Tempos de pessimismo no Médio Oriente

Esta terceira frente veio obrigar os EUA pela sua relação histórica com Israel, a empenharem-se decisivamente e em procurarem evitar que a guerra se alargasse a outras zonas.

Passaram-se seis meses sobre o início de mais uma guerra no Médio Oriente. Assistimos ao mesmo e continuado drama da sobrevivência e do apoio humanitário, do terrorismo e dos reféns multiplicados pela incerteza, aos avanços e recuos da guerra comentados em direto, do sofrimento sem fim das populações à geopolítica negocial. Tudo isto tem dominado o intenso palco mediático. A disputa entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza e o renascer de soluções sempre tentadas para o conflito palestiniano polarizaram o mundo. Como sempre tem sido. Em especial na Europa e mesmo nos Estados Unidos. Mas na verdade nada mudou no Médio Oriente e não se prevê que possa mudar em tempos próximos. Em termos políticos, diplomáticos e militares.

O Médio Oriente encontra-se enquadrado por estratégias e políticas próprias definidas pelas grandes potências regionais, onde a fronteira entre a estabilidade e a confrontação é ténue. As linhas de interesse regional definidas pela Arábia Saudita e os Estados do Golfo, o Irão e o seu “eixo de resistência,” o Catar, a Turquia, o Egito e Israel, multiplicam as divergências e acrescentam aos problemas internos que são muitos, situações de insegurança e instabilidade permanentes no cenário regional. Os conflitos persistentes nas fronteiras e em áreas autónomas sem controlo político do poder central, as guerras civis e a confrontação política, militar e étnica, aumentam a intranquilidade e a insegurança em toda a região. A fragilidade política de Estados como o Iraque, a Síria, o Líbano e o Iémen, e a preponderância de grupos armados extremistas, como o “Estado Islâmico” (Daesh), o Hezbollah, a Jihad Islâmica, os Houthis e muitos outros, apoiados direta ou indiretamente por estas potências regionais, acrescentam à região o vetor das ameaças e do terrorismo, impedindo qualquer possibilidade de paz e de futuro prometedor.

O ataque em forma de terror realizado em 07 de outubro de 2023 pelo Hamas, veio recolocar o problema palestiniano de novo na ordem no dia. As grandes potências globais, os Estados Unidos (EUA), a China, Rússia e a União Europeia foram apanhadas de surpresa. Da mesma forma o foram os próprios países da região e ainda mais estranhamente Israel. Aliás este será um assunto primeiro do debate interno, que a sociedade israelita não deixará de realizar no pós-guerra, com a consequente retirada das responsabilidades que todos anteveem. Ainda hoje subsistem dúvidas se mesmo o Irão e o Hezbollah no Líbano, entidades diretamente apoiantes do Hamas, estariam ao corrente dos planos do ataque de 07 de outubro e das previsíveis consequências a que hoje assistimos.

Passados estes meses, a estratégia americana tem balanceado ao sabor dos desenvolvimentos do espaço mediático. Nesta década o objetivo estratégico dos EUA encontra-se claramente apontado para a confrontação económica e comercial com a China no espaço da Ásia-Pacífico, e onde a questão de Taiwan emerge em toda a sua plenitude como a mais delicada. A que se acrescenta a agressiva postura da Coreia do Norte e a prioridade do reforço militar dos EUA nesta zona estratégica do mundo e em apoio dos seus aliados, muito em especial a Coreia do Sul, as Filipinas e o Japão, para alem de Taiwan.

O deflagrar da Guerra na Europa, entre a Rússia e a Ucrânia, e o surgimento deste conflito no Médio Oriente com Israel, veio criar novos dilemas e hesitações na diplomacia e na política a seguir pelos EUA. Esta terceira frente veio obrigar os EUA pela sua relação histórica com Israel, a empenharem-se decisivamente e em procurarem evitar que a guerra se alargasse a outras zonas. Com tudo isto saiu reforçada a Rússia. Esta ficou com campo aberto para continuar a sua ação militar de agressão na Ucrânia, mais afastada dos holofotes mediáticos, aproveitando-se dos EUA ficarem mais divididos e enfraquecidos no apoio militar, logístico e financeiro, agora com uma terceira frente em Israel e com um aumento significativo do seu esforço militar e de segurança alargado a todo o Médio Oriente. Os EUA e a atual Administração de Joe Biden convivem com um problema político muito sério, interna e externamente. Continuar a apoiar de forma inequívoca Israel, em especial na parte militar, e em simultâneo não deixar cair a questão palestiniana e o apoio humanitário à população em Gaza, procurando manter assim toda a sua credibilidade junto da comunidade internacional e mesmo na opinião publica interna. Muito em especial quando se aproxima um decisivo período eleitoral.

Nesta altura em que escrevemos continuam a pairar no ar algumas incertezas que decorrem deste ambiente diário de tensão e guerra. A operação militar de Rafah irá realizar-se? Será ela apenas uma forma de pressão para as negociações em curso, ou uma batalha final e decisiva desta guerra? Haverá por estes dias retaliações diretas do Irão sobre Israel, depois da recente morte de vários dirigentes militares do Irão, entre eles o General Mohammad Reza Zahedi, líder do Corpo da Guarda Revolucionário Islâmica do Irão (Quds Force) no Líbano e na Síria, por presumível ataque israelita ao consulado do Irão em Damasco? E que tipo de resposta poderá dar Israel? Para quando a perspetiva clara de um cessar-fogo em Gaza, que permita a tão esperada libertação de alguns dos reféns israelitas em troca de prisioneiros palestinianos?

Ainda assim, tudo parece indicar nesta nossa reflexão, que nada se vai alterar de significativo nos comportamentos geopolíticos desta região. Os diferentes atores regionais e os grupos locais armados continuarão as suas políticas habituais. A paz ficará como sempre longe de ser alcançada. Israel terá conseguido, em mais um dos muitos conflitos e guerras, uma vitória militar sobre o Hamas, apesar da incerteza sobre o futuro dos reféns. Resta saber se a Faixa de Gaza será terra de ninguém na próxima década ou se existirá alguma alternativa viável para o controlo administrativo, político e funcional deste território. Israel mesmo com um novo governo e outro primeiro-ministro que se antevê com alguma razoabilidade, ficará ainda mais isolado e aumentará substancialmente as suas capacidades militares defensivas face às ameaças crescentes do Irão e claro do Hezbollah na sua fronteira norte. A paz com o Líbano ficará de novo também ela sempre adiada. A desconfiança entre israelitas e palestinianos aumentará. A questão palestiniana continuará igualmente protelada no tempo, a menos que surjam líderes reconhecidos com vontade absoluta de iniciar negociações sérias e conducentes à paz e à criação de um Estado Palestiniano que possa conviver lado a lado em paz e segurança com o seu vizinho e inimigo de sempre. O Irão por seu lado não deixará de manter acessa a chama de ser o grande perturbador da região e o principal ator regional com uma estratégia claramente de confrontação com Israel e o Ocidente. Tudo isto cenários baseados em factos reais! Nada que não tenhamos visto nas últimas décadas, e com continuação provável para as próximas. A menos que sejamos muito surpreendidos (por boas razões), nestes tempos de pessimismo.

Coronel e especialista em geopolítica
Eduardo Caetano de Sousa | LinkedIn