Aquecimento global. A crise climática e o futuro da espécie

Março foi o mês mais quente de sempre a nível global. Teremos razões para acreditar que o planeta caminha para o abismo?

Como é possível continuar de braços cruzados enquanto os combustíveis fósseis e o consumismo desenfreado destroem o planeta? Como é possível permitir que os recursos naturais se esgotem a um ritmo nunca visto? Como é possível ainda comer, rir e ir para a cama descansado enquanto a humanidade caminha para o abismo?

Este é o tipo de argumentação que leva ativistas climáticos a bloquear estradas, a partir montras, a atingir políticos com tinta e a atirar sopa contra obras de arte célebres. Estamos em contagem decrescente para o apocalipse climático e a sociedade tem de despertar do seu torpor.

De facto, não faltam dados científicos a confirmar que as temperaturas estão a atingir patamares nunca vistos. O mês de março terá sido o mais quente de sempre a nível global, em média 1.68°C acima dos valores pré-industriais.

Temperaturas Recorde “Março de 2024 registou temperaturas iguais ou superiores à média de 1991-2020 em quase toda a Europa”, anunciou por estes dias o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. “As maiores anomalias ocorreram nas regiões central e oriental do continente. A Alemanha e os Países Baixos registaram o seu mês de março mais quente desde o início (1881 e 1901, respetivamente). No final do mês, muitos países mais a leste, incluindo a Croácia, Letónia e Moldávia, igualaram ou ultrapassaram os anteriores recordes nacionais de temperaturas elevadas”. Por este andar, começaremos a ter vinhos produzidos na Escócia e estâncias balneares no Alasca.

Se, como acreditam muitos cientistas, esta desregulação do clima vai provocar catástrofes sem precedentes – fogos florestais incontroláveis, cheias, deslocações em massa –, não podemos permanecer como se nada fosse. Há que alertar consciências, nem que seja à margem da lei.

Mas e se não estivermos a caminhar para o abismo? E se os ativistas climáticos mais radicais, como os seis jovens portugueses que apresentaram queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) contra 33 estados por inação face à crise das alterações climáticas, forem na realidade jovens zangados com o mundo que encontraram neste combate uma forma de canalizar o seu sentimento de revolta?

O progresso é uma moeda de duas faces. Podemos ver apenas a mais feia: a poluição, o excesso de consumo, a destruição de habitats. Mas existe outra: a melhoria das condições e o aumento da esperança de vida, para não falar de privilégios como viagens de avião, telecomunicações e outros prodígios da técnica que damos por adquiridos.

“As alterações climáticas são um facto. Não é o fim do mundo. Não há base científica para sustentar que as mortes por desastres naturais vão aumentar”, defendeu Michael Shellemberger, autor de Apocalipse Nunca, aquando da publicação do seu livro em Portugal. “Nada indica que a produção de alimentos vai diminuir. Não há motivos para pensar que não conseguiremos adaptar-nos à subida no nível do mar […]. Mas seria pior se ficasse mais frio do que se ficar mais quente. E temos de ter em conta de que as alterações climáticas são um efeito colateral de uma melhoria global das condições de vida. Conseguimos tirar 90% da população mundial da pobreza extrema e seria um crime contra a humanidade impedir os dois mil de milhões de pessoas que continuam muito pobres de ter acesso à prosperidade só por causa de uma agenda misantrópica de decrescimento”. Shellemberger, que denuncia o “alarmismo” de Greta Thunberg e seus seguidores, acredita que em 2050 “haverá menos pessoas a morrer em consequência de catástrofes naturais e que teremos muito, muito mais comida do que conseguimos produzir hoje”.

“A tragédia do nosso tempo” Mas não são só os mais novos que alertam para os perigos das alterações climáticas. O secretário-geral da ONU, António Guterres, tem-se penitenciado repetidas vezes pela falta de ação dos líderes da sua geração.

Entre os cientistas, Paul Crutzen, o químico holandês distinguido com o Nobel que identificou os elementos que destroem a camada de ozono e cunhou o termo Antropoceno, estimou que entre um terço e metade da superfície do planeta foi alterada por ação humana e que é a primeira vez na História que esta provocou a alteração da atmosfera.

Já David Attenborough, o decano dos naturalistas, aponta “o declínio em espiral da biodiversidade” como “a verdadeira tragédia do nosso tempo”.

Há quem fale da Sexta Extinção – a jornalista norte-americana Elizabeth Colbert aponta que “mais de um quarto de todos os mamíferos da Terra está hoje em vias de extinção”. Nem a Peste Negra foi tão mortífera.

Outro jornalista, David Wallace-Wells, elencou as consequências prováveis do aquecimento global provocado pelo Homem: “morte por calor”, “fome”, “afogamento” de cidades inteiras, “incêndios”, “catástrofes que deixaram de ser naturais”, “o fim da água doce”, “oceanos moribundos”, “ar irrespirável”, “pragas do aquecimento”, “colapso económico”, “conflitos por causa do clima”.

Mais do que uma previsão do que aí vem, parece uma visão do apocalipse saída de um dos filmes-catástrofe que invadiram as salas de cinema por volta do ano 2000.

Tudo isto decorre, evidentemente, do nosso sucesso enquanto espécie:nunca houve tantos seres humanos à face da Terra. De que nos queixamos nós, afinal? Somos perto de oito mil milhões de bocas para alimentar, e devemos chegar aos 10 mil milhões por volta de 2086 (estimativa da ONU), ainda para mais habituados a níveis de consumo sem precedentes. Nunca vivemos tanto tempo e com tanto conforto. A produção e o acesso a bens supérfluos aumentam a uma velocidade vertiginosa, com artigos a baixíssimo custo vindos do outro lado do mundo, à distância de um clique.

As denúncias dos crimes ambientais e os protestos por um mundo melhor têm o seu lugar. Mas o planeta precisa de soluções que ataquem problemas concretos, sejam eles a qualidade do ar que respiramos, o destino das embalagens de plástico, o abastecimento de água potável ou a proteção dos habitats naturais. Exigir o impossível não resolve nada. E os slogans e propaganda leva-os o vento.