As fragilidades na Europa acentuam-se, precisamente, numa altura é que as relações transatlânticas estão em suspenso. O Presidente Biden não consegue impor aos republicanos a sua estratégia de prosseguir e reforçar o apoio militar à Ucrânia, ao mesmo tempo que existe uma forte probabilidade de Trump ser eleito em novembro, o que terá um impacto mortal na NATO.
A economia europeia está estagnada, a extrema-direita avança em todo o continente, a oposição ao expansionismo de Putin é um exercício de irrelevante verbalismo e não há uma posição única, coerente e perentória sobre a questão da Palestina.
Para o bem e para o mal, a condição da Alemanha é sempre determinante para a Europa. Ora, o colosso germânico parece tolhido pela astenia e pela ausência de liderança que Olaf Scholz personifica. Conheci o chanceler em Londres, numa mesa redonda que partilhámos com o presidente da Câmara de Roma, organizada pela revista Economist. Na altura, era o bürgermeister de Hamburgo e vice-presidente do seu partido, o SPD. Sem querer ser desagradável, apenas direi que fiquei muito surpreendido quando, em 2021, chegou à chancelaria, graças a um difícil acordo com os Verdes e os Liberais. Substituiu assim Angela Merkel, de quem fora ministro das Finanças num governo de grande coligação CDU/CSU-SPD.
Se Merkel era uma líder política sólida, decidida e afirmativa, Scholz é o oposto. Simon Tisdall, um observador atento da política alemã, descreveu-o como um «gestor de um banco de província». É verdade que, em 2022, e logo a seguir à invasão da Ucrânia, fez um discurso importante, com o título ’Zeitenwende’ – que se traduz por a mudança de era –, em que reconhecia o fiasco da ostpolitik de Merkel, que o SPD partilhara.
A boa relação que existia entre o SPD e Putin é inegável, sendo comprovada, por exemplo, pela colaboração do ex-chanceler Schröder com a Gazprom. Acresce que, depois do precipitado encerramento das centrais nucleares após o acidente de Fukushima, a Alemanha reforçou a sua dependência energética da Rússia, em particular do seu gás natural.
Com a invasão russa da Ucrânia, Scholz prometeu uma inversão estratégica e um gigantesco investimento na defesa e no reforço das capacidades militares, o que foi aplaudido em toda a Europa. Sucede que essa inversão estratégica não teve consequências. A Alemanha demorou a entregar os tanques Leopard 2 e, agora, recusa-se a ceder os mísseis Taurus de médio alcance ao exército ucraniano. Mais: permitiu que os pormenores da discussão acerca dessa recusa chegassem a Putin, que obviamente beneficiou com essa informação, reforçando a sua confiança na capacidade de subjugar a Ucrânia.
O rumo errático de Scholz, a inesperada fragilidade da economia alemã e a onda de greves que atravessa o país têm ajudado ao crescimento da extrema-direita, que combina nacionalismo com uma admiração pelo autoritarismo de Putin.
Por outro lado, também as relações franco-alemãs se complicaram entretanto. Sobretudo depois de Macron defender uma Europa estrategicamente autónoma, separada da NATO e dos Estados Unidos.
Em suma, quando a Europa mais precisa de um líder, a Alemanha está emperrada por insanáveis contradições e por falta de liderança de um fraco primeiro-ministro, atemorizado pelas frentes interna e externa. Enquanto assim for, a Europa continuará a ser um continente composto por países cooperantes em vez de um bloco único, agonizando por falta de estadistas que promovam a indispensável unidade e definam um rumo face às previsíveis contingências.
E tudo isto representa uma ameaça iminente, se não houver a tão propalada mudança de rumo – a zeitenwende europeia.