O tempo do ‘vai lá e faz’

É preciso voltar a fazer política com empatia e proximidade, evitando continuar o divórcio entre governantes e governados.

Há eventos cujas consequências profundas de longo prazo apenas podem ser observadas com alguma distância: o governo da troika, e o encostar do PSD à direita, libertou alguns demónios que sempre estiveram lá, mas que tinham algum pudor de se libertar. Quando Rui Rio quis centrar o partido, esses demónios não quiseram rastejar novamente para debaixo da pedra onde o 25 de Abril de 1974 os tinha colocado. Terão então pensado: ‘Agora já somos livres!’. E tinham razão, havia lugar para eles.

Claro está que, não apenas por isto, mas também pela dinâmica da sociedade portuguesa e por mimetismo com o que sucede em outras geografias, vai-se tornando cada vez mais evidente que o sistema partidário português dos últimos 50 anos está no seu limite. O equilíbrio do rotativismo entre PS e PSD está em recomposição.

A reconstrução de um sistema partidário necessitaria de personagens que percebessem ou concordassem como este se construiu. Não estou certo de que concordem, ou não faltariam a tomadas de posse.

O que esta situação tem de mais preocupante é o facto dessa recomposição estar a ser feita a partir dos extremos, muito mais do que do centro. Temos escrito, diversas vezes, como os extremos capturaram o centro. Desta forma, ainda que a larguíssima maioria da população seja moderada, as novidades políticas são de nichos não moderados. A população ou fica órfã de representatividade ou é empurrada para os extremos, provocando a polarização da sociedade. Claro está que políticos conscientes e patrióticos não desejariam tal circunstância, mas não temos a sorte de ter muitos desses nos tempos que correm.

O que nos leva a saber: quem está a exercer atividade política? Nas últimas décadas, boa parte das elites portuguesas escolheram resguardar-se da política. Seja pela exposição, pelos ordenados baixos ou, mais recentemente, por um ambiente de suspeição quase insuportável, muitos dos melhores não querem estar na vida pública. Estão nas empresas, na sua vidinha, bastantes comentam, poucos efetivamente ‘sujam as mãos’.

A recomposição do sistema partidário, necessita dos portugueses. É preciso voltar a fazer política com empatia e proximidade, evitando continuar o divórcio entre governantes e governados. Os portugueses não se sentem ouvidos ou representados, e não haverá comemorações dos 50 anos do 25 de Abril que escondam essa triste realidade.

Mudar isso implica outro tipo de sacrifício por parte dos portugueses. Afinal, o país é deles e a democracia também. Portugal precisa de encontrar nova ambição e novos desígnios, isso apenas vem com mais estudo e novas ideias. Se as atuais gerações querem estancar o declínio nacional e a sangria de jovens para outros lugares têm de assumir um papel mais ativo e empenhado.

Num país com tantos espaços de comentário e tantos comentadores, bem cantava Sérgio Godinho, “não me olhes só desse maple estofado”, é preciso que as elites portuguesas percebam que a fase de comentar de fora está a terminar, agora é o tempo do ‘vai lá e faz’.