José Pedro Aguiar-Branco foi eleito presidente da AR para as próximas duas sessões legislativas num processo rocambolesco que começou com um acordo entre o PSD e o Chega, que foi quebrado, e acabou com outro entre o PSD e o PS, com a divisão salomónica da legislatura entre os candidatos dos dois partidos mais votados nas legislativas de 10 de março.
A eleição do presidente da AR – tratando-se embora da segunda figura do Estado – tem uma importância muito relativa tanto para a opinião pública (porque quase indiferente) como no quadro do sistema político português (porque quase irrelevante). Mas o que se passou no hemiciclo de S. Bento nos primeiros dois dias da nova legislatura foi um espetáculo tristíssimo com um significado maior: os partidos de direita não souberam interpretar o mandato que os eleitores lhes conferiram e, à primeira oportunidade, desbarataram a maioria de 140 mandatos de que dispunham, caindo na esparrela bem aproveitada pela esquerda unida.
Que houve acordo entre PSD e Chega, é um facto.
Que Paulo Rangel e Nuno_Melo negaram a sua existência, dando razões aos deputados do Chega para marcarem posição e não votarem no candidato apresentado pelo PSD_na primeira votação, também não restam dúvidas.
Mas daí a haver razões para o Chega fincar pé e não tomar partido – antes avançando com um candidato próprio e sem qualquer hipótese e mantendo, na segunda volta, o voto em branco – quando o PS_tirou partido da desunião da direita e avançou com um candidato que colheu o apoio de todos os partidos da esquerda, aí, a coisa fia mais fino.
Perante a esquerda unida, a direita com maioria parlamentar teria de ter mostrado quem venceu as eleições a 10 de março.
Ou seja, tendo-se extremado as posições e estando frente a frente um candidato representante da direita e outro da esquerda, teria sempre de ser o primeiro o mais votado. Independentemente da existência, ou não, de qualquer tipo de acordo.
Isso, sim, seria respeitar a vontade expressa nas urnas.
Mas, em vez de, tendo marcado posição, ter depois evitado que o candidato da esquerda surgisse como vencedor do ato eleitoral (ainda que com votos insuficientes para a sua confirmação como presidente da AR), o Chega optou por radicalizar posições e desfazer a maioria de direita existente no Parlamento.
André Ventura invocou a lealdade para com os mais de um milhão e cem mil eleitores que votaram no Chega para não abdicar de ser ouvido e respeitado pelo PSD.
E, nessa lógica, e perante o entendimento entre PSD_e PS, o Chega passou a reclamar-se Oposição ao novo Governo.
Ao optar por este caminho, André Ventura, na realidade, está a alimentar as teses da coexistência parlamentar de três blocos, que favorece a esquerda unida.
Acontece, porém, que para muito eleitorado de direita – mesmo entre votantes da AD_– o ónus maior deste incidente parlamentar acaba por recair sobre o PSD, ao terminar de mão dada com o PS.
Tendo-se chegado ao ponto a que se chegou, o PSD tinha alguma alternativa a um entendimento com o PS_para sair do impasse criado?
Não, não tinha. Luís Montenegro não podia ceder às exigências públicas de André Ventura, sem perder toda a autoridade e credibilidade.
Mas o problema é que, no final de contas, acabou por sujeitar-se à proposta, e ao jogo, do PS.
E isso é o que o eleitorado de direita que quis acabar com o ciclo socialista no poder e apostar numa alternativa de direita não lhe perdoa: afinal, foi o PS quem voltou a ditar regras, conseguindo até manter o direito a escolher o presidente da AR_para a segunda metade da legislatura, se lá chegar.
Desengane-se quem julga que Pedro Nuno Santos entregou assim de bandeja a liderança da oposição a André Ventura.
Nada disso.
O_líder socialista saiu com a imagem de quem, em todo o processo, se comportou com maior sentido de responsabilidade e respeito pelo normal funcionamento das instituições democráticas, cravando uma lança certeira entre AD_e Chega.
Se não fosse o PS, o impasse ter-se-ia mantido inultrapassável, por incapacidade total da maioria de direita para garantir uma solução, enquanto a esquerda, mais uma vez, se apresentou em harmoniosa unidade.
Por outro lado, este acordo do PS com o PSD_– como logo fez questão de vincar a máquina da propaganda socialista – não tem nada de programático nem de compromisso político com outro objetivo que não fosse restabelecer o normal funcionamento do Parlamento. O resto logo se vê.
Mas o PS_de Pedro Nuno Santos já deixou claro que vai viabilizar um Governo da AD, não votando a moção de rejeição do PCP, nem outra qualquer, bem como aprovará um eventual orçamento retificativo apresentado pelo novo Executivo que possibilite a reposição de rendimentos aos membros das forças de segurança e militares, aos professores, aos médicos e a outras classes profissionais mais sacrificadas, como a dos oficiais de Justiça.
A oposição virá depois.
Com a direita partida e a pôr-se a jeito, a estabilidade fica nas mãos do PS_e até quando Pedro Nuno Santos quiser – ou o tempo de que precisa para a cura de oposição.
É o que a maioria de direita está a arranjar com episódios como o que levou José Pedro Aguiar-Branco à presidência da AR.
De facto, esta legislatura de geometria política variável não podia ter começado pior.
E se os espanhóis têm a máxima segundo a qual o melhor é não ter um bom começo, os portugueses, que têm o fado, gostam de entrar com o pé direito.