A política assumiu um dos princípios basilares da educação: ‘não é não’. Só que este princípio está a passar por uma crise profunda. Hoje ninguém acredita quando se diz ‘não’. ‘Posso sair? Não. Vá lá… Não! Mas porquê? Porque não! Mas é só hoje… Não é não!’ E pronto, assunto arrumado. Mas não: este tipo de diálogo já não existe. Agora é assim: ‘Posso sair? Não. Vá lá, é só hoje… Não é não, já disse! Mas porquê? Está bem, podes ir’.
Os pais recusam dizer ‘não’ aos filhos e quando o fazem, a custo, acham que lhes devem explicações pelo ‘não’, como se eles percebessem. Os miúdos exigem justificações porque sabem muito bem que o ‘não’ pode ser sim, aliás, quase nunca o ‘não’ é mesmo ‘não’. O ‘não’ vale como ‘sim’ ou como ‘talvez’ e é apenas considerado uma forma de ganhar tempo. É como quem diz: ‘eu acho que não, mas sim’. E isso não é não, é sim. A credibilidade do ‘não’ está nas ruas na amargura. Quem acredita no ‘não é não’ é anti-democrata, inflexível, intolerante, chato. Está só a teimar e a armar-se em importante. O ‘vá lá’… vale mais que o ‘não’.
Agora que o ‘não é não’ chegou à discussão política ninguém acredita no ‘não’. Montenegro pode repetir que ‘não é não’ até à exaustão que não tem efeito. O ‘não’ deixa sempre a porta aberta e o ‘não é não’, a janela. É expectável que se volte atrás quando se diz que ‘não’. E pior que tudo, é aceitável. Manter o ‘não’ é que é estranho, é uma teimosia tonta. ‘Não vais jogar consola se tiveres más notas’: nenhum filho acredita. ‘Não vou subir impostos se for eleito’: também ninguém acredita.
O ‘não é não’ iliba a explicação do ‘não’. É esse o seu sentido. É uma posição de princípio, dogmática, indiscutível. ‘Cala-te: já te disse que não é não’. Devia bastar. Quem ouve um ‘não é não’, devia desistir de querer ouvir um ‘sim’ e quem diz ‘não é não’, está amarrado ao ‘não’. É assim que devia ser. Em alternativa ao ‘não é não’, há sempre o ‘não, mas’… ou o ‘não se’…, que são coisas completamente diferentes. Requerem um debate, uma explicação, uma negociação.
Dizer que ‘não’ é o maior desafio da educação. É mais fácil dizer que ‘sim’ a tudo, é da maneira que os miúdos não fazem birras, não gritam, não amuam. Mas o ‘não’ passou de moda. Os pais de hoje optaram por dizer que ‘sim’ a tudo e sentem-se na obrigação de explicar o ‘não’. Mesmo quando dizem que ‘não é não’. Os mais novos raramente percebem a razão dos ‘nãos’, mas contam com os adultos para os proibirem de fazerem os milhares de disparates que lhes passam pela cabeça. Só com os ‘nãos’ que lhes dizemos todos os dias é que eles percebem o que são e quais são os limites.
Montenegro optou por esta estratégia pedagógica achando que ninguém ia insistir com o ‘Vá lá… É só hoje. Mas não porquê?’ Assim como fazem os nossos filhos. Armado num pai à antiga, tentou educar as massas convicto que o seu ‘não’ seria levado a sério. Mas não. O coitado é massacrado todos os dias. E agora está feito: se mantiver o’não é não’, é porque é teimoso; se não mantiver, é só normal. O ‘não é não’, não é respeitado. Nem pelos nossos filhos nem pelos jornalistas, pelos comentadores ou até eleitores. Acham todos que o ‘não é não’ é apenas uma tática e não um princípio. O que faz sentido: se é assim que educamos os nossos filhos porque é que Montenegro seria diferente?