Foi publicitário, jornalista e consultor de comunicação. Em 2006, foi um dos criadores do 31 da Armada, pioneiro na produção de conteúdos audiovisuais originais para a internet e, ao longo de uma década, um dos mais influentes blogues políticos em Portugal. Em 2008, fundou a agência de comunicação Nextpower, de que é diretor-geral. É ainda, desde a inauguração, em 2016, diretor do Newsmuseum, instituição dedicada à história e tempo dos media. É presença regular na televisão e em conferências nacionais e internacionais sobre comunicação.
Que análise faz da comunicação social em Portugal? Os media estão a braços com problemas de financiamento? Era expectável com a digitalização e com a explosão das redes sociais?
Era, mas há duas situações diferentes. Uma são os media na Europa e, mesmo nos Estados Unidos, que já estão a ultrapassar essa crise, outra é em Portugal, onde ainda não ultrapassámos essa crise e estamos muito mais atrasados na criação de novos modelos de negócio. Os media lá fora conseguiram encontrar outros modelos de negócio e conseguiram reajustar-se. Aliás, este processo contra a Google demonstra-o bem. Em Portugal não, ainda estamos muito atrasados, não é na transição digital, mas na recriação do modelo de negócio dos media que objetivamente morreu há uns anos e ninguém deu por isso.
Este atraso deve-se a quê? Percebemos tarde demais ou tivemos uma resposta menos rápida?
Há uma combinação de fatores. O primeiro é que o mercado publicitário, como nós o conhecemos, evaporou-se, transitou para os grandes players digitais: Google e Facebook que são os donos aos dias de hoje do mercado publicitário. Ao mesmo tempo, em Portugal, os grupos de media fizeram um reajustamento pela parte dos custos, tornando o produto cada vez menos interessante e ficando a meio da ponte da transição. Isto é, não só não conseguem apresentar um produto suficientemente estimulante para o consumidor como, ainda por cima, ficaram sem grande parte das receitas ou com grande parte das receitas controlada por outros operadores.
Ultimamente tem-se falado mais na hipótese de haver financiamento público, sem que isso ponha em causa independência dos meios de comunicação. Corremos o risco de abrir uma caixa de Pandora?
O financiamento público parece-me que é a última bola a sair do saco, ou seja, já é um ato de desespero. Mas recordo que outros países, nas mesmas circunstâncias, nomeadamente nas mesmas circunstâncias de mercado porque o mercado é internacional, conseguiram recriar os seus modelos de negócio sem necessidade desse financiamento público, conseguindo recriar basicamente os seus media. Vou ser cruel. A nossa transição digital foi feita pondo o jornal que tínhamos em papel online em PDF e chamamos-lhe a isso uma transição digital. Não reinventámos o produto com a possibilidade de multimédia que hoje a tecnologia nos permite. Hoje conseguimos fundir tudo, conseguimos ter a imagem em movimento num ecrã – aquilo que antigamente era televisão – e conseguimos ter voz no mesmo ecrã. Portanto, tudo isso tinha de ser combinado e nós só muito tarde é que começámos a fazer essa combinação e já foi muito tarde, enquanto os outros conseguiram fazer isso mais rapidamente, tornando o seu produto atrativo e recriando no seu modelo de negócio. Nós não, ficámos para trás e ainda estamos a fazer essa transição. O financiamento público é a última bola a sair do saco porque já em desespero, preciso de pedir dinheiro a alguém e vou pedir ao Estado, mas nos outros mercados isso não foi necessário.
É visto como uma espécie de tábua de salvação?
É, mas a questão aqui é que não é o financiamento público que vai salvar as audiências dos meios. Posso injetar mais dinheiro, posso até melhorar os salários, posso até melhorar a capacidade tecnológica, mas não é isso que me vai salvar as audiências, porque aos dias de hoje temos um público que quer aquilo que os media já não são capazes de oferecer.
E querem mais o quê?
Precisamos de ter um modelo multimédia híbrido e é esse o caminho que tem de ser seguido. Nós aqui achamos que a transição do digital é fazer uma infografia animada, não é. Isso era há dez anos ou há 15 anos. Uma infografia animada em que consigo clicar e ver os dados ao pormenor está bem, mas vou à Pordata e ela faz-me isso e faz-me isso desde o seu nascimento.
É preciso revolucionar a forma de pensar?
A revolução tecnológica que chamamos, muitas vezes, de multimédia, mas multimédia significa multimeios. E não é isso. É capacidade de ser híbrido. Os jornais continuam a pensar como jornais, as revistas continuam a pensar como revistas, as televisões continuam a pensar como televisões e as rádios continuam a pensar como rádios. Hoje em dia a tecnologia permite-me oferecer tudo na mesma plataforma e isso obriga-me a reinventar o modelo de negócio, a minha organização interna e o próprio produto. E nós não fomos à parte do reinventar o produto. Podemos despejar os milhões todos que quisermos, se os tivéssemos, mas não vai resolver o problema do produto.
Uma das soluções passaria por investir em publicidade institucional como chegou a existir ou seria tirar dinheiro para o problema?
É uma panaceia que nas palavras de André Ventura não faz bem, nem faz mal. Estou a atirar dinheiro para cima do problema, mas não vai resolver os problemas das audiências e os problemas das audiências é transversal a todos os meios: rádios, televisões, mas são audiências brutas, em valores absolutos, não são shares porque os shares disfarçam aquilo que, na realidade, significa uma diminuição da audiência. O produto ficou estanque, parado no tempo. Eu faço televisão da mesma maneira como fazia na década de 90.
Na campanha eleitoral, o PS acenou com a ideia de Lusa gratuita e o PSD falou na criação de um plano de ação para os media…
O caso da Lusa é um bom exemplo, por tudo aquilo que significa, porque os jornais continuam na corrida para serem os primeiros a dar informação. Há uma tradição nas redações, e já passei por aí, que é quero ser o primeiro a dar esta notícia. Mas hoje em dia, com o digital, tenho um problema que é qualquer cidadão que esteja no sítio dá primeiro a notícia em si, pode nem dar a informação. Mas a maior parte dos meios continuam a trabalhar para serem os primeiros a dar a notícia e não a serem os primeiros a dar informação sobre o tema. Este é um mindset que leva muito tempo a alterar. A Lusa é um serviço público de ser o primeiro a dar a notícia, nos quais os jornais até concorrem, que é uma coisa extraordinária. É uma fonte e é um concorrente. E explica muito a desorganização que temos do ponto de vista de negócio. Temos rádios, jornais e televisões a concorrer com a Lusa para serem os primeiros a dar a notícia. Faz sentido? Estamos a triplicar a mesma oferta e estão muito poucos a pensar na oferta seguinte que é a informação.
Sente que os cidadãos olham com desconfiança para a comunicação social ao contrário do que acontecia antigamente? Há uma descrença em relação ao jornalismo?
O escrutínio aumentou muito e hoje em dia conseguimos escrutinar quase tudo o que consumimos. Pode haver muita gente que não quer fazer esse escrutínio ou que não se dá a esse trabalho, mas essa possibilidade existe. Temos um público cada vez mais exigente e dentro dessa lógica de exigência é natural que também exista descontentamento. E não é só em relação aos media é em relação a tudo: à política, aos negócios, às empresas. O escrutínio e a voz dos descontentes é cada vez maior por efeito das plataformas e destes “novos” mecanismos de comunicação e, por isso, é normal que os jornalistas e os próprios meios de comunicação sofram com isso. Deixou de ser o árbitro e passou a ser escrutinado. E como tem um posicionamento dúbio em relação à maior parte das matérias que trata é normal que seja complicado.
Os meios de comunicação perderam a sua importância com a explosão das redes sociais?
Chamo participação e escrutínio. O escrutínio não é obrigatoriamente bem feito, mas a participação em escrutínio aumentou brutalmente e passou a ser bidirecional em todos os sentidos, em que já não publico uma notícia sem ouvir o seu eco. Aliás, publico uma informação para ouvir o seu eco, para que tenha eco, mas nem sempre o eco é agradável. É a lei da vida. As redes sociais vieram amplificar esse fator.
Os meios de comunicação acabam por estar muito dependentes destas grandes tecnológicas. É um perigo?
Não sei se é um perigo, mas é uma nova realidade e essa nova realidade já existe há muito tempo. A diferença destas grandes tecnológicas para as agências de meios é que essas grandes tecnológicas são transversais e de interesses transversais e, portanto, são gatekeepers, em que 80% do acesso à informação é feita através ou do Google ou através das redes sociais, se calhar até mais – há vários estudos, mas não há nenhum que seja excessivamente conclusivo – mas, ao mesmo tempo são também a parte interessada, enquanto vendedores de publicidade. Por isso, são obrigatoriamente parceiros se quiser continuar a trabalhar neste modelo.
Mas essa parceria também foi imposta, em grande parte, pela Comissão Europeia…
E começaram a pagar. E hoje em dia são uma importante fonte de receita, além de serem agências de meios de anunciantes. Posso aderir à plataforma de anúncios do Google e esse é outro negócio que monto em cima da Alphabet [casa-mãe da Google]. Já são duas variáveis. Já não é só a questão do acesso é também a questão da publicidade. É poder a mais, é poder a menos? Não sei. Sei que é uma realidade e que vamos ter que geri-la, mas é uma realidade de há uma década. Nada disto que está a acontecer hoje é inédito e está a acontecer há dez anos ou há 15 ou até mais. Estava lá, estava escrito nas estrelas, só não percebo como é que demorámos tanto tempo a reagir.
Houve um fechar de olhos…
Ou pior, não perceberam o que é que estava a acontecer. Ou seja, posso escolher ter uma revista ou um meio qualquer e não estar no Google. Posso escolher isso, posso vender a minha própria publicidade e ter os meus próprios canais de publicidade. Posso conseguir isso tudo, mas é um nicho de mercado.
Mais de 30 empresas do setor dos media, de 17 países, incluindo a Impresa, interpuseram uma ação contra a Google. De acordo com os queixosos, a posição dominante da Google provocou perdas financeiras devido a um “mercado menos competitivo”, em que deveriam ter recebido mais receitas e menos despesas…
Temos dois casos. Um é o Google enquanto plataforma de acesso aos meus conteúdos e a utilização que faz dos meus conteúdos. Em relação a esse aspeto parece-me que está mais ou menos resolvido. Mas há outro caso que é a Google enquanto agência de meios, ou seja, a capacidade que a Google tem de vender publicidade por mim. Este último caso é sobre a questão da Google, enquanto agência de meios. É diferente, também envolve a parte dos conteúdos, evidentemente. Mas é Google enquanto fonte de receitas de anunciantes de publicidade, o que explica bem o poder que hoje em dia tem. Não é só a Google, também temos também a Meta e isto cada vez mais nos conduz a que existam dois, três grandes players globais que controlam, de facto, o mercado da publicidade e controlam o acesso meu a conteúdos. Isto é uma revolução. Mas, repito, não é de hoje, aconteceu há uma década.
Ainda agora, a Google foi multada em 250 milhões de euros por violar propriedade intelectual com os media franceses…
Como o negócio deles é transversal não dependem obrigatoriamente dos grupos de media. É uma parte relevante do seu negócio? É, mas não dependem disso. E se a Google quiser ir mais longe pode continuar a financiar uns grupos de media em detrimento de outros ou criar os seus próprios grupos de media, por acaso acho que é o passo que falta.
É previsível que isso venha a acontecer?
A Google está a levar com um processo dos alemães Axel Springer quando os pode comprar? A União Europeia tem sido a entidade, mais até que os Estados Unidos, onde essas questões têm sido discutidas, nomeadamente através de algumas peças legislativas e reguladoras. Este conflito para terminar passa por duas alternativas, tirando a terceira que é continuar assim com processos recorrentes e ou acaba com a Google a ser desmembrada ou acaba com a Google a investir no negócio dos media e ser ela própria um player. Mas nenhum destes casos vai resolver o problema de fundo dos media, principalmente em Portugal. Lá fora essa transição já acontece. Vamos ver jornais online e eles já fizeram essa reinvenção do modelo de negócio, agora em Portugal estamos mesmo muito atrasados. Os media portugueses precisam de se reinventar. É preciso oferecer um produto de qualidade e obrigatoriamente diferente, porque as plataformas permitem-no e o público exige. Voltamos à história do PDF, em que temos um PDF e chamamos àquilo digital.
E depois apostamos em conteúdos desbloqueados, depois bloqueados, depois meio bloqueados…
Fecham conteúdos e não fecham conteúdos. Se fecham conteúdos, depois têm poucas visualizações, se têm poucas visualizações depois dá pouca receita de publicidade. Mas depois o número de assinantes não é suficiente e como o número não é suficiente e não tem publicidade começa a cortar nos custos de redação e começar a cortar nos custos de redação significa pior produto.
É um ciclo vicioso…
Estamos sempre a cortar nos custos e depois não temos um produto de qualidade que alavanca as audiências.
E como vê a distinção das verbas dadas pela Google aos vários meios de comunicação social?
A propósito disso há um tema que normalmente não é abordado, mas que é muito relevante para os anunciantes que é o retorno, isto é, o impacto real. No caso da rádio temos uns estudos e tenho ideia que ainda são feitos através de sondagens feitas por telefone para medir as audiências. Em televisão é aquele modelo que conhecemos e que continua ainda a ser discutido quando hoje em dia já há soluções tecnológicas que até me permitiam fazer isso. Nos jornais é através do controlo de tiragens, mas depois no digital não tenho nada, em que cada um dá o seu número. Mas a Google tem acesso aos números reais, não só faz de gatekeeper como também diz quanto é que valho. E em negócios online, qualquer loja de e-commerce consegue medir o impacto de vendas na Google e isto para os anunciantes é muito relevante. No entanto, como os media não foram capazes de resolver os seus problemas de audiências e terem dados fiáveis, a Google resolveu por eles. Claro que posso continuar a dizer que o meu jornal, o Jornal do Rodrigo, tem 12 milhões de pageviews e tem três mil de interações por dia, mas a Google sabe os números verdadeiros, melhor quando compro publicidade através da Google sei o que é que estou a comprar e depois não iria bater certo com os 12 milhões que andei a anunciar.
Como vê o futuro dos meios de comunicação com estas guerras com as grandes tecnológicas?
Estou a fazer de advogado do diabo. São duas realidades diferentes, aquilo que se passa lá fora e aquela que se passa cá dentro. Cá dentro temos de reinventar o modelo de negócio e não só, também temos de reinventar o produto. Temos de fazer inevitavelmente o percurso todo que lá fora já foi feito e sem capital vai ser muito mais difícil fazê-lo. Lá fora, vamos ver, mas vai ser interessante, porque são duas forças enormes em confronto aberto. Não sou capaz de dizer quem é que é capaz de ganhar, mas que o mercado vai ser obrigatoriamente diferente vai.
Para melhor ou para pior?
Depende, mas acredito que do lado do consumidor será sempre para melhor.
Mas os estrangeiros têm feitos mais queixas contra as tecnológicas…
São grupos de media e depois há a questão nacionalista que é esta coisa irritante de ter um americano a mandar no mercado. Ninguém fala sobre este caso de xenofobia, mas leio as notícias de fora e todos falam no ‘grupo americano’. É aquela coisa de multinacional americana, quase como um apelo a nacionalismo. No entanto, a União Europeia está muito avançada e, às vezes, está demasiado avançada nessa luta. Mas não há alternativa ao mercado. Temos um outro caso muito semelhante que é o Spotify. Podemo-nos queixar das injustiças que o Spotify faz aos músicos e tenho a certeza que haverá alguém melhor do que eu para falar sobre o assunto, mas o Spotify permitiu reinventar o modelo de negócio. E a mesma coisa aconteceu com o Google.
Por ultimo, como vê o anúncio feito pela Google que acenou com quatro medidas para combater desinformação nas eleições europeias?
A União Europeia tem sido particularmente exigente com estas plataformas, embora a questão das eleições seja outro caso e a questão do combate à desinformação é mesmo um problema. Em relação à desinformação não estou só a falar de fake news estou a falar de desinformação pura e dura. E esta é uma das questões mais relevantes que temos. Por outro lado, a Google e a Meta são duas empresas que podem assegurar e garantir o sucesso dessa luta e não só sabem disso como têm despejado muitos milhões de euros e dólares nessa questão.
Mas a rede social Twitter, assim como a plataforma digital Facebook foram fortemente criticadas por não terem impedido as grandes campanhas de desinformação ocorridas em 2016 e que comprometeram a campanha eleitoral nos Estados Unidos…
A propaganda é como a água, encontra sempre um caminho. E a política é como a água, encontra sempre um caminho.
E depois culpamos as grandes empresas tecnológicas?
Até fazemos exigências de serviço público, que eles assumem, mas tenho dúvidas se poderíamos exigir isso a um privado ou um qualquer privado. Olhamos para o Facebook ou para a Google como se tivessem a prestar um serviço público, como se não houvesse alternativas e há. O mercado é aberto e é concorrencial, aquilo não é um serviço público é um serviço privado. Utilizo o Google porque quero.
Mas as alternativas são, muitas vezes, consideradas mais fracas…
Algumas foram morrendo, ainda existem. Há o Yahoo ou o Bing.