euros, em que o maior encaixe será para o grupo chinês Fosun, que detém 20,3% do capital, seguido da Sonangol, com 19%. Ainda assim, grande parte do capital está disperso em bolsa, com mais de 100 mil acionistas. Um dos calcanhares de Aquiles do BCP diz respeito à operação na Polónia, que tem dado problemas devido a créditos hipotecários concedidos no passado em francos suíços. Em 2023, o Bank Millennium (Polónia) levou a encargos de 780 milhões de euros devido aos riscos relacionados com esses créditos.
Também o novobanco fechou o ano com lucros, de 743,1 milhões em 2023. Um aumento face aos 560,8 milhões registados no ano anterior, “reflexo de um sólido modelo de negócio doméstico alinhado com as expectativas dos nossos clientes e das medidas de eficiência implementadas nos últimos anos”. A taxa da margem financeira foi de 2,75% e a margem financeira ascendeu a 1 142,6 milhões, “em resultado do ambiente favorável das taxas de juro e da gestão criteriosa das taxas de juro dos ativos e do custo de financiamento”.
As comissões ascenderam a 296,1 milhões, um aumento de 0,9% face a 2022, “com o impacto das alterações legislativas a condicionarem, em parte, a evolução positiva deste agregado”, revelou o banco.
Também o BPI registou um resultado consolidado de 524 milhões de euros, em 2023, o que representa uma subida de 42% face aos 369 milhões registados no ano anterior. Só a atividade em Portugal contribuiu com 444 milhões. As participações no BFA e BCI tiveram um peso de 42 milhões e 39 milhões no resultado consolidado, respetivamente. João Pedro Oliveira e Costa, presidente executivo da instituição financeira, afirmou que “o BPI concluiu o exercício de 2023 com uma evolução muito positiva”, referindo que o banco “registou um resultado de grande qualidade, com mais atividade comercial e ganhos de eficiência significativos”. As comissões líquidas mantiveram-se relativamente estáveis, nos 291 milhões.
No campeonato dos mais pequenos, o Crédito Agrícola viu Agrícola os resultados dispararem para 296,8 milhões de euros, um aumento de 238,1%. Já o Montepio apresentou uma queda de 16%, para 28,4 milhões em 2023, enquanto o ABANCA obteve um lucro atribuível de 711,3 milhões.