Exposição: Um Fragmento de Manhã no espaço Prosa Plataforma Cultural

De 12 de abril a 4 de maio, terça a sexta-feira, das 17h00 as 21h00, aos sábados, das 15h00 as 18h00, entrada livre na Rua.Alves Torgo 8, em Lisboa. Uma exposição de Bernardo Gunza, Patrícia Costa, Carla Fragata, Beatriz Ascensão e Carolina Ascensão.

“A ideia de fragmento está na essência da fotografia e da prática fotográfica. Enquanto seleção do mundo visível, a fotografia é um fragmento do espaço visual que se apresenta ao fotógrafo. O mundo inteiro não cabe na câmara fotográfica e o fotógrafo tem a consciência disso mesmo. Por isso move-se, no espaço, à procura do lugar de onde o mundo, uma parte significante do mundo, se encontra na superfície do material sensível, onde a imagem vai nascer. O limite da fotografia marca essa interrupção, esse corte espacial que nos separa a imagem do resto do mundo. Por isso os limites da fotografia têm uma importância completamente diferente dos limites da pintura. Se na pintura referenciam o que está lá dentro, na fotografia, muitas vezes, apontam para lá dos limites e deixam-nos intuir um mundo que está para lá do que nos é mostrado. Temos também a dimensão temporal. Qualquer que seja, independentemente do fotografado, a fotografia traz-nos sempre um fragmento de tempo. Seja na própria condição técnica de produção (a fotografia resulta sempre de uma combinação entre luz e tempo) seja no tempo da representação ou no da recepção. O tempo deposita-se na fotografia e transforma a matéria, como nos fósseis.

Vem isto a propósito do título da exposição que reúne estes trabalhos, que aponta para a noção de fragmento e também para o início, para a primeira parte do dia, quando os olhos se abrem para o mundo. O fragmento é o que nos chega em primeiro lugar aos sentidos e é a partir dele que vamos construindo uma ideia sobre o mundo. Mas também é um resto, aquilo que nos fica de um mundo que desapareceu e do qual vamos encontrando vestígios sob a forma de indícios que nos permitem (re)construir o passado; ou o presente; ou nós próprios. Cada fragmento, torna-se um mundo de possíveis, um lugar à espera de acontecer e a fotografia surge-nos como uma possibilidade de construção de sentido, de ligação entre os diversos fragmentos de que o mundo é feito. Cria uma estrutura de suporte para uma arquitetura possível que nos torne visível um modo particular de entender o mundo”,

Textos por Francisco Feio

ARTISTAS:

Em Bernardo Gunza encontramos o passado, num espaço fragmentado, em ruínas. Um espaço que não é apenas a memória de um qualquer lugar, mas de toda uma estrutura económica, de relação de forças, de trabalho, de poder, que marcaram uma época. Cada fragmento do espaço não é apenas uma referência ao lugar físico, mas também um fragmento desse tempo específico e das forças que o (in)formavam. A ideia de ruína, aparece aqui associada não à visão romântica e nostálgica da ruína clássica que nos remete para um tempo inicial e perfeito, mas para a falência de um sistema que o tempo e novas relações de força, se encarregaram de enterrar. De um ponto de vista da apresentação material das fotografias, a ideia de fragmento aparece marcada na impressão em suporte que é um fragmento da realidade fotografada, como se a imagem fosse parte do próprio espaço.

Patrícia Costa traz-nos um outro tipo de fragmentação, a do eu que olha o mundo e se desdobra em várias possibilidades de aparecer, num jogo de espelhos em que nos vemos refletidos nas múltiplas superfícies do objeto fotografado. Não há uma visão clara, objetiva, sobre nós. As imagens são difusas como a nossa memória. Apesar da continuidade que nos liga ao longo do tempo, somos construídos por fragmentos que povoam as nossas memórias. Da nossa experiência vivencial, quotidiana, guardamos apenas fragmentos que vamos reconstruindo continuamente ao longo do tempo.

Em Carla Fragata encontramos uma síntese entre o mundo exterior, metafórico, o mundo do outro e o eu que o olha e que, olhando-o, o transforma em imagem. O mundo é frágil e a escolha de material vegetal como objeto acentua essa fragilidade. A precariedade dos processos utilizados, reforçam a efemeridade do tempo ao mesmo tempo que dão uma espessura matérica, mas diáfana ao fotografado, o que é acentuado pela impressão em suportes translúcidos. Cada fragmento aparece como se fosse o resultado de uma fenda aberta num corpo em constante mutação para deixar ver o interior. E o que poderíamos ver no interior? Podemos ver a memória? Estas imagens convidam-nos à reflexão, a mergulhar nesse espaço interior onde os fragmentos das nossas vivências dão corpo ao que, acreditamos, nos faz ser. Há uma versão destas fotografias que se organiza tridimensionalmente num livro-origami em que se vão desdobrando à medida que vamos virando as páginas. Aqui, cada imagem vai-se fragmentado aos poucos, misturando-se com as imagens seguintes, dando a ideia de um fluxo contínuo em que os fragmentos vão ganhando sentido pela forma que assumem, sempre de configuração distinta, segundo o modo como o folheamos, lembrando que também a memória muda consoante o ponto de vista que sobre ela assumimos.

Este conjunto de obras é complementado por outras, de duas jovens autoras, que nos interrogam sobre alguns aspetos fundamentais da fotografia. Beatriz Ascensão reflete sobre a relação entre a fotografia e o espaço. Se de um ponto de vista espacial de representação, a fotografia é a passagem de um espaço tridimensional para um espaço a duas dimensões, a realidade aumentada, ainda que de forma virtual, é uma tentativa de explicar, de entender as relações entre os objetos na realidade e no espaço de representação. Carolina Ascensão reflete sobre a dimensão temporal que referimos no início. Podemos ver o filme como uma sucessão de imagens no tempo, a que o carácter fragmentário das imagens utilizadas dá corpo. Muito do movimento narrativo não é contínuo, como seria de esperar, mas um movimento que é constituído por fragmentos que se sucedem e que lemos como uma sucessão fílmica. Curiosamente, quando o movimento se desenrola de forma contínua refletindo o tempo real da ação, é quando as imagens são destruídas, consumidas pelo fogo, reduzidas a fragmentos: ao que sobra em nós das vivências do mundo.